A reforma da CLT e alteração das regras que regem a relação entre trabalhador e empregador não são temas novos no Brasil. Segundo o professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Nelson Mannriche, a reforma trabalhista é discutida no país há pelo menos 20 anos.
A possibilidade, entretanto, não era benquista pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ainda em 2014, durante sua campanha vitoriosa pela reeleição, Dilma Rousseff disse que não mexeria nas férias, 13º, fundo de garantia e horas extras “nem que a vaca tussa”.
Carlos Lupi, que esteve à frente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) entre 2007 e 2011, critica o fato de a proposta de reforma ser apresentada durante a recessão por que passa o país.
“Quando se fala em reforma trabalhista se fala em retirada de direitos”, resume o líder pedetista.
Ele admite que a CLT precisa de alterações, porém entende que propostas como privilegiar o acordado sobre o legislado são invariavelmente negativas aos trabalhadores. “Em nenhum país do mundo a parte mais fraca negocia com mais forte e vence”, diz.
Poder de barganha
Lupi cita que trabalhadores podem ser levados, por exemplo, a concordarem com redução de salário ou parcelamento do 13º. “O patrão tem o poder. Ele pode assinar a demissão”, afirma.
Sobre reforma na CLT, o ex-ministro entende que desde que a norma foi criada, em 1943, o mercado de trabalho sofreu diversas alterações. Exemplo, para ele, é a informatização do trabalho, que tornou obsoleta a necessidade de o trabalhador passar oito horas no local de trabalho.
A necessidade de atualização da CLT também é vista como importante pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mas o entendimento é outro quando o assunto é aumentar o número de itens que podem ser negociados por meio de acordos coletivos.
Para a gerente-executiva de relações de trabalho da instituição, Sylvia Lorena, o instrumento é importante para garantir a “sustentabilidade empresarial, competitividade da empresa e sobretudo a autonomia e valorização da vontade coletiva”.
“Temos uma legislação trabalhista tamanho único em um país enorme e com empresas e trabalhadores com interesses diferentes”, diz.
Como exemplo do que que poderia ser negociado, Sylvia cita que atualmente o artigo 134 da CLT prevê que maiores de 50 anos não podem fracionar suas férias. Negociar esta disposição, na visão da gerente-executiva, poderia ser positivo tanto para a empresa quanto para o trabalhador.
Outro ponto que poderia ser negociado, para ela, é a necessidade de pagamento do 13º salário no final do ano. Uma possibilidade seria, por exemplo, o pagamento do benefício no dia do aniversário do trabalhador, que seria positivo para o funcionário e diluiria os desembolsos da companhia ao longo do ano.
“O acordo não revoga ou exclui direitos, só permite que as partes interessadas possam ajustar condições de trabalho especificas em um determinado período”, afirma.
Na academia
O assunto também causa polêmica na academia. Professor de Direito do Trabalho da USP, Mannriche se posiciona favorável à idéia do “negociado sobre o legislado”. Ele explica que a proposta nada mais é do que dar poder aos sindicatos e empresários para negociarem tudo o que a CLT estabelece.
Mannriche afirma que, na Europa, o método foi muito importante para diminuir o desemprego. Ele explica que no continente europeu foram estabelecidos quesitos de Ordem Pública Absoluta.
“Não se poderia alterar itens relacionados à saúde do trabalhador, à dignidade e aos direitos fundamentais coletivos, como greve”, explica o professor. “Sobre o restante, passou-se a responsabilidade para o sindicato e o empresário definirem o que é o melhor para a categoria.”
Em sua avaliação, nada muda no papel dos advogados e da Justiça trabalhista.
“Se o Judiciário achar que o acordo não é válido, foi imposto por um governo reacionário e contraria a CLT, ele pode cancelar”, avalia, ressaltando: “mas isso seria muito prejudicial à segurança jurídica.”
Pedro Queiroz, sociólogo especialista em relações de trabalho e integrante do Núcleo de Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é contrário à proposta, pois o poder de barganha ficaria todo com o empresariado.
“Em um momento de crise, levando em conta um desemprego de 11%, não vejo outra forma que não seja para retirar direitos do trabalhador”, aponta.
Queiroz diz que é “falaciosa” a argumentação de Temer de que a reforma é importante para diminuir as taxas de desemprego. “Nos últimos anos, vimos o Brasil em taxas baixas de desemprego, e em nenhum momento houve uma flexibilização da CLT”, criticou.
Para o professor coordenador da área trabalhista do Damásio, Leone Pereira, o grande ponto para se discutir na reforma é qual o mínimo que deve ser garantido ao trabalhador.
“Isso deve ser muito debatido. Férias de 30 dias, salário mínimo, fundo de garantia e outras questões fundamentais, por exemplo, devem ser analisadas se são o mínimo que o trabalhador deve ter garantido antes da negociação”, afirma.
Pereira diz acreditar que o número de ações que chega ao Judiciário pode até aumentar com a proposta.
“Vai continuar havendo maus empregadores e trabalhadores de má-fé que entram com ações”, falou. Por haver questões constitucionais, ele arrisca dizer que o caso pode ser levado ao STF.
Centrais sindicais
Duas das principais centrais sindicais do país ouvidas pelo JOTA também se posicionaram de maneira contrária à reforma trabalhista.
O secretário nacional de assuntos jurídicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertle, se posiciona contrário à proposta do negociado sobre o legislado. Para ele, o mínimo estabelecido pela CLT deve ser mantido para que os sindicatos possam negociar com os patrões.
“Mas não é isso que estamos vendo acontecer. Pelo jeito, vai se negociar tudo, incluindo 13º salário, férias, licença maternidade e outros direitos básicos”, afirmou. “Como ficará a vida dos trabalhadores? Hoje, em crise, uma negociação já é difícil, imagine sem o mínimo garantido.”
A advogada Claudia Campas Braga Patah, que presta assessoria jurídica à União Geral dos Trabalhadores (UGT), diz que a posição da central também é contrária ao negociado sobre o legislado.
“A central sindical entende que essa medida levaria a uma precarização dos direitos do trabalhador, principalmente pela possibilidade de uma negociação entre sindicato e empresário sem a presença do empregado”, explica Claudia.
A posição pessoal dela, no entanto, é que é necessário se adequar ao momento econômico pelo qual passa o país – mantendo o mínimo de direitos.
“Entendo por mínimo o que é previsto no art. 7 da Constituição Federal”.
Diz o artigo:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – fundo de garantia do tempo de serviço;
IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV – aposentadoria;
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
a) (Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
b) (Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013)