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O STF entre 2015 e 2016

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Capítulo 1

O conflito eleitoral-partidário

As três últimas sessões plenárias de 2015 no Supremo Tribunal Federal (STF) encerraram um ano especialmente marcado por decisões que interferiram direta e indiretamente nos rumos da política brasileira. A definição dos parâmetros constitucionais, legais e regimentais do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, foi o ponto final de um ano em que a Operação Lava Jato e a “Lista do Janot” pautaram a política brasileira.

Um ano em que o Supremo declarou inconstitucionais as doações empresariais para as campanhas eleitorais e, com isso, mexeu indelevelmente nas eleições municipais de 2016. Um ano em que o tribunal determinou, pela primeira vez sob a égide da Constituição de 1988, a prisão em flagrante de um senador da República, o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS). Um 2015 em que a Corte extinguiu a prática já arraigada na cultura parlamentar de incluir contrabandos legislativos nos textos das medidas provisórias.

Os fatos foram tantos e os escândalos na política tão devastadores que muitos ironizavam: 2015 parecia o ano que nunca terminaria. Para o Supremo a piada talvez se aplique. A Corte começará 2016 resolvendo uma pendência que deixou para trás no pendurar das togas em 2015: o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente da Câmara e do mandato parlamentar.

Será, como muitas das decisões de 2015, um fato inédito e grave para a política brasileira. Um julgamento que também definirá em parte o caminho da política ao longo do ano, independentemente do resultado a que chegarem os ministros do STF.

Capítulo 2

STF como árbitro

O impeachment

Em 2015, o Supremo funcionou como árbitro da crise política. Em três decisões, no intervalo de aproximadamente dois meses, o Supremo minou o plano arquitetado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em parceria com partidos de oposição para deflagrar e concluir o processo de impeachment da presidente Dilma.

O primeiro revés ocorreu no dia 13 de outubro. Três liminares concedidas pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Teori Zavascki, no mesmo dia, desmantelaram o planejamento dos adversários da presidente da República. Eduardo Cunha projetava rejeitar sozinho o pedido de abertura de processo de impeachment por crime de responsabilidade, protocolado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Em seguida, a oposição recorreria da decisão, exigindo uma manifestação do plenário da Câmara. Se tivesse votos suficientes, a denúncia seguiria o trâmite normal.

Rosa Weber e Teori Zavascki suspenderam, nas três decisões, os efeitos do rito que Eduardo Cunha havia definido para a tramitação dos pedidos de impeachment contra a presidente ao responder uma questão de ordem feita por parlamentares.

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As liminares foram deferidas nos Mandados de Segurança 33.837 e 33.838, impetrados respectivamente pelos deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA). Os parlamentares questionaram no Supremo a forma como foi disciplinada a matéria pelo presidente da Câmara – numa resposta à questão de ordem, sem direito a recurso ao Plenário da Câmara.

“Ora, em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do Governo da Nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”, afirmou Zavascki em sua decisão.

A estratégia de Cunha já chamava a atenção dos ministros e merecia reparos da Corte. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato e dos inquéritos abertos contra Cunha, afirmou que os atos do presidente da Câmara na matéria “deixam transparecer acentuados questionamentos sobre o inusitado modo de formação do referido procedimento, o que, por si só, justifica um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito”.

A ministra Rosa Weber também deferiu liminar na Reclamação 22.124, ajuizada pelos deputados federais Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS) contra o ato do presidente da Câmara do Deputados na mesma questão de ordem. Os parlamentes sustentaram que Eduardo Cunha criou um procedimento de tramitação de processo de impeachment não previsto na Lei 1.079/1950 nem no regimento da Casa, o que configuraria ofensa à Súmula Vinculante (SV) 46 do STF. O verbete dispõe que “a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”.

A confirmação das liminares e o julgamento do mérito dependeriam do plenário do STF. Eduardo Cunha, ciente de que o trâmite do processo demoraria, despistou o Supremo – voltou atrás na questão de ordem, fazendo com que os mandados de segurança e a reclamação perdessem o objeto. Assim, poderia seguir com a denúncia contra a presidente Dilma Rousseff.

No dia 2 de dezembro, depois de muitas negociações, o presidente da Câmara aceitou dar início ao impeachment. A deflagração do processo coincide com a decisão do PT de não apoiar Eduardo Cunha no Conselho de Ética. O presidente da Câmara responde à acusação de quebra de decoro parlamentar por ter mentido à CPI da Petrobras ao dizer que não mantinha contas bancárias no exterior – afirmação contestada pelo Ministério Público.

“Hoje eu recebi com indignação a decisão do senhor presidente da Câmara dos Deputados de processar pedido de impeachment contra mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro”, disse Dilma, em pronunciamento no Palácio do Planalto. “São inconsistentes e improcedentes as razões que fundamentam esse pedido. Não existe nenhum ato ilícito praticado por mim, não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público”, acrescentou.

Uma semana depois, o presidente da Câmara impingiu uma nova derrota para o governo. Numa sessão tumultuada e com votação secreta, a chapa alternativa de oposição venceria a disputa pela comissão especial encarregada de processar o impeachment.

Deputados do PT e do PCdoB tentariam, por meio de mandados de segurança, conter o processo. Sem sucesso. A primeira decisão foi do ministro Celso de Mello. A segunda partiu do ministro Gilmar Mendes. Uma terceira ação, mais ampla, foi movida pelo PCdoB e foi distribuída para o gabinete do ministro Edson Fachin.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 378 ajuizada pela legenda questionou, em 74 páginas, a recepção da lei que regulou o processo de impeachment – 1.079/50 – pela Constituição Federal. E alguns atos concretos, como a eleição secreta dos integrantes da comissão especial e a possibilidade de candidaturas avulsas. Cinco dias depois do protocolo da ação, o ministro Fachin concedia uma liminar que congelaria o processo político.

“Com o objetivo de (i) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados”, justificou o ministro na liminar que concedeu.

Na última semana do ano, o Supremo reservou as três sessões que lhe restavam para julgar se referendava a liminar concedida pelo ministro Edson Fachin ou se a cassavam. Advogados do PT e do PCdoB esperavam dele um voto favorável aos principais pontos.

Fachin fora indicado por Dilma Rousseff para a vaga de ministro do STF, pediu voto para ela nas eleições de 2010 e manteve relações com figuras da esquerda nas campanhas que empreendeu para chegar ao Supremo. Integrantes ou emissários do governo que com ele estiveram às vésperas do julgamento tinham certeza de seu voto favorável. Mas Fachin os surpreendeu.

Em mais de duas horas de leitura, uma resposta negativa a todos os pedidos feitos na ação. O primeiro dia de julgamento terminou assim: com apenas um voto proferido e a falsa impressão de que o jogo estava jogado e que a presidente Dilma sofreria uma derrota fragorosa no STF.

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Ao fim daquele dia, depois da sessão plenária, os ministros se encontraram com os ex-integrantes da Corte para o tradicional jantar de confraternização de final de ano. Acertaram, informalmente, a maneira como o julgamento seria retomado no dia seguinte. A questão era complexa e, com pouco tempo até o dia 18, era preciso otimizar a sessão. Em algum desses momentos, o ministro Barroso revelou ao presidente, Ricardo Lewandowski, que faria o contraponto ao voto de Fachin.

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Na quinta-feira, 17, Barroso proferiu seu voto. Abriu a divergência nos pontos principais e foi seguido pela maioria do plenário:

  • anulou a eleição dos integrantes da comissão especial do impeachment na Câmara;
  • determinou que a nova eleição seja feita com voto aberto;
  • definiu que os candidatos a integrar a comissão especial serão indicados pelos líderes partidários;
  • decidiu que a Câmara autoriza a abertura do processo de impeachment por dois terços dos votos;
  • estabeleceu que o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o processo de impeachment;
  • julgou que a instauração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff se dá pelo voto da maioria simples dos senadores;
  • e concluiu que a presidente da República só é afastada do cargo temporariamente (180 dias) se o Senado instaurar o processo de impeachment, depois de devidamente autorizado pela Câmara.

A decisão do Supremo, na liminar e já no mérito, retardou o impeachment. Alguns consideram que, mais do que atrasar, o julgamento do Supremo sentenciou o impeachment. O tribunal será chamado no início de 2016 a resolver divergências e contradições que o presidente da Câmara vem apontando. O resultado, porém, não mudará.

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A luta pela derrubada de Dilma Roussef não se resume a esse front. Em 2016, a oposição também deve voltar a apostar em outra instância. Presidido pelo ministro Gilmar Mendes, crítico aberto do governo atual, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar – no segundo semestre – a ação de impugnação dos mandatos da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer.

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Capítulo 3

Operação Lava Jato

A lista do Janot

A Operação Lava Jato também repercutiu no Supremo Tribunal Federal em 2015. Em março, a Procuradoria Geral da República enviou ao Supremo a lista de políticos investigados sob suspeita de envolvimento nos desvios de recursos da Petrobras, um dos maiores esquemas de corrupção já investigados no Brasil.

A “Lista do Janot” incluiu os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, num total de 50 pessoas a serem investigadas por participação nos desvios da Petrobras – sendo 22 deputados federais e 12 senadores.

A investigação mexeu com o jogo político do País. Eduardo Cunha e Renan Calheiros acusaram o procurador-geral da República de usar a investigação para emparedá-los e atender a interesses do governo.

O ex-presidente Fernando Collor foi alvo de operação da Polícia Federal, e teve carros de luxo apreendidos. Ministros do governo Dilma Rousseff passaram a ser investigados. Mas alguns nomes ficaram de fora, como do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS). A exclusão alimentou as especulações de que a Operação Lava Jato estava sendo conduzida de forma política.

No dia 25 de novembro, Delcídio do Amaral e o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, foram presos pela Polícia Federal, suspeitos de tentar interferir nas investigações da Operação Lava Jato e impedir a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

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Nas gravações feitas pelo filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, o líder do governo fala em interceder junto a ministros do Supremo. “Agora, Edson (Ribeiro, advogado) e Bernardo, é eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com o Gilmar também, porque o Michel está muito preocupado com o Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também”, dizia Delcídio do Amaral.

A 2ª Turma do STF se reuniu em sessão extraordinária para referendar a decisão que autorizou a prisão de Delcídio. E os votos serviram de manifestação de repúdio do Supremo às possíveis tentativas de interferência no tribunal e de resposta por alguns dos citados nas gravações, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

“Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça. A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja”, disse a ministra Cármen Lúcia ao votar, numa frase calculada retoricamente para as manchetes.

A Operação Lava Jato entra em nova fase já no início de 2016. Quando retornarem do recesso, em fevereiro, os ministros terão de julgar o pedido inédito de afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara e do mandato de parlamentar. A Procuradoria Geral da República o acusa de usar o cargo para obstruir processos contra ele e de se valer do cargo para negociatas. Foram essas e outras suspeitas que embasaram o pedido inédito.

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Além disso, o Supremo deverá julgar o recebimento da denúncia contra o presidente da Câmara e a consequente abertura de ação penal.  Cunha é suspeito de ter recebido propina de aproximadamente US$ 5 milhões para viabilizar a construção de dois navios-sondas da Petrobras, no período entre junho de 2006 e outubro de 2012. Janot pede a condenação de Cunha pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ao longo do ano, o Ministério Público avançará nas apurações sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Novas diligências, abertura de novas frentes de investigação, pedidos de prisão e denúncias ainda influenciarão a política e o Congresso Nacional.

O ano de 2016, portanto, começará pelas pendências de 2015.

Capítulo 4

Biografias, drogas, sistema prisional, poder de investigação

Julgamentos

Doações eleitorais

O julgamento da ADI 4.650, com a declaração da inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, vai impactar as eleições municipais de 2016. Pela decisão do Supremo, somente as pessoas físicas poderão doar recursos para as campanhas eleitorais já a partir de 2016.

A decisão da Corte veio depois de o ministro Gilmar Mendes pedir vista do processo, admitindo que o fazia para parar o julgamento por não concordar com a conclusão. Integrantes da Corte cogitaram de uma medida heterodoxa para driblar o obstáculo imposto por Gilmar Mendes: o relator do processo, ministro Luiz Fux, concederia uma liminar para suspender o financiamento empresarial. O que forçaria a devolução do processo para continuidade do julgamento. Mas a combinação não foi adiante.

Gilmar Mendes devolveu a vista um ano e cinco meses depois. E proferiu, no plenário, um voto de forte cunho antipetista. “A Operação Lava Jato revelou ao país que o partido do poder já independe de doações eleitorais, uma vez que arrecadou somas suficientes ao financiamento de campanhas até 2038”, disse.

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“Estamos falando do partido que conseguiu se financiar a ponto de chegar ao poder; uma vez no governo, passou a manter esquema permanente de fluxo de verbas públicas para o partido, por meio de propinas e pixulecos de variados matizes; e, após chegar ao poder, e a partir dele abastecer de modo nunca antes visto na história do país, o caixa do partido, busca-se fechar as portas da competição eleitoral, sufocando os meios de financiamento dos concorrentes”, acrescentou Gilmar Mendes.

Prevaleceu, no entanto, o argumento de que as doações eleitorais por empresas desequilibram as eleições e interferem indevidamente no processo democrático.

“O exercício de direitos políticos é incompatível com as contribuições políticas de pessoas jurídicas. Uma empresa pode até defender causas políticas, como direitos humanos, mas há uma grande distância para isso justificar sua participação no processo político, investindo valores vultosos em campanhas”, afirmou. Para o ministro, autorizar as doações de empresas seria contrário à essência do regime democrático”, afirmou em seu voto o ministro Luiz Fux, relator do processo.

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Medidas Provisórias

Outra decisão do STF afetou uma prática já enraizada nos procedimentos do Congresso Nacional: a inclusão na lei de conversão de matérias que não guardam pertinência com o tema original previsto na medida provisória.

Os chamados contrabandos legislativos eram prática corrente e serviam, em alguns casos, de barganha política para facilitar a aprovação de matérias de interesse do governo federal. Serviam também – e as investigações da Operação Lava Jato podem demonstrar isso – de instrumento de negociação escusa entre parlamentares e empresas.

Ao julgar a ADI 5.127, relatada pela ministra Rosa Weber, o tribunal assentou que a prática é inconstitucional por violar o devido processo legislativo e por se sobrepor ao juízo que cabe à presidente da República de definir os temas que são de relevância e urgência.

No caso concreto, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) questionava alterações feitas na MP 472/2009, convertida na Lei 12.249/2010, que extinguiram a profissão de técnico em contabilidade.

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A MP, originalmente, instituía o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC, criava o Programa Um Computador por Aluno – PROUCA e estabelecia o Regime Especial de Aquisição de Computadores para uso Educacional – RECOMPE, além de prorrogar benefícios fiscais, promover ajustes ao Programa Minha Casa Minha Vida.

A “emenda jabuti”, que extinguiu a profissão de técnico em contabilidade, foi incluída no texto do projeto de lei de conversão.

A ministra Rosa Weber ressaltou que, em matéria sob reserva de iniciativa do Poder Executivo, como são as medidas provisórias, as emendas parlamentares devem guardar relação de pertinência com o conteúdo original da MP.

Todos os ministros concordaram que a prática do Congresso é inconstitucional, com exceção do ministro Dias Toffoli. Para ele, o Supremo não deveria se imiscuir em tema que está na seara do Legislativo.

Sistema prisional

Alguns dos principais julgamentos do ano no Supremo Tribunal Federal envolveram a situação crítica do sistema carcerário brasileiro. Um pacote de processos foi levado a plenário para discutir superlotação em presídios, a falta de vagas e a violação do direito à progressão de regime, indenização a presos mantidos em situação degradante, contingenciamento de recursos orçamentários destinados à melhoria do sistema carcerário, possibilidade de o Judiciário determinar aos governos a realização de reformas nas cadeias e, por fim, a obrigatoriedade de apresentação imediata dos presos em flagrante aos juízes.

Em agosto, ao julgar o Recurso Extraordinário 592.581, o plenário do STF decidiu que o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública realize obras ou reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos presos, como integridade física e moral.

No mês seguinte, os ministros julgaram a ADPF 347, ajuizada pelo PSOL. A ação pedia o reconhecimento de que a situação carcerária brasileira configure um “estado de coisas inconstitucional” e defendia a adoção de uma série de medidas para enfrentar a crise, como o estabelecimento de um plano nacional, cuja execução seria fiscalizada pelo Supremo.

O tribunal não foi tão longe. Ao decidir o pedido cautelar, os ministros determinaram aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão e decidiram que o governo federal deveria descontingenciar os recursos do Fundo Penitenciário Nacional.

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O Tribunal retomou, em março o julgamento do Recurso Extraordinário 580.252 em que se discute a responsabilidade do Estado por danos morais decorrentes de superlotação carcerária. Relator do processo, o ministro Teori Zavascki (voto do relator) considerou haver responsabilidade civil do Estado por não garantir as condições mínimas de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais. O entendimento foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.

No caso que estava sendo analisado e que refletiria em outras ações que tramitam no País, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul contestava decisão do Tribunal de Justiça que reconheceu estar a pena sendo cumprida “em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos”, mas entendeu não haver direito ao pagamento de indenização por danos morais.

O ministro Luís Roberto Barroso, que havia pedido vista, entendeu que, ao invés do pagamento de reparação pecuniária, os presos que sofrem danos morais por cumprirem pena em presídios com condições degradantes deveriam ser beneficiados com redução do tempo de prisão. A ideia foi imediatamente objetada pelo relator e pelo ministro Gilmar Mendes. A ministra Rosa Weber, então, pediu vista.

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Outro caso que afeta a política carcerária do País tratou da possibilidade da aplicação do princípio da insignificância para casos em que o réu é reincidente na prática do crime.

Em pauta estavam três habeas corpus (HC 123.734, HC 123.108, HC 123.533) afetados ao plenário pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso. O ministro defendia que o tribunal definisse uma regra para aplicação do princípio da insignificância.

Os ministros não concordaram com Barroso na definição de uma tese assertiva sobre os parâmetros para a aplicação do princípio. Até porque, ressaltaram, seria difícil – ou mesmo impossível – que se estabelecessem critérios objetivos para o processo penal, que cujos casos sempre comportam nuances.

Entretanto, os ministros consignaram a orientação de que a reincidência na prática do crime não afasta necessariamente o reconhecimento da insignificância. Pela decisão do tribunal, cabe a cada juiz, quando for analisar o caso concreto, aplicar ou afastar o princípio da insignificância. Nessa avaliação, o magistrado pode, inclusive, determinar o cumprimento de pena em regime aberto.

Com isso, afirmaram ministros durante o julgamento, o que se busca é evitar o aumento da população carcerária, o agravamento do quadro de superlotação dos presídios e a dificuldade de ressocialização daquele que é acusado, muitas das vezes, por furto de produtos de pequeno valor.

O ministro Luís Roberto Barroso, ao final, aderiu à posição da maioria e permaneceu como redator para o acórdão.

Já em dezembro, o Supremo iniciou o julgamento do último dos recursos deste pacote – RE 641.320. O tribunal julga, neste processo, a possibilidade de cumprimento de pena em regime mais benéfico ao sentenciado quando não houver vagas em estabelecimento penitenciário adequado.

Relator do processo, o ministro Gilmar Mendes estabeleceu, em seu voto, as medidas necessárias para enfrentar a falta de vagas nos sistemas aberto e semiaberto: a abertura de vagas no regime semiaberto mediante a saída antecipada de detentos que estejam mais próximos da progressão e a conversão em penas restritivas de direitos e/ou estudo para os apenados em regime aberto.

O ministro Teori Zavascki pediu vista do processo e deverá devolvê-lo para julgamento no primeiro semestre. 

Biografias liberadas

O Supremo encerrou, em 2015, a polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas. Os casos no Brasil se somavam, sendo o mais emblemático o que envolveu o cantor Roberto Carlos e a retirada das lojas do livro escrito por Paulo Cesar de Araújo.

Assim como neste caso, figuras públicas – ou seus familiares – tentavam barrar a publicação de biografias. Argumentavam que o Código Civil – nos artigos 20 e 21 – exige autorização prévia dos biografados ou de seus parentes.

Por unanimidade, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel). O tribunal assentou que a exigência de autorização prévia violaria os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

“A censura cala a pessoa, mas para além de cada um, cala a alma, a alegria, cala o sonho que se põe em expressão para se tornar ideia, que se pode converter em ação, que se pode tornar destino”, disse a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia.

“Como conhecer a história para reprisar fatos bons e maus e repetir exemplos, negando os negativos, se a obra não pode ser mostrada? Como imaginar que novos holocaustos ocorram sem saber o que os envolveram, quem esteve na frente dos movimentos e como a seus atos chegaram? Como ignorar que é na privacidade que as coxias do poder estatal e social se engendram? Como saber como movimentos artísticos, científicos e políticos nasceram, suas causas, motivações e características se reuniram?”, questionou a ministra no voto.

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Eventuais abusos, com violação à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem da pessoa, podem ser combatidos com o pedido de indenizações. “Há a possibilidade, sim, de intervenção judicial no que diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a uma dada pessoa”, enfatizou o ministro Dias Toffoli. Foi uma pequena janela argumentativa que assustou editoras e biógrafos, mas cujo significado jurisprudencial, num tribunal sem grande apreço por argumentos de decisões passadas, é impossível estimar.

Apesar de o julgamento ter sido concluído em junho de 2015, o acórdão até o momento não foi publicado.

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Poder de investigação

Em 2015, o Supremo encerrou uma discussão que já se arrastava há uma década. O tribunal, por maioria, firmou o entendimento de que o Ministério Público é legítimo para promover investigações de natureza penal. E o plenário fixou parâmetros para isso.

O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593.727, com repercussão geral reconhecida, afetou todos os processos em que a legitimidade da atuação do MP era contestada.

Dentre os requisitos definidos, estão o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos investigados, que os atos investigatórios sejam obrigatoriamente documentados e praticados por membros do MP, que as garantias e prerrogativas dos advogados sejam resguardadas, incluindo o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa.

A tese firmada pelo STF no julgamento do recurso foi: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

Em maio, o plenário do Supremo, à unanimidade, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.943 e, portanto, constitucional a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública na defesa de interesses coletivos.

Prevaleceu o entendimento de que a ampliação das atribuições da Defensoria Pública amplia o acesso à Justiça e é compatível com a Lei Complementar 132/2009 e com as alterações à Constituição Federal promovidas pela Emenda Constitucional 80/2014.

Se houve unanimidade neste último caso, a Corte se divide sobre a autonomia administrativa e funcional das defensorias públicas estaduais. A ADI 5.296 foi ajuizada pela Presidência da República e contesta, por exemplo, o vício de iniciativa da proposta, que partiu do Congresso. O governo alega que apenas o chefe do Poder Executivo poderia propor alteração no regime jurídico dos servidores públicos.

A relatora do processo, ministra Rosa Weber entendeu que as emendas à Constituição Federal não estão sujeitas às cláusulas de reserva de iniciativa previstas no artigo 61 da Constituição Federal. As restrições se aplicam somente às leis ordinárias e complementares. Cinco ministros já acompanharam o voto da relatora pelo indeferimento da medida liminar na ADI 5.296.

Entretanto, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello divergiram. E por distintas razões.

O ministro Marco Aurélio tachou a emenda constitucional de um drible na cláusula de reserva de iniciativa, um subterfúgio para atropelar a prerrogativa do presidente da República. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, questionou o mérito da decisão de conceder autonomia administrativa às defensorias. E recordou uma das primeiras medidas adotadas pela Defensoria Pública da União quando concedida a autonomia: aumento no valor das diárias e pagamento de auxílio-moradia para os defensores. “O fato de não ter autonomia administrativa não é nenhum menoscabo”, afirmou Gilmar Mendes. “Certamente vamos enfrentar propostas que permitam a extensão a este ou aquele órgão de igual relevância e nobreza”, acrescentou, lembrando que há pedidos de autonomia para a Advocacia Geral da União, Receita Federal e Polícia Federal.

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli adiou a continuidade do julgamento. O processo poderá ser pautado já no início do ano, pois o ministro liberou a ação no dia 18 de dezembro.

Partidos políticos

A tentativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de conterem a infidelidade partidária criou outros expedientes para o troca-troca partidário.

O STF definiu que uma das justificativas para a desfiliação da legenda pela qual o parlamentar se elegeu seria a adesão a um novo partido. E este virou um dos principais estratagemas para a migração partidária.

Desde que TSE e STF decidiram que a troca injustificada de partido pode ensejar a perda do mandato do parlamentar, oito novas legendas foram registradas na Justiça Eleitoral.

Em 2013, o Congresso aprovou a Lei 12.875/2013. O texto estabeleceu que partidos criados após as eleições para a Câmara dos Deputados não teriam direito ao rateio proporcional dos recursos do fundo partidário. Essas legendas receberiam apenas parcela dos 5% restantes e que são distribuídos a todos os partidos registrados no TSE.

O Solidariedade, criado em 2013, contestou a constitucionalidade da lei no STF. Em outubro de 2015, o plenário do STF declarou a inconstitucionalidade da legislação nos pontos que restringem o acesso dos novos partidos ao recursos do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Relator da ação, o ministro Luiz Fux ponderou que a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional buscou ultrapassar a jurisprudência firmada pelo STF ao julgar as ADIs 4.430 e 4.795 – que tratou do acesso dos novos partidos ao horário eleitoral gratuito.

“Estamos tratando de uma lei que já nasce com o gérmen da presunção de inconstitucionalidade, porque ela viola uma decisão do Supremo em controle concentrado de constitucionalidade sem trazer nenhuma novidade. Isso é um atentado à dignidade da jurisdição do Supremo Tribunal Federal”, declarou o ministro Luiz Fux em plenário.

Seu voto foi acompanhado pela maioria do plenário: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio.

O ministro Fachin abriu divergência. Afirmou, ao contrário do que assentou Fux, que a nova lei respeitou os procedentes do Supremo sobre a fidelidade partidária. Fachin lembrou que o tribunal decidiu que, somente em hipóteses excepcionais e devidamente comprovadas, “o ato de desligamento do partido pelo qual foi eleito o deputado acarreta o cômputo da vaga para o partido de origem”.

Foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Direitos fundamentais

Um julgamento, especialmente, marcou a defesa dos direitos fundamentais no Supremo em 2015. A Corte começou a discutir se transexuais podem usar o banheiro público do gênero com o qual se identificam – RE 845.779. O desfecho deste caso indicará como a Suprema Corte vai lidar com outros dois outros processos pendentes.

O julgamento do RE 845.779 começou e foi interrompido em novembro após os votos dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Ambos votaram a favor de Ama, uma transexual que foi retirada de dentro do banheiro feminino pelos seguranças de um shopping de Santa Catarina.

Julgaram que ela e todos os trans – o caso teve repercussão geral reconhecida – têm o direito de serem tratados pelo gênero de identificação. Podem, assim, usar o banheiro feminino se assim quiserem. E assentaram que cabe indenização por danos morais contra o estabelecimento comercial, como no caso, que não respeitar a opção do trans.

“Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”. Foi esta a tese defendida por Barroso para firmar o entendimento que balizará outros casos semelhantes.

O ministro Luiz Fux pediu vista do processo. Justificou que há um desacordo moral razoável na sociedade sobre este tema e que ele precisava “ouvir a sociedade”. Não se sabe o que ele quis dizer com “ouvir a sociedade”, observação controversa quando proferida por um juiz constitucional, cuja missão é resistir às vozes das ruas e eventualmente enfrentá-las. Tampouco se entendeu a relação que estabeleceu, nesse breve diálogo em plenário, entre a transexualidade, de um lado, e a pedofilia e abuso sexual, de outro, um senso comum vulgar e desprovido de evidência empírica. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.

As discussões travadas entre os ministros durante a sessão anteciparam as posições de alguns integrantes da Corte sobre outros dois temas que podem entrar em pauta em 2016.

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Os ministros Marco Aurélio Mello, Barroso e Fachin anteciparam que votarão contra a necessidade de uma pessoa se submeter à cirurgia de mudança de sexo para alterar o prenome e o gênero na carteira de identidade.

“Por coincidência já consta de meu voto – e se isso representar alguma antecipação de posicionamento, serei, quando menos, fiel ao que aqui já constava – estou assentando na página sete do meu voto que não se afigura correto – em meu sentir – condicionar o reconhecimento da identidade de gênero à realização de eventual cirurgia de redesignação, pois isso repercutiria como a segunda e grave violação a ensejar também dano moral”, adiantou Fachin.

Duas ações em trâmite no Supremo tratam da possibilidade de mudança de nome e gênero nos registros civis. A primeira é a ADI 4.275, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, e de autoria da Procuradoria Geral da República. A segunda é o RE 670.422 – com repercussão geral -, relatado pelo ministro Dias Toffoli.

Drogas

O Supremo começou e deve continuar em 2016 a julgar a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, um dos casos mais importantes da história recente para enfrentar a prática de encarceramento no Brasil. A Corte, por enquanto, está dividida.

Relator do RE 635.659, o ministro Gilmar Mendes julgou inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que tipifica o porte de drogas para uso pessoal.

Em seu voto, Gilmar Mendes argumentou que a criminalização do uso de drogas estigmatiza o usuário, compromete a política de drogas do Brasil, voltada à prevenção e redução de danos à saúde dos viciados, e é desproporcional ao impor sanções penais aos dependentes. A decisão, pelo voto do ministro, afetaria os usuários de todas as drogas ilícitas, como crack e cocaína.

“Deflui da própria política de drogas adotada que a criminalização do porte para uso pessoal não condiz com a realização dos fins almejados no que diz respeito a usuários e dependentes, voltados à atenção à saúde e à reinserção social”, disse o ministro em seu voto.

Entretanto, os ministro Edson Fachin e Luís Roberto Barroso abriram a divergência para limitar os efeitos do julgamento somente aos usuários de maconha. O que foi tachado como posição conservadora e elitista pelas entidades que defendem a descriminalização.

+JOTA: Maconha e o descontrole difuso de constitucionalidade

+JOTA: O exemplo mexicano

Em entrevista posterior à sessão, Barroso rejeitou as críticas e buscou justificar, em três razões, os motivos pelos quais restringiu seu voto ao usuário de maconha.

“A primeira delas, técnica, é que o caso concreto envolve o consumo de maconha”, iniciou. “A segunda razão, um pouco decorrente da primeira, é que a maior parte das informações que os ministros receberam ou pesquisaram eram referentes à maconha – os memoriais dos amici curiae (instituições que se inscrevem para opinar no julgamento), as experiências dos outros países que foram examinadas. Portanto, não tínhamos estudado especificamente a situação do crack, por exemplo”, prosseguiu.

“A terceira razão, possivelmente uma das mais importantes, é que eu não sei bem qual é a posição do Tribunal. Nós temos um estilo de deliberação em que as pessoas não conversam internamente. Eu achei que uma posição um pouco menos avançada teria mais chance de conquistar a maioria”, concluiu.

+JOTA: Por que só maconha?

O ministro Teori Zavascki pediu vista do caso em setembro e devolverá o processo para julgamento em 2016. Por enquanto, há um voto pela descriminalização do porte de todas as drogas, desde que para uso pessoal, e dois pela descriminalização apenas para os usuários de maconha.

A decisão da Corte poderá, caso prevaleça o voto do ministro Gilmar Mendes, promover uma transformação na política de drogas no Brasil. E certamente terá impacto no sistema carcerário. Dados do Ministério da Justiça comprovam, ano a ano, que o tráfico de drogas é o crime de maior incidência entre a população prisional – 27%, conforme relatório do Infopen. Neste percentual estão aqueles que foram presos por portarem quantidades pequenas de entorpecentes para uso próprio.

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Interminável

O ministro Luís Roberto Barroso, expôs, em linguagem popular, o embaraço com a idas e vindas do Supremo Tribunal em relação à sistemática de pagamento de precatórios.

“Eu tenho um constrangimento de ser um tribunal que não consegue sustentar suas próprias decisões”, disse. “Não há precedente sobre isso no STF e em nenhuma Corte do mundo”, protestou. “A cada dia a gente acha uma coisa. É o fim da picada”, acrescentou. “Nós vamos declarar a constitucionalidade em embargos de declaração daquilo que declaramos inconstitucional em ação direta de inconstitucionalidade? É um samba”.

A questão remonta uma década no STF. Era presidente o ministro Nelson Jobim, e o tribunal se via diante de pedidos de intervenção federal em estados que não pagavam as dívidas reconhecidas em decisões judiciais.

A intervenção, se decretada pelo STF, não resolveria a alegada falta de recursos em caixa para fazer frente às despesas. Era preciso, portanto, encontrar uma alternativa.

A sistemática de pagamento de precatórios, prevista na emenda constitucional 62, de 2009, nasceu no STF. E permitia a quitação das dívidas parceladamente e em percentuais compatíveis com as receitas estaduais.

Em 2013, o Supremo declarou a emenda inconstitucional. Estabeleceu-se o quadro anterior: muitos governos declararam que não teriam como pagar as dívidas de uma só vez. Por isso, suspenderam os pagamentos.

O ministro Luiz Fux, monocraticamente, modulou os efeitos da decisão para determinar que, enquanto o Supremo não chegasse a uma definição, permaneceria em vigor a emenda já declarada inconstitucional pela Corte.

O plenário, em março de 2015, referendou a decisão. Decidiram os ministros que a emenda inconstitucional produziria efeitos por mais cinco anos.

Em dezembro, a maioria dos ministros decidiu reabrir o caso e poderá, nos próximos anos, voltar atrás na declaração de inconstitucionalidade da emenda.

A dificuldade financeira dos estados, a necessidade de pagamento dos precatórios e a decisão do STF provocaram outra discussão na Corte: podem os governos estaduais usarem recursos dos depósitos judiciais para quitar suas dívidas?

O Supremo começou a julgar a Ação Cível Originária 989 em junho. Na ação movida contra o Banco do Brasil e o Banco Bradesco S/A, o estado da Bahia sustenta a legitimidade da Lei estadual 9.276/2004, que obriga as instituições financeiras a promoverem a transferência para os cofres do governo de 70% dos valores dos depósitos judiciais.

+JOTA: Depósitos judiciais a fundo perdido

O ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e, apesar de já em curso o julgamento, convocou uma audiência pública para discutir o assunto nos autos da ADI 5.072, de sua relatoria e ainda não liberada para pauta. A discussão nestes processos repercutirá no julgamento de outras ações, protocoladas no Supremo e que contestam leis estaduais com a mesma finalidade: destinar para o caixa dos governos estaduais o dinheiro dos depósitos judiciais.

+JOTA: Supremo oscilante

Capítulo 5

O que o STF precisa julgar em 2016?

Casos pendentes

Apesar de 2015 ter sido um ano com pauta cheia, o STF deixou para trás alguns casos importantes. O de maior impacto – do ponto de vista econômico ou de repercussão sobre casos sobrestados – está relacionado aos planos econômicos e à correção a menor das cadernetas de poupança.

O Banco Central estimou o impacto potencial para os bancos de R$ 149 bilhões caso o Supremo decidisse, conforme defendem os poupadores, que as instituições financeiras aplicaram indevidamente os índices de correção definidos pelos planos Collor I e II, Verão e Bresser.

O cálculo feito pelos advogados dos poupadores é diferente. O impacto para os bancos seria de aproximadamente R$ 8,4 bilhões. A Procuradoria Geral da República, que inicialmente apresentou um cálculo de R$ 441,7 bilhões, reviu suas estimativas e chegou à conclusão de que os bancos tiveram lucro de R$ 21,8 bilhões com a aplicação dos novos índices de correção às cadernetas.

Há hoje no Brasil 957.612 processos parados a espera da decisão do Supremo Tribunal. A indefinição sobre o tema no STF completa oito anos e ganhou contornos inusitados em 2015.

Quatro recursos extraordinários (631.363, 632.212, 591.797 e 626.307) e uma ADPF – 165 – questionam a aplicação dos índices definidos pelo governo federal nos planos aplicados nas décadas de 80 e 90 para combater a hiperinflação.

O Supremo estava, em 2014, impedido de julgar os processos por falta de quórum. O ministro Joaquim Barbosa havia se aposentado, abrindo uma vaga no tribunal. E três outros ministros se declararam suspeitos para participar do julgamento: Cármen Lúcia, Roberto Barroso e Luiz Fux.

Com sete ministros aptos a julgar os processos, o tribunal entendia não haver quórum para decidir o caso. Seria preciso aguardar a presidente Dilma Rousseff escolher o substituto de Joaquim Barbosa para a Corte dispor dos 8 integrantes necessários para deliberar sobre o tema.

O ministro Edson Fachin foi indicado, sabatinado, aprovado pelo Senado, empossado e, em setembro de 2015, também se declarou suspeito. Assim, a Corte voltou a ficar com apenas sete ministros aptos a julgar o tema.

Inicialmente, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, afirmou que não havia alternativa ou forma de contornar a alegada falta de quórum. Os casos, portanto, permaneceriam sem solução.

Contudo, o tema deve ser levado em 2016 a plenário para uma solução da Corte. O que não pode acontecer é o silêncio permanente do Supremo ou a espera, por mais uma década, para que o tribunal enfim tenha o quórum para decidir a questão.

Também de forte impacto econômico – e sobretudo fiscal- o processo que contesta a incidência do ICMS na base de cálculo da Cofins está parado no Supremo. O caso é dos mais vultosos em tramitação no tribunal e está entremeado por manobras e pressões por parte do governo federal.

Em recurso extraordinário (RE 240.785), o STF havia formado maioria para excluir do cálculo da Cofins o que é devido de ICMS. O governo conseguiu zerar o julgamento, protocolando uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 18). Em 2014, o STF concluiu o julgamento do RE, com decisão em favor do contribuinte, mas sem repercussão geral reconhecida. Há ainda outro recurso (RE 574.706) – este com repercussão geral – que trata do mesmo tema e está liberado para pauta desde abril de 2014. A relatora do caso é a ministra Cármen Lúcia.

Outro assunto que o STF insiste em procrastinar é o trânsito em julgado e a consequente prisão do senador Ivo Cassol (PP-RO). O parlamentar foi condenado há dois anos pelo STF pelo crime de fraude a licitações (AP 565). A pena definida foi de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime semiaberto e pagamento de multa de R$ 201.817,05.

Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia levou a julgamento em setembro de 2014 os primeiros embargos de declaração opostos pela defesa do senador. Em dezembro também de 2014, novo recurso foi movido pelos advogados. E até agora os embargos não foram julgados.

Enquanto isso, Cassol permanece no Senado. Solto e impune por um crime que cometeu há aproximadamente 15 anos.

O julgamento em que o tribunal decidiu ser a Lei de Anistia (Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979) compatível com a Constituição de 1988 completa seis anos em abril de 2016 (ADPF 153).

E até hoje pendem os embargos de declaração que contestam a aplicação da lei para agentes responsáveis pelo sumiço de militantes de esquerda e qual deve ser a postura do Estado brasileiro diante da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que julgou não ser a Lei de Anistia óbice para o julgamento e punição de agentes estatais acusados de crimes de lesa-humanidade.

Na falta de resposta do Supremo, o PSOL ajuizou uma nova ADPF – 320 – para questionar especificamente a anistia aos crimes de desaparecimento forçado.

As duas ações são relatadas pelo ministro Luiz Fux. Não há sinal de quando serão enfim liberadas para julgamento.

Também estão no gabinete do ministro Luiz Fux alguns processos que, se levados a plenário, podem extinguir o pagamento de penduricalhos a magistrados brasileiros.

Fux concedeu, em setembro de 2014, liminares que garantiram a todos os juízes do Brasil o recebimento de auxílio-moradia – no valor de R$ 4.377,73 – aos magistrados, mesmo para aqueles que moram em casa própria. Em dezembro de 2015, a conta paga pelo contribuinte superava R$ 1 bilhão.

O ministro Fux, cobrado ao longo do ano pelos colegas e diante das críticas públicas à sua decisão por parte de integrantes da Corte, não liberou o processo para a pauta de julgamentos. E enquanto isso o auxílio-moradia continua sendo pago mensalmente, a despeito da crise econômica.

+JOTA: O teto de vidro do Supremo

Também no gabinete do ministro dormita um pedido de vista no processo que pode declarar a inconstitucionalidade da legislação que criou diversos benefícios para os magistrados do Rio de Janeiro. O ministro Fux pediu vista do processo em maio de 2012 e até hoje não o devolveu. Entre os ministros Fux e Lewandowski, formou-se notável coalizão em defesa dos interesses políticos e materiais dos juízes.

Outras duas liminares concedidas monocraticamente por integrantes da Corte permanecem na dependência do referendo do plenário.

A primeira delas – na ADI 5.017 – suspendeu os efeitos da emenda constitucional que criou os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões. A liminar foi deferida pelo ministro Joaquim Barbosa, durante o recesso de julho de 2013. Com sua aposentadoria, o processo foi distribuído para o ministro Luiz Fux. O processo está concluso ao novo relator desde março de 2014. Falta apenas ser liberado para julgamento.

O segundo caso é ainda mais polêmico. A ministra Cármen Lúcia, em pleno funcionamento da Corte, concedeu uma liminar na ADI 4.917, ajuizada pelo governador do Rio de Janeiro, suspendendo as novas regras estabelecidas na lei 12.734/2012 para a partilha dos recursos dos royalties do petróleo. A decisão precária data de março de 2013. E não há previsão de quando será julgada.

A ministra Rosa Weber, por sua vez, deferiu uma liminar em setembro de 2013 (também fora do período de recesso, como define a lei que regula as ADIs), suspendendo a eficácia de diversos dispositivos de resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que restringiu o uso de aditivos em cigarros. Para além do caso concreto, o julgamento tratará do poder de regulação das agências e pode ter impacto sobre outras áreas, como telefonia, saúde, energia.

Há ainda uma lista de processos que tramitam com certa lentidão, mas que figuraram em 2015 na pauta de julgamentos do plenário – apesar de não terem sido chamado.

Em 2015, o ministro Luís Roberto Barroso promoveu uma audiência pública para ouvir especialistas e representantes de diversas crenças sobre o ensino religioso nas escolas públicas do País.

A ADI 4.439, da Procuradoria Geral da República, pede à Corte que dê à lei 9.394, de 1996, interpretação conforme à Constituição, determinando que os professores não sejam representantes de uma religião específica.

Este processo está no STF desde 2010, mas passou a ser relatado pelo ministro Barroso em 2013. Pelas projeções do ministro, este caso será julgado em 2016.

O Supremo posterga também a decisão sobre o foro competente para o julgamento de autoridades acusadas de improbidade administrativa.  O tema é discutido na PET 3.240. O ministro Barroso pediu vista do caso no dia 19 de novembro. O assunto chegou a ser pautado ao longo de 2015, mas não foi decidido.

Adia igualmente uma decisão na ADI 3.239, ajuizada pelo DEM, contra o decreto que regulamentou a demarcação das terras ocupadas por remanescentes de quilombolas. O processo começou a ser julgado em 2012, quando o relator, ministro Cezar Peluso, proferiu voto. A ministra Rosa Weber pediu vista, mas já devolveu os autos para continuidade do julgamento.

Na mesma situação está a ADI 3.952. A ministra Cármen Lúcia pediu vista, em 2010, da ação proposta pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC), que contesta  o “cancelamento sumário” do registro especial das empresas tabagistas acusadas de sonegação fiscal.

Neste caso, era relator o ministro Joaquim Barbosa, que se manifestou contra a possibilidade do cancelamento sumário. A ministra já devolveu o processo para continuidade do julgamento e pode abrir divergência.

Um assunto com forte impacto sobre a economia e a geração de empregos também está na agenda do STF para 2016: o conceito de atividade-fim para casos de terceirização.

O tema sera discutido no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713.211, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal. O relator da matéria, ministro Luiz Fux.

No agravo, a Celulose Nipo Brasileira S/A (Cenibra) questiona decisão da Justiça do Trabalho que, em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Guanhães e Região, foi condenada a se abster de contratar terceirizados para executar funções que se confundem com a atividade-fim da empresa.

O ministro Fux afirmou no julgamento no plenário virtual que o tema em discussão – a delimitação das hipóteses de terceirização diante do que se compreende por atividade-fim – é matéria de índole constitucional.

A espera de decisões políticas, o Supremo mantém fora da pauta dois temas complexos e de forte implicação nas contas públicas.

O primeiro trata da guerra fiscal. O tribunal reconheceu a repercussão geral do RE 851.421, em que os ministros analisarão a possibilidade de perdão de dívidas tributárias surgidas em decorrência de benefícios fiscais implementados no contexto de guerra fiscal e que foram declarados inconstitucionais pela Corte.

Alguns ministros consideram que a solução deste caso – assim como o julgamento de outros casos, como os embargos de declaração no Recurso Extraordinário 635.688 (que atinge os produtos da cesta básica) – depende das negociações políticas entre Executivo, Congresso e estados pela unificação de alíquotas do ICMS e a composição de um fundo para compensação de perdas.

O segundo caso trata da possível alteração dos parâmetros de remuneração dos recursos depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Na ADI 5.090, o Partido Solidariedade questiona dispositivos das Leis 8.036/1990 (artigo 13) e 8.177/1991 (artigo 17), que preveem a aplicação da Taxa Referencial (TR) na correção dos depósitos nas contas vinculadas ao FGTS. O relator da ação é o ministro Luís Roberto Barroso.

O Congresso discute a possibilidade de alterar a lei, estabelecendo novo índice de correção. Caso não chegue a uma conclusão, o ministro Barroso deverá levar o caso a julgamento.

Capítulo 6

As indicações

Fachin e Janot

O Congresso Nacional tirou da presidente Dilma Rousseff a possibilidade de indicar cinco novos ministros do Supremo Tribunal Federal ao aprovar a proposta de emenda à Constituição que elevou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória no serviço público.

A votação da chamada PEC da Bengala, em maio deste ano, fez parte de uma estratégia política de dissidentes do governo e de oposicionistas de diminuir o poder da presidente Dilma Rousseff. E gerou algumas consequências imediatas. O ministro Celso de Mello, que se aposentaria neste ano de 2015, pôde permanecer no cargo. E o ministro Marco Aurélio Mello, que deixaria o tribunal em 2016, terá mais cinco anos de judicatura.

A outra consequência: em vez de poder indicar cinco novos ministros para o Supremo até o final do mandato, em 2018, a presidente só teria mais uma indicação a fazer. E o nome seria escolhido naquela mesmo mês da aprovação da PEC da Bengala.

O ministro Joaquim Barbosa aposentou-se no início de agosto de 2014. A vaga permaneceu aberta até maio de 2015. A presidente indicou o advogado Luiz Edson Fachin no dia 14 de abril.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fachin fora cotado em outros momentos para o Supremo. Fora cotado para uma das vagas já no governo Lula. Mas sempre foi preterido. Construiu, ao longo desse período, uma candidatura próxima de setores do PT, ligados por exemplo à Igreja Católica e a movimentos sociais.

Também por isso, Fachin enfrentaria um dos mais difíceis processos de indicação da história. Seu nome foi rapidamente atrelado ao PT: um vídeo em que pediu voto para a presidente Dilma na campanha de 2010 foi republicado e difundido pelas redes sociais. Sua vida profissional também foi escarafunchada. E contra ele foi levantada a suspeita de que teria advogado irregularmente enquanto procurador do estado do Paraná.

Fachin contratou uma assessoria de imprensa para auxiliá-lo ao longo do processo de indicação. E, de forma inédita, também usou as redes sociais para se defender das restrições ao seu nome. Fachin gravou vídeos com respostas aos ataques que sua escolha sofria e os publicou nas redes.

Apesar das dificuldades e das chances reais de rejeição, o nome de Fachin passou na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça – por 20 votos contra 7 – e pelo plenário do Senado – 52 votos contra 27.

Fachin assumiu a cadeira de ministro do Supremo, mas não a postura de um ministro novato. Nestes primeiros meses de Corte e como “bucha de canhão”, como é chamado o primeiro ministro a votar depois do relator, Fachin defendeu posições com segurança e, em alguns casos, abriu a divergência que ao final prevaleceu.

Assim como Fachin, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enfrentou um processo conturbado de recondução. As investigações da Lava Jato e a abertura de inquérito contra figuras importantes do Congresso, em especial de integrantes do PMDB, colocaram em risco o segundo mandato de Janot na Procuradoria.

Nas eleições internas, promovidas pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Janot foi o mais votado. Desde o início do governo Lula, seguiu-se a tradição de indicar o nome preferido pela categoria. E não haveria razão para a presidente Dilma Rousseff preterir Rodrigo Janot.

+JOTA: Campanha para ministro do Supremo?

Capítulo 7

Ricardo Lewandowski

Conselho Nacional de Justiça

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, completou um ano de mandato no dia 10 de setembro. À frente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro imprimiu uma pauta corporativa, defendendo interesses dos juízes, como o pagamento de auxílio-moradia, reajuste salarial e uma proposta de novo estatuto da magistratura repleto de novos penduricalhos, privilégios e prerrogativas que fazem aprofundar o encastelamento dessa classe profissional.

Em contraposição, Lewandowski enfrentou ao longo de 2015 manifestações dos servidores do Judiciário. Em negociação por reajuste salarial, os servidores paralisaram as atividades e ameaçaram uma greve geral. Aos representantes do movimento, o presidente do STF prometia trabalhar pelo reajuste pedido, mas não promoveu os esforços necessários junto ao governo e ao Congresso para aprová-lo.

No campo jurisdicional, Lewandowski não represou processos e pautou todos os que pôde para julgamento em plenário. Assuntos importantes que estavam liberados para a pauta foram apregoados: descriminalização das drogas, situação prisional, precatórios, direitos dos transexuais, financiamento de campanha, ensino religioso nas escolas, demarcação de terras de quilombolas, necessidade de licença prévia para investigar governadores de estados, poder de investigação do Ministério Público.

Sob o comando de Lewandowski, o CNJ perdeu parte de sua relevância. O ministro foi sempre um crítico da atuação do Conselho. Como presidente, conforme adiantava antes mesmo de assumir a cadeira, colocaria um freio na atuação do CNJ, pondo em risco suas funções de normatização e de fiscalização, espinha dorsal da reforma do judiciário Foi o que fez e o que continua a fazer.

+JOTA: 10 anos depois: Quem julga os atos do Conselho Nacional de Justiça

Em 2015, a composição foi sensivelmente alterada, e Lewandowski trabalhou pela escolha de nomes de sua confiança ou de visão similar à sua sobre o papel do Conselho. Exemplo disso foi a indicação de um dos seus auxiliares de gabinete para a cadeira de conselheiro: o juiz Bruno Ronchetti.

Dentre as polêmicas medidas adotadas pelo CNJ estão a regulamentação do pagamento do auxílio-moradia. O benefício foi concedido em setembro de 2014 por meio de liminar monocrática do ministro Luiz Fux. Até hoje o ministro não liberou a decisão para referendo do plenário. A regulamentação pelo CNJ institucionalizou algo que é pago de forma precária.

Outra decisão contestada foi a regulamentação, em dezembro, da Lei de Acesso à Informação no Judiciário. A resolução – aprovada pelo CNJ com atraso de três anos – cria embaraços para o cidadão ter acesso às informações referentes aos vencimentos dos magistrados.

Lewandowski defendeu, praticamente como única bandeira inovadora, a obrigação de os tribunais promoverem audiências de custódia. O programa, pensado em conjunto com o Ministério da Justiça, prevê que os presos em flagrante sejam apresentados o quanto antes ao juiz responsável. Assim, o magistrado poderá, ao analisar a condição do crime e do preso, manter a prisão  ou conceder a liberdade, impondo – se necessário – medidas cautelares.

Em 2016, Lewandowski deixa a presidência e será substituído pela ministra Cármen Lúcia, a segunda mulher a presidir a Suprema Corte – a primeira foi a ministra Ellen Gracie.

A troca no comando do Judiciário ocorrerá em setembro e deve impor outra guinada. Cármen Lúcia é crítica da pauta corporativista e tentará impor uma agenda própria ao CNJ. O problema é que encontrará pela frente uma composição pensada e forjada pelo antecessor, mais afeita à blindagem classista.

Capítulo 8

Mais do mesmo em 2016?

Troca de comando

O Supremo atua, especialmente em momentos de crise política, como instância moderadora. Em 2015, essa função foi exacerbada pela polarização política do País, rescaldo das eleições de 2014, das suspeitas de corrupção na Petrobrás e do enfraquecimento do governo Dilma Rousseff. Mesmo habituado a protagonizar embates políticos e morais da democracia brasileira há anos, o STF de 2015 entrou em campo ainda mais explosivo e incerto, e nele permanecerá em 2016. Com o agravamento da crise econômica e o clima político conturbado, o Supremo continuará sendo chamado a interferir diretamente nos acontecimentos.

Na pauta dos direitos fundamentais que se avizinha, terá a quase heróica tarefa de conter o ataque a direitos que se instala no Congresso. Das promessas da Constituição de 1988, que ecoaram em todos os manuais de direito constitucional brasileiro nos últimos 20 anos, aquela que mais enobrecia a função do STF era a de “trincheira de direitos”. Seria responsável por, nos momentos sombrios da história, salvar a democracia de si mesma. Uma instituição que, a despeito da histeria coletiva, ainda conseguiria pensar e argumentar. Nunca este momento sombrio pareceu tão próximo, e restam muitas dúvidas sobre a capacidade de o tribunal alçar-se à altura dessas expectativas.

Fazer-se respeitar e preservar sua credibilidade enquanto árbitro imparcial dos conflitos políticos é condição de seu sucesso e sobrevivência. Na atual conjuntura, condição relevante da própria institucionalidade do país. Contudo, a crônica incapacidade do STF de neutralizar seus gargalos institucionais e de transformar seus costumes individualistas e prolixos joga contra sua credibilidade, moeda política tão volátil quanto indispensável.

Opinar dentro e fora dos autos sobre as escaramuças partidárias da hora, por exemplo, apenas lança mais gasolina num ambiente já tão inflamável. Anula o esforço de proteger e de descolar suas decisões do confronto raivoso entre o governismo e o antipetismo. Em 2015, passagens de alguns votos do STF se aproximaram da histeria das redes sociais. Infantilizaram e diminuíram a corte, uma vez mais.

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O ano de 2016 continuará a demandar do Supremo uma solução para a resistente crise dos números. Apesar de todos os avanços legislativos na tentativa de aperfeiçoar o tribunal, sua ingovernabilidade apenas se aprofunda: continua a reconhecer temas com repercussão geral além de sua capacidade de julgamento e da relevância jurídica do caso; tolera pedidos de vista que se arrastam no tempo por obra e capricho de um único ministro, desrespeitando o regimento, a colegialidade e o devido processo legal; administra sua pauta de forma acriteriosa, e a formação da agenda continua a ser um poder absoluto da presidência, que não está sujeita a qualquer prestação de contas; torna-se, cada vez mais, um agregado de onze gabinetes, um tribunal de individualidades no qual mais de 90% das decisões são monocráticas (só em 2015, foram 94.750).

O ano de 2016 poderá também ser marcado, como foi 2015, por uma agressiva agenda corporativa, liderada pelo ministro Ricardo Lewandowski. Uma tendência que poderá ser cristalizada pela proposta de novo Estatuto da Magistratura, que pode ser enviado ao Congresso Nacional neste ano. Ao longo de 2014 e 2015, o que se viu no STF foi a concessão de aumento salarial por meio de mal-disfarçados benefícios, como o auxílio-moradia.

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Em paralelo, o Conselho Nacional de Justiça, alvo permanente de críticas de setores corporativistas da magistratura, caminha progressivamente para seu esvaziamento. A última investida nesse sentido foi a proposta de criação de um Conselho dos tribunais de Justiça. Se táticas como esta prosperarem, o CNJ poderá, parafraseando o ministro Gilmar Mendes, tornar-se um “órgão lítero-poético-recreativo”.

 

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