O JOTA ouviu diversos especialistas em direito da Concorrência. A opinião dominante é de que não faz sentido a proibição de participação de capital estrangeiro ou de instituições financeiras exclusivamente no específico setor de transporte de bens e numerários.
Sócio do escritório Veirano Advogados, Leonardo Duarte não viu motivos para essa específica restrição. Segundo o Advogado, “na ausência de interesses públicos legítimos que justifiquem esse tipo de restrição, a livre concorrência deve prevalecer. ”
Sobre a vedação da participação dos bancos, Ricardo Casanova Motta, da Grinberg e Cordovil Advogados, viu a tentativa de barrar uma verticalização do setor, um dos argumentos favoráveis a restrição das participações de bancos como acionistas, como precipitada ao princípio da livre iniciativa prevista na CF: “Alguém poderia até defender que a verticalização nesse tipo de mercado poderia, em algumas hipóteses, causar prejuízos concorrenciais. No entanto, verticalizações também podem ser pró-competitivas, a depender da estrutura do mercado e das sinergias resultantes da integração dos agentes econômicos. Essa análise deve ser realizada caso a caso, após um exame minucioso da estrutura e das eficiências geradas por uma potencial operação nesse sentido. Portanto, se essa for a justificativa pretendida pela lei, parece, a princípio, uma vedação genérica e precipitada ao princípio da livre iniciativa previsto na Constituição Federal.”
O advogado e escritor Tercio Sampaio Ferraz acredita ser inconstitucional as vedações contidas no SCD: “é possível concluir que o PL, ao privilegiar agentes, em suma, ao vedar o capital estrangeiro, mormente no capital social votante das empresas que atuam em um setor do mercado, ou seja, especializadas em transporte de numerário, bens e valores, é inconstitucional, quer por força do regime constitucional contido no art. 172 da CF, quer por força do princípio da livre concorrência.”
Sócio do Azevedo Sette advogados, e especialista em direito da concorrência, compliance e integridade corporativa, Luiz Eduardo Salles não vê razões na Constituição para que haja restrições a participação de pessoas jurídicas como acionistas de outras pessoas jurídicas num mercado tão específico. Salles não vê sentido em restringir participação num mercado que é prestado em território nacional, e portanto, sujeito ao controle do Estado brasileiro. “Se o serviço de transporte está sendo prestado em território brasileiro, por que que eu preciso do controle quanto a propriedade da empresa, para fazer valer o interesse nacional? ”.
A livre iniciativa, o princípio da igualdade e a possível concorrência são ofendidos ao se restringir a composição acionista dessas empresas, na leitura do advogado. Sobre a restrição aos bancos como acionistas, comentou: “ Eu estou vedando essa redução de custo e portanto repassando o custo dessa proibição para o consumidor.”
Para Leonardo Duarte, do Veirano Advogados: “Há mercados que demandam uma maior intervenção regulatória do Estado para proteger ou promover determinados interesses públicos que podem se sobrepor à livre concorrência, como por exemplo, garantir o adequado funcionamento de mercados que não funcionam bem em um sistema de concorrência irrestrita (monopólios ou oligopólios naturais, como no setor de Telecom), garantir a segurança dos consumidores (serviços de saúde, medicamentos etc.) ou mesmo garantir a soberania nacional, por meio da restrição de participação de capital estrangeiro em setores considerados estratégicos (aviação civil, emissoras de TV aberta etc.).
O advogado prosseguiu: “Em uma análise preliminar, não identificamos quais seriam as justificativas para restringir a participação de instituições financeiras ou de empresas estrangeiras no capital social de empresas que atuam no setor de transporte de valores, o que pode representar um obstáculo ao ingresso de novas empresas nesse mercado e limitar a livre concorrência. Na ausência de interesses públicos legítimos que justifiquem esse tipo de restrição, a livre concorrência deve prevalecer. Seria importante entender melhor quais seriam essas justificativas e, inclusive, que Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE/MF, órgão que possui a atribuição legal de exercer a advocacia da concorrência, fosse ouvida sobre essa questão.”
Ricardo Casanova Motta, da Grinberg e Cordovil Advogados, também comentou: “Do ponto de vista concorrencial, os dois dispositivos merecem análises distintas. A vedação de participação de capital estrangeiro está, em regra, atrelada à proteção de valores defendidos pela Constituição, como por exemplo, questões de segurança pública e até de soberania nacional. No caso específico, não parecem ser esses os valores defendidos, já que a vedação abarcou apenas as empresas de transporte de numerário, bens e valores, deixando de lado todos os demais tipos de atividades descritas no art. 5º. Não parece haver uma razão evidente e plausível que justifique o tratamento diferenciado para a atividade de transporte de numerário, bens e valores, de forma a vedar a participação de capital estrangeiro, enquanto a mesma vedação não recai sobre as demais atividades do art. 5º.
Ainda segundo Casanova Motta: “No que diz respeito à vedação de que instituições financeiras (bancos, por exemplo), sejam sócios dessas empresas, o que se está impedindo é, basicamente, a verticalização dos agentes nesse mercado. Novamente, não parece haver nenhuma justificativa evidente para essa vedação. Alguém poderia até defender que a verticalização nesse tipo de mercado poderia, em algumas hipóteses, causar prejuízos concorrenciais. No entanto, verticalizações também podem ser pró-competitivas, a depender da estrutura do mercado e das sinergias resultantes da integração dos agentes econômicos. Essa análise deve ser realizada caso a caso, após um exame minucioso da estrutura e das eficiências geradas por uma potencial operação nesse sentido. Portanto, se essa for a justificativa pretendida pela lei, parece, a princípio, uma vedação genérica e precipitada ao princípio da livre iniciativa previsto na Constituição Federal.”
Tércio Sampaio Ferraz, sócio fundador do Sampaio Ferraz Advogados, destacou dois parágrafos do artigo 20 do PL:
§ 2º É vedada a participação direta ou indireta de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, no capital social votante das empresas de serviço de segurança privada especializadas em transporte de numerário, bens e valores, de que trata esta Lei.
§ 3º As pessoas jurídicas referidas no § 1º do art. 31 desta Lei não poderão
I participar do capital das empresas especializadas em segurança privada e
II constituir serviços orgânicos de segurança privada voltados para o transporte de numerário, bens e valores.
Para Tércio Sampaio Ferraz:
1) “Quanto à vedação ao capital estrangeiro (§ 3º), entendo que o Legislador, na observância do art. 172 da CF, deve levar em conta a estrutura positiva e as implicações a contrario sensu da Ordem Econômica (art. 170 da CF), isto é, só pode impor restrições ao investimento estrangeiro apenas se fundamentos, objetivos e princípios são ostensivamente violados; mas também, formalmente, deve ater-se ao sentido do art. 172 em vista das implicações nele provocadas pela revogação do art. 171 da CF”.
2) “Quanto à revogação do art. 171, entendo que se uma norma que estabelecia uma discriminação é revogada explicitamente, a discriminação abolida não pode ser mais retomada. Segue posição do STJ, rel. Min. Herman Benjamin (Mandado de Segurança nº 19.545 – DF – 2012/0262456-4), segundo o qual, tendo sido o art. 171 da CF revogado explicitamente pela Emenda Constitucional nº 6 de 15 de agosto de 1995, “caíram as discriminações contra empresas brasileiras fundadas na origem do seu capital, salvo raros casos, objeto de tratamento constitucional específico”. Ademais, o Estado, como agente normativo e regulador, deve atuar, mediante lei, em nome do interesse comum, nunca em nome de interesses privados e, ao fazê-lo, deve guardar a imparcialidade própria do interesse comum. Diante disso é possível concluir que o PL, ao privilegiar agentes, em suma, ao vedar o capital estrangeiro, mormente no capital social votante das empresas que atuam em um setor do mercado, ou seja, especializadas em transporte de numerário, bens e valores, é inconstitucional, quer por força do regime constitucional contido no art. 172 da CF, quer por força do princípio da livre concorrência
3) “Quanto ao § 2º do art. 20 do PL, entendo que a norma proposta padece também de inconstitucionalidade quando veda o capital estrangeiro – aliás, sem nenhuma plausibilidade, apenas (!) para as empresas de serviço de segurança privada especializadas em transporte de numerário, bens e valores. Não se vislumbra, ademais, a razão pela qual as instituições financeiras não possam participar do capital de empresas de segurança privada, muito menos porque se lhes proíba organizar serviço para si próprias de transporte de numerários, bens e valores. Não havendo vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais (atendimento ao público e movimentação de numerário) e a disparidade estabelecida, a discriminação agride a isonomia constitucional.
4) “Entendo ainda que a competência do Estado para fiscalizar (art. 174 da CF), e, nessa medida, ter alguma possibilidade de ingerência em assuntos internos de empresas privadas, não se confunde com a competência para planejar. Portanto, essa ingerência não pode significar a imposição de limites à autonomia de gestão, no que se refere a decisões sobre a estrutura empresarial do serviço. Ora, as empresas prestadoras de serviços de segurança privada não perdem, por força de submissão à fiscalização, sua autonomia privada. Donde a desequiparação promovida pelo § 3º, incisos I e II, do art. 20 do PL, ao atingir os discriminados em sua liberdade de gerir, viola igualmente a isonomia por resultar em diferenciação que contraria a livre iniciativa protegida pela Constituição como bem fundamental. ”