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Ministro do STJ altera entendimento e coloca em risco investigação do Cartel da Laranja

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Capítulo 1

Uma longa e inusitada história

A investigação mais longa do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sofreu um importante revés na quinta-feira (22/9) e agora depende praticamente de um novo julgamento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para concluir o processo administrativo sobre um suposto cartel formado por um grupo de empresas processadoras de suco de laranja.

Na quinta-feira, a 1ª Turma do STJ retomou o julgamento do REsp 1.504.644, apresentado pela Coinbra Frutesp, uma das empresas que responde ao processo administrativo no Cade. O caso tem importância vital para a análise judicial de buscas e apreensões realizadas pelo conselho. Além disso, a tramitação do recurso na Corte vem sendo marcado por reviravoltas e fatos inusitados.

Os ministros avaliam a validade de uma operação de busca e apreensão realizada em 2006. O material apreendido passou anos lacrado por ordem judicial, até que o Cade foi autorizado a analisar a documentação encontrada na sede das empresas. O processo administrativo (PA 08012.008372/99-14) ainda está em fase de instrução na Superintendência Geral, que solicitou às empresas que apresentassem suas alegações finais no ano passado.

O processo administrativo contém degravação de conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial que indicariam a prática de cartel pelas empresas, além dos documentos fornecidas em acordo de leniência.

Na semana passada, o ministro Benedito Gonçalves apresentou seu voto-vista com visão oposta à que ele mesmo escreveu no seu voto sobre pleito semelhante feito pela Sucocítrico Cutrale em 2014. Ao dar provimento ao recurso da Coinbra Frutesp, o ministro elevou para dois os votos a favor da anulação das buscas de 2006. Também votou pela anulação da operação o ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho, no início do ano.

Com os dois votos contrários ao Cade e ao Ministério Público Federal, o presidente da 1ª Turma, ministro Sérgio Kukina, pediu vista do processo, adiando uma decisão. Além dele, ainda deve votar o ministro Gurgel de Faria. A ministra Regina Helena Costa, que completa o colegiado da Turma, participou do julgamento no Tribunal Regional Federal da 3ª Região – acórdão que é contestado no STJ – por isso está impedida de se manifestar.

Capítulo 2

O que aconteceu depois do TCC

Como tudo começou

A história remonta ao fim do século passado. Em 1995, as empresas investigadas assinaram com o Cade um acordo chamado Termo de Compromisso de Cessação (TCC), no qual prometiam não combinar preços de compra de laranja, seu principal insumo industrial, até 31 de outubro de 1998. Além de não compartilharem informações concorrencialmente sensíveis, o que viola a lei. À época vigorava a Lei 8.884/94.

Em 1999, o Cade considerou o TCC cumprido e arquivou a investigação contra as empresas. Porém, novos fatos vieram à tona, como denúncias de que as companhias continuavam a praticar as mesmas condutas que haviam se comprometido a abandonar no TCC, além de informações de eventual descumprimento do TCC arquivado. Estes dados permanecem sob sigilo judicial e administrativo.

Em setembro daquele ano, o Cade também recebeu informações da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados indicando a continuidade da prática de cartel pelas empresas. Documentos obtidos pelo Cade e periciados judicialmente indicariam a conduta até pelo menos o ano de 2000.

Com base nestes dados, o conselho solicitou e obteve autorização judicial para as buscas e apreensões de documentos em 2006. E a partir daí as empresas passaram a contestar sistematicamente cada passo da autoridade antitruste no Judiciário com dois argumentos principais:

1) As buscas visavam encontrar documentos contendo práticas abrangidas pelo TCC;

2) A autorização de busca e apreensão não continha os fundamentos básicos de perigo da demora e fumaça do bom direito (periculum in mora, fumus boni iuris)

Em seu voto condutor ao tratar do recurso da Coinbra Frutesp, a desembargadora Consuelo Yashida, do TRF-3, registrou a diferença entre os fatos abrangidos pelo TCC e aqueles que foram alvo do novo processo aberto na extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE):

“Fica evidente que a questão que se investiga atualmente e que embasou a ação cautelar de busca e apreensão em comento possui escopo diverso e mais abrangente, razão pela qual a alegação de que a apelada não poderia utilizar tais documentos não possui qualquer pertinência; e mais, a vinculação pretendida pela apelante entre o processo administrativo que culminou na celebração do TCC e o Processo Administrativo nº 08012.008372/99-14 (atualmente em trâmite na SDE) também não é correta. Novamente, trata-se de processos distintos, escopos e abrangência também distintos.”

Capítulo 3

De vencido a relator

Recursos no STJ

A Sucocítrico Cutrale recorreu ao STJ contra a decisão do TRF-3 e teve o seu Recurso Especial (1.286.258) julgado também na 1ª Turma, que analisa casos de Direito Público. O caso foi relatado pelo ministro Arnaldo Esteves Lima. O recurso foi negado por maioria, tendo votado contra a empresa os ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Ari Pargendler.

Ficou vencido, na ocasião, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

O acórdão é de 3 de junho de 2014 e registra a aplicação da Súmula 7 do STJ. Isso significa que os ministros concluíram que a empresa pedia reavaliação de provas já realizada pelo TRF-3. Com este entendimento, a 1ª Turma indicava, ainda, que estavam presentes os fundamentos para autorização de busca e apreensão de 2006.

Em setembro de 2014, o ministro Benedito Gonçalves disse em seu voto que “a ação cautelar [de busca e apreensão] foi proposta com os documentos necessários para a demonstração e comprovação da necessidade da tutela de urgência e que o mandado de busca e apreensão, expedido por autoridade judicial competente, foi devidamente efetuada por analistas judiciários executantes de mandados.”

Na mesma decisão, o ministro Benedito Gonçalves escreveu que a autorização para busca e apreensão usava informações sobre a atuação das empresas após 1999.

“Nessa esteira, resulta incontroverso, conforme assertivas da Corte de origem, que o pedido de busca e apreensão está embasado no Processo Administrativo no 08012.008372/99-14, instaurado a partir de fatos supervenientes ao Termo de Compromisso de Cessação celebrado em 1995.”

Na ocasião, Benedito Gonçalves votou pela aplicação da Súmula 7 do STJ, segundo a qual “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Julgamento anulado a pedido do MPF

Um ano depois, o mesmo ministro Napoleão Nunes Maia Filho suspendeu a tramitação do processo administrativo no Cade a pedido da Coinbra Frutesp. Ele foi sorteado relator do recurso da empresa e apresentou voto pelo provimento do recurso, por entender que a investigação do Cade voltava a analisar os fatos abrangidos pelo TCC que vigorou de 1995 a 1999.

O julgamento foi suspenso em novembro do ano passado, a partir de um pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves – que também havia solicitado vista do REsp apresentado pela Sucocítrico Cutrale em 2014. Ocorreu, então, um fato pouco usual no STJ.

Em dezembro, o Ministério Público Federal apresentou questão de ordem, por não ter sido ouvido. A Turma decidiu, então, anular o julgamento até ali e começar do zero, após manifestação do MPF. Foi o que o ocorreu no dia 1º de março deste ano.

O MPF defendeu a validade da busca e apreensão. Afirmou que os dados sob investigação no Cade se referem a condutas ocorridas após a vigência do TCC firmado com as processadoras de suco de laranja, defendeu a presença dos fundamentos para a autorização das buscas e recomendou que os ministros votassem contra o REsp da Coinbra Frutesp, seguindo entendimento obtido no REsp da Sucocítrico Cutrale.

As empresas voltaram a defender a nulidade das buscas, citando descumprimento do artigo 35-A da Lei 8.884/1994, argumento aceito pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em seu novo voto apresentado em março deste ano. Diz o artigo:

Art. 35-A. A Advocacia-Geral da União, por solicitação da SDE, poderá requerer ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse da instrução do procedimento, das averiguações preliminares ou do processo administrativo, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 839 e seguintes do Código de Processo Civil, sendo inexigível a propositura de ação principal. 

Após sustentação oral do MPF, do Cade e do voto de Napoleão Nunes Maia Filho, o ministro Benedito Gonçalves, então, voltou a pedir vista do processo.

Capítulo 4

Benedito Gonçalves muda seu entendimento

Mesmo ministro, mesmo acórdão, voto diferente

Na quinta-feira, o ministro Benedito Gonçalves apresentou seu voto. Nele, dá provimento ao Recurso Especial da Coinbra Frutesp e afasta a aplicação da Súmula 7 do STJ, em linha contrária ao que havia votado em 2014 sobre a mesma autorização de busca e apreensão.

“Essa fundamentação [da busca e apreensão] não é bastante para caracterizar a fumaça do bom direito porque o segundo processo administrativo foi instaurado há mais de 15 anos sem que nesse ínterim tenha sido averiguada presença das condutas anticoncorrenciais”, afirmou o ministro, durante o julgamento.

E complementou: “Diante disso, não me soa lógico o deferimento da medida com base em documentação que guarnecera o anterior processo administrativo no bojo do qual foi celebrado o termo de conduta, posteriormente arquivado por seu cumprimento.”

Composição atual

No caso atual, não haverá maioria de votos dos ministros da 1ª Turma em favor do Cade. Com a mudança na posição do ministro Benedito Gonçalves, restam apenas dois votos: do presidente, Sérgio Kukina, e do ministro Gurgel de Farias – que chegou à 1ª Turma em 2016.

Para que o Cade possa usar os documentos usados nas buscas, será preciso que ambos os ministros neguem provimento do REsp da Coinbra Frutesp. Neste cenário, um integrante de outra Turma será convocado e haverá nova rodada de sustentação oral e, enfim, a resolução do caso.

Com a mudança de entendimento de um ministro do STJ, tudo indica que o Cade não poderá levar a julgamento em 2016 um processo que começou a apurar em 1999 e realizou buscas em 2006.

Respondem ao processo administrativo no Cade:

Sucocítrico Cutrale Ltda

Grupo Montecitrus

Frutax Agrícola Ltda

CTM Citrus S.A.

Coinbra-Frutesp S.A

Citrovita Agro Industrial Ltda

Citrosuco Paulista S.A (sucedida por Fischer S.A Agroindústria)

Cargill Agrícola S.A (adquirida por Sucocítrico Cutrale Ltda e Fischer S.A Agroindústria)

Cambuhy Citrus

Bascitrus Agroindústria S.A

Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (ABECITRUS)

Leia abaixo o que disse Benedito Gonçalves na quinta-feira (22/9):

Primeiramente, entendo que nessa questão deve ser afastada a súmula 7.

Portanto, a questão controvertida é de de Direito e consiste em verificar, à luz dos fatos, e das provas assentadas do acordo de origem se foram preenchidos requisitos previstos no artigo 35-A da Lei 8884 e o artigo 839 e seguinte do CPC revogado.

Ademais o presente caso difere então do REsp 1.286.258 que naquela ocasião votei pela Súmula 7.

Após o exame da controvérsia presente nos autos, devo expor que acompanho o relator e dou provimento ao recurso especial, mas por outros fundamentos. A questão controvertida gravita em torno de verificar o cumprimento dos requisitos da lei, como se percebe tal dispositivo manda aplicar no que couber o artigo 839 e seguinte do CPC que cuida de ação cautelar de busca e apreensão. 

Em se tratando de medida cautelar, seja lá qual for é obrigatória, sob pena de seu indeferimento, a presença de requisitos específicos: fumaça do bom direito e a presença do perigo da demora. 

A corte de origem ao negar provimento ao recurso da requerida, ora recorrente, teceu fundamentação no sentido de considerar legítimo o pedido de busca a apreensão sob alegação de que novos atos estavam sendo praticados em desacordo com o TCC anteriormente celebrado.

O tribunal de origem, para chancelar a permissão de busca e apreensão, informou que o Cade recebeu diversas denúncias e representações no sentido de que a recorrente, juntamente com outras empresas produtoras de suco de laranja concentrado e congelado estava praticando condutas anticoncorrenciais e formando cartel entre si.

Outras considerações, é mister advertir, que as condutas as quais foram analisadas pela corte de origem e constam do acórdão impugnado poderiam ser consubstanciada fumaça do bom direito na medida em que, em tese, caracterizam práticas vedadas pela lei antitruste então vigente à época dos fatos.

Porém essa fundamentação não é bastante para caracterizar a fumaça do bom direito porque o segundo processo administrativo foi instaurado há mais de 15 anos sem que nesse ínterim tenha sido averiguada presença das condutas anticoncorrenciais. 

Diante disso, não me soa lógico o deferimento da medida com base em documentação que guarnecera o anterior processo administrativo, no bojo do qual foi celebrado o termo de conduta, posteriormente arquivado por seu cumprimento.

Portanto, houve violação do artigo 35-A da lei 8.884 na parte que determina a aplicação subsidiada do CPC. Sob esse enfoque, como os requisitos para concessão da cautelar são cumulativos e não alternativos, o tribunal a quo deveria ter justificado de forma adequada a presença da fumaça do bom direito. Todavia, como não o fez, não poderia ter mantido a decisão que determinara a busca e apreensão. 

É mister realçar, antes dessa questão, que não se trata de ver fatos e/ou provas. O que se tem deveras é a questão do direito formal. O não preenchimento dos requisitos autorizadores para deferir a cautela de busca e apreensão e para essa análise faz com que dê fim o acórdão recorrido. Por fim manifesto concordância com o relator, relativamente à impossibilidade de emitir valor a respeito do avessamento ou não da prescrição. De fato, tal análise está obstada nessa sede diante da ausência dos elementos para tanto.