Lei Maria da Penha

Feminicídio: Breves comentários à Lei 13.104/15

Pular para conteúdo
Whatsapp
comentários

Capítulo 1

Introdução

Foi sancionada no dia 09/03/2015 mais uma importante novidade legislativa. Trata-se da Lei n. 13.104/2015 que, em linhas gerais, prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

A Lei é de autoria da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da [simple_tooltip content=’Investigação da situação da violência contra a mulher no Brasil. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748&tp=1>. Acesso em 31 mai. 2015′]Violência contra a Mulher[/simple_tooltip]. Com a sanção presidencial, o assassinato de mulher por razões de gênero (quando envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher) passa a ser incluído entre os tipos de homicídio qualificado.

De maneira específica, a Lei n. 13.104/15, considera feminicídio quando o crime é praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: quando envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. A pena prevista para homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.

A violência contra as mulheres tem deixado uma ferida intensa e dolorida. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema Único de Saúde, denominada Mapa da Violência no Brasil 2012 demonstrou que entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas no Brasil; ou seja, em média 10 mulheres foram assassinadas por dia ou ainda,   [simple_tooltip content=’WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012: a cor dos homicídios no Brasil. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf>. Acesso em 03 mai. 2015 ‘]4,2 assassinadas por 100.000 habitantes[/simple_tooltip].

A agressão contra as mulheres se explica desde a perspectiva das relações desiguais de poder entre as mulheres e homens, que se expressa através de distintas formas de discriminação, exclusão e exploração. A normalização da violência é tão excessiva que impregna o nosso cotidiano, passa a fazer parte de uma realidade quase inalterável e na interiorização desta por parte das próprias mulheres que atuam com base em um padrão de submissão imposto pela cultura patriarcal.

A violência normalizada se transmite e se reproduz socialmente nas ideias, valores e práticas. Ditas manifestações alcançam todos os âmbitos da vida das mulheres e claramente intervém nos distintos espaços da vida das mulheres nos quais se desenvolvem, incluídas as instituições do Estado.

Temos assistido nos últimos tempos notícias nos jornais sobre o assassinato de mulheres pelo marido ou namorado, ex ou atual. Na verdade são crimes de violência contra a mulher que denotam a desigualdade de gênero. São geralmente noticiados como crimes “passionais”, como uma ocorrência policial comum sem revelar o que na verdade está por trás dessa realidade, o assassinato misógino de mulheres cometido por homens.

Grande parte dessas mulheres foi morta quando resolveu terminar a relação amorosa, demonstrando que a dominação masculina prepondera nestas relações. Além disso, a mesma dominação é revelada nos expedientes policiais, processuais e nos corredores dos fóruns. Muitos crimes contra as mulheres são investigados e julgados sem qualquer perspectiva de gênero. Não se leva em consideração as desigualdades entre homens e mulheres, a subordinação, a submissão da mulher nas relações. Muitas mulheres sequer acreditam que aquele homem, com quem conviveram, possa matá-las.

Sob a ótica de uma necessária e diferenciada proteção à mulher, o Brasil editou o Decreto n. 1.973, em 1º de agosto de 1996, promulgando a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 09 de junho de 1994.

Dispõe o art. 1º da referida Convenção:

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (grifo nosso).

Cumprindo as determinações contidas na referida Convenção, em 7 de agosto de 2006 foi publicada a Lei n. 11.340, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha” que, além de dispor sobre as várias formas de violência contra as mulheres, criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. 1º da mencionada Lei.

E agora, recentemente, com a edição da Lei n. 13.104/15 o Estado Brasileiro completa o sistema de proteção às mulheres, criando como modalidade de homicídio qualificado, o chamado feminicídio, que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino.

Destaco alguns pontos importantes da nova Lei.

I – Prevê o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio quando é praticado contra a mulher(a) por razões da condição do sexo feminino(b);

II – Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolver:

a) violência doméstica e familiar contra a mulher;

b) ou menosprezo e discriminação contra a mulher.

III – prevê causas de aumento da pena de 1/3 até a metade se o crime for praticado:

ü  durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto;

ü  contra menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência;

ü  na presença de descendente ou ascendente da vítima.

IV– Considera-se crime hediondo;

Vejamos a seguir alguns comentários sobre cada um deles.

I – Prevê o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio quando é praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino;

a)    Sujeito passivo: mulher

Para que possa incidir a qualificadora do feminicídio é necessário que o sujeito passivo seja uma mulher, e que o crime tenha sido cometido por razões da sua condição de sexo feminino. Assim, indaga-se, quem pode ser considerada mulher, para efeitos de reconhecimento do homicídio qualificado?

Existem três posições na doutrina para identificar a mulher com a finalidade de aplicar a qualificadora do [simple_tooltip content=’BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: as implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/37145/feminicidio-e-neocolpovulvoplastia>. Acesso em 15 jun. 2015’]feminicídio[/simple_tooltip], a saber:

1) O critério psicológico.

Existirá defesa no sentido de que se deve desconsiderar o critério biológico para identificar como mulher, toda aquela em que o psíquico ou o aspecto comportamental é feminino.

Adotando-se esse critério, matar alguém que fez a cirurgia de redesignação de gênero ou que, psicologicamente, acredita ser uma mulher, será aplicado a qualificadora do feminicídio.

2) O critério jurídico cível.

Deve ser considerado o sexo que consta no registro civil, ou seja, se houver decisão judicial para a alteração do registro de nascimento, alterando o sexo, teremos um novo conceito de mulher, que deixará de ser natural para ser um conceito de natureza jurídica.

3) O critério biológico.

Deve ser sempre considerado o critério biológico, ou seja, identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso, como a cirurgia de redesignação de gênero altera a estética, mas não a concepção genética, não será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio.

[simple_tooltip content=’BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: as implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/37145/feminicidio-e-neocolpovulvoplastia>. Acesso em 15 jun. 2015′]Francisco Dirceu Barros [/simple_tooltip] observou que o grande problema à utilização do critério psicológico para conceituar “mulher”, reside no fato de que o mesmo é formado pela convicção íntima da pessoa que entende pertencer ao sexo feminino, critério que pode ser, diante do caso concreto subjetivo, algo que não é compatível com o Direito Penal moderno.

De outro lado, o critério jurídico cível, data vênia, também não poderia ser aplicado, pois as Instâncias cível e penal são independentes; assim, a mudança jurídica no cível representaria algo que seria usado em prejuízo do réu, afrontando o princípio da proibição da analogia in malam partem, o corolário da legalidade proíbe a adequação típica “por semelhança” entre fatos.

Ademais, ainda na defesa do critério biológico, para Francisco Dirceu Barros, o legislador, mesmo sabendo que existem outros gêneros sexuais, não incluiu os transexuais, homossexuais, gays ou travestis, sendo peremptório ao afirmar que “considera-se que a há razões de gênero quando o crime envolve: ‘

[simple_tooltip content=’BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio e neocolpovulvoplastia: as implicações legais do conceito de mulher para os fins penais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/37145/feminicidio-e-neocolpovulvoplastia>. Acesso em 15 jun. 2015’]menosprezo ou discriminação à condição de mulher[/simple_tooltip].'”

A frase prevista originalmente no projeto de lei “menosprezo ou discriminação à condição de gênero”, foi substituída por “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Para [simple_tooltip content=’GOMES, Luiz Flávio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei 13.104/2015. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015>. Acesso em 15 jun. 2015′] Luiz Flávio Gomes[/simple_tooltip], mulher se traduz num dado objetivo da natureza. Sua comprovação é empírica e sensorial. De acordo com o art. 5º, parágrafo único, a Lei n. 11.340/2006 deve ser aplicada, independentemente de orientação sexual. Na relação entre mulheres hetero ou transexual (sexo biológico não correspondente à identidade de gênero; sexo masculino e identidade de gênero feminina), caso haja violência baseada no gênero, pode caracterizar o feminicídio.

Assim, para este autor, no caso das relações homoafetivas masculinas definitivamente não se incidirá a qualificadora. A lei falou em mulher e por analogia não poderia aplicar a lei penal contra o réu. Não podemos admitir o feminicídio quando a vítima é um homem (ainda que de orientação sexual distinta da sua qualidade masculina).

Posição da autora: a qualificadora do feminicidio incide quando o sujeito passivo for mulher, entendido na minha forma de ver de acordo com o critério psicológico, ou seja, quando a pessoa se identificar com o sexo feminino, mesmo quando não tenha nascido com o sexo biológico feminino.

Juíza Adriana de Mello. Crédito: Marco Zaoboni
Juíza Adriana de Mello. Crédito: Marco Zaoboni

 

Em tese, não se admite analogia em desfavor do réu. No entanto, a Lei Maria da Penha já foi aplicada a mulher transexual por decisão da 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis em Goiás, da lavra da Juíza Ana Claudia Veloso Magalhães (Processo n. 201103873908, TJGO).

A transexualidade caracteriza-se por uma contradição entre a identidade sexual ou de gênero com o sexo biológico, o que causa uma dificuldade terminológica. Pode ser considerada, portanto, mulher transexual o indivíduo que nasce com anatomia masculina e se identifica com o gênero feminino, e como homem transexual a pessoa que nasce com anatomia feminina, identificando-se com o  [simple_tooltip content=’GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e direitos humanos: o reconhecimento da identidade de gênero entre os direitos da personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 66.’]sexo masculino[/simple_tooltip].

A mulher transexual é uma pessoa adulta que se identifica como sendo do sexo e gênero femininos, embora tenha sido geneticamente — e oficialmente, pelos pais, quando do nascimento — designada como pertencente ao sexo masculino. Portanto, em virtude da incongruência sexo versus mente (ou cérebro), uma mulher transexual reivindica o reconhecimento social e legal como mulher.

Tal quais as mulheres genéticas, as mulheres transexuais adotam nome, aparência e comportamentos femininos em razão de sua necessidade de querer e necessitar ser tratadas como quaisquer outras mulheres.

Além disso, a alteração que a Lei sofreu pouco tempo antes de ser aprovada, que substituiu o vocábulo “gênero” pela expressão “condição de sexo feminino”, na verdade não altera a interpretação, já que a expressão “por razões de sexo feminino” prende-se, igualmente, a razões de gênero. O legislador não almejou trazer uma qualificadora para a morte de mulheres. Se assim fosse bastaria ter colocado: Se o crime for cometido contra mulher, sem utilizar a expressão “por razões da condição de sexo feminino”.

Esse posicionamento é diverso do defendido por Thiago Mota (2015), no qual expõe que “somente as pessoas a quem o direito reconhece (civilmente) como mulheres podem ser o passivo do crime”, mas comenta a possibilidade de a transexual ser vítima do crime de feminicidio se esta tiver feito a cirurgia de redesignação de gênero e alterado o registro civil.

Portanto, entendemos que toda vez que uma mulher, assim entendido como toda pessoa que se identificar com o gênero feminino, independente da realização da cirurgia de mudança de sexo, for morta em razão desta condição, incidirá a qualificadora do feminicidio.

b) Requisito normativo: “razões da condição de sexo feminino”.

O Projeto que deu origem à Lei n. 13.104/2015 (PL 8.305/2014) sofreu, pouco tempo antes de ser aprovado, uma modificação: o termo “gênero” foi substituído pela expressão “condição de sexo feminino”.

No entanto, entendemos que esta modificação não altera a interpretação, já que a expressão “por razões da condição de sexo feminino” prende-se, da mesma forma, a razões de gênero.

Observa-se que o legislador não trouxe uma qualificadora para a morte de mulheres. Se assim fosse teria dito: “Se o crime é cometido contra a mulher”, sem utilizar a expressão “por razões da condição de sexo feminino”.

Uma vez explicado que a qualificadora não se refere a uma questão de sexo (categoria que pertence à biologia), mas a uma questão de gênero (atinente à sociologia, padrões sociais do papel que cada sexo desempenha) vale trazer algumas considerações sobre o assunto.

O conceito de gênero procura esclarecer as relações entre mulheres e homens. Ele apareceu após muitos anos de luta feminista e de formulação de várias tentativas de explicações teóricas sobre a opressão das mulheres. A ideia de que existe uma construção social do ser mulher já estava presente há muitos anos. Mas, permaneciam dificuldades teóricas sobre a origem da opressão das mulheres, sobre como inserir a visão da opressão das mulheres no conjunto das relações sociais, sobre a relação entre essa e outras opressões, como, por exemplo, a relação entre opressão das mulheres e capitalismo. Não existia uma explicação que articulasse os vários planos em que se dá a opressão sobre as mulheres (trabalho, família, sexualidade, poder, identidade) e, principalmente, uma explicação que apontasse com mais clareza os caminhos para a superação dessa opressão.

Assim como gênero, mulher também é um conceito complexo, marcado por conflitos e ambiguidade nos seus significados. De um lado, o termo se refere a uma construção – a mulher como representação – enquanto, de outro, se refere a pessoas ‘reais’ e a uma categoria social – a de mulheres como seres históricos, sujeitos de relações sociais. Contudo, existe uma grande lacuna entre uma e a outra construção, resvalando-se de uma para outra, e não apenas nos usos do conceito, mas também em nosso cotidiano enquanto mulheres de carne e osso (Sardemberg, 2014).

Nesse sentido, o conceito de gênero veio responder a vários desses impasses e permitir analisar tanto as relações de gênero quanto a construção da identidade de gênero em cada pessoa. O conceito de gênero foi trabalhado inicialmente pela antropologia e pela psicanálise, situando a construção das relações de gênero na definição das identidades feminina e masculina, como base para a existência de papéis sociais distintos e hierárquicos (desiguais).

Esse conceito coloca nitidamente o ser mulher e ser homem como uma construção social, a partir do que é estabelecido como feminino e masculino e dos papéis sociais destinados a cada um. Por isto, gênero, um termo cedido da gramática, foi o vocábulo escolhido para distinguir a construção social do masculino e feminino do sexo biológico.

Para a promotora de justiça Valeria Scarance.

(…) nenhum homem agride ou humilha a mulher no primeiro encontro. A dominação do homem se estabelece aos poucos. Inicialmente há a conquista e sedução. Depois, sob o manto do cuidado, tem início o controle, o isolamento da mulher dos amigos e familiares. Seguem-se ofensas, rebaixamento moral e agressão física. Estabelecem-se regras: chegar cedo, não fazer barulho, não usar roupas provocantes, não falar com outros homens, cozinhar e cuidar dos filhos, todas “para o bem da mulher e família”. O descumprimento dessas regras naturalizadas na relação justifica para o homem o ato violento e faz com que a vítima seja culpada pela  [simple_tooltip content=’FERNANDES, Valéria Diez Scarance.  Lei Maria da Penha e Gênero: quem é responsável pela violência contra as mulheres? Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/lei-maria-da-penha-e-genero-quem-e-responsavel-pela-violencia-contra-as-mulheres/13635>. Acesso em 14 jun. 2015’]violência[/simple_tooltip].

Capítulo 2

Circunstancias que configuram as "razões de condição de sexo feminino”

Devemos observar, no entanto, que não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do delito tipificado no art. 121 do Código Penal que já estará caracterizado o delito qualificado, ou seja, o feminicídio. Para configurar a qualificadora, nos termos do §2-A, do art. 121 do diploma repressivo, o crime deverá ser praticado por razões de condição de sexo feminino, que efetivamente ocorrerá quando envolver:

a) violência doméstica e familiar contra a mulher.

A partir de uma interpretação sistemática chega-se à Lei Maria da Penha e de acordo com o que dispõe o art. 5º da referida Lei:

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Ou seja, não basta que o sujeito passivo seja uma mulher, será necessário que se verifique se a agressão foi baseada no gênero e que o crime tenha ocorrido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto.

De acordo com esta interpretação, conclui-se que a violência doméstica e familiar contra a mulher que configura uma das condições do sexo feminino e, portanto, feminicídio não se confunde com a violência ocorrida no âmbito familiar que não tenha sido baseada no gênero. Conforme citado por [simple_tooltip content=’BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei 13.104/2015. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-1310>. Acesso em 14 jun. 2015.’]Luiz Flavio Gomes[/simple_tooltip]:

Com essas informações, podemos concluir que a violência doméstica e familiar que configura uma das razões da condição de sexo feminino (art. 121, § II-A) e, portanto, feminicídio, não se confunde com a violência ocorrida dentro da unidade doméstica ou no âmbito familiar ou mesmo em uma relação íntima de afeto. Ou seja, pode-se ter uma violência ocorrida no âmbito doméstico que envolva, inclusive, uma relação familiar (violência do marido contra a mulher dentro do lar do casal, por exemplo), mas que não configure uma violência doméstica e familiar por razões da condição de sexo feminino (Ex. Marido que mata a mulher por questões vinculadas à dependência de drogas). O componente necessário para que se possa falar de feminicídio, portanto, como antes já se ressaltou, é a existência de uma violência baseada no gênero (Ex.: marido que mata a mulher pelo fato de ela pedir a separação).

b) ou menosprezo e discriminação contra a mulher.

Segundo o dicionário informal on line, menosprezo significa pouca ou nenhuma estima ou apreço. Desdém, desprezo por alguém ou por [simple_tooltip content=’Dicionário Informal. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/menosprezo/>. Acesso em 14 jun. 2015.’]alguma coisa[/simple_tooltip].

O assassinato de uma mulher em razão de menosprezo à condição de mulher é a segunda espécie de feminicídio trazida pela nova lei.

Há menosprezo quando o agente comete o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela vítima, configurando, desdém, desprezo, desvalorização.

O Brasil ratificou importantes convenções internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, uma delas a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, Convenção de Belém do Pará, estabelece no seu art. 6º,

O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros:

a.     o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação; e

b.     o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.

Além disso, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi adotada pela Assembleia Geral em 18 de dezembro de 1979, e entrou em vigor em 3 de setembro de 1981. A Convenção é constituída por um preâmbulo e 30 artigos, sendo que 16 deles contemplam direitos substantivos que devem ser respeitados, protegidos, garantidos e promovidos pelo Estado.

Em seu art. 1º, a Convenção define “discriminação contra a mulher” como sendo:

(…) toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Desta forma, matar a mulher porque, por exemplo, ela não pode estudar, trabalhar ou por exercer alguma função “considerada exclusivamente masculina”.

Capítulo 3

O aumento de pena no feminicídio

2. Causas

A nova Lei inclui mais um parágrafo ao art. 121 do Código Penal, nos seguintes termos:

Art. 121. […]

Aumento de pena

[…]

§ 7º A pena do feminicídio  é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos (6) ou com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Inicialmente, alguns comentários sobre as causas de aumento de pena. Deve se observar desde logo que é necessário que tais circunstâncias tenham ingressado na esfera de conhecimento do agente. Ou seja, o agente tem de ter conhecimento da gestação, ou que, há três meses, a vítima tenha realizado seu parto. Caso contrário, ou seja, se tais fatos não eram do conhecimento do agente, será impossível aplicar a causa de aumento de pena.

Algumas hipóteses citadas por Greco podem ocorrer na prática, quando o agente comete o crime de feminicídio, partindo do principio de que o agente sabia que a mulher estava grávida:

·                A mulher e o feto sobrevivem – nesse caso, o agente deverá responder pela tentativa de feminicídio e pela tentativa de aborto;

·                A mulher e o feto morrem: aqui, deverá responder pelo feminicídio consumado e pelo aborto consumado;

·                A mulher morre e o feto sobrevive: nessa hipótese, teremos um feminicídio consumado, em concurso com uma tentativa de aborto;

·                A mulher sobrevive e o feto morre: in casu, será responsabilizado pelo feminicídio tentado, em concurso com o aborto consumado.

Se o agente causa a morte da mulher por razões da condição de sexo feminino, nos 3 (três) meses posteriores ao parto, também terá sua pena aumentada. Aqui, conta-se o primeiro dia do prazo de 3 (três) meses na data em que praticou a conduta, e não no momento do resultado morte. Assim, por exemplo, se o agente deu início aos atos de execução do crime de feminicídio, agredindo a vítima com golpes de faca, e essa vem a morrer somente dez dias após as agressões, para efeito de contagem do prazo de 3 (três) meses será levado em consideração o dia em que desferiu os golpes, conforme determina o art. 4º do Código Penal, que diz que se considera praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Capítulo 4

3. Contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência

O próprio art. 121 do Código Penal, em seu § 4º, já prevê um aumento de 1/3 nos casos de homicídio praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos. O aumento previsto para o feminicídio, no entanto, é mais severo, pois varia de 1/3 até metade. Prevalece, no caso, o aumento determinado no § 7º, pois se trata de lei específica (princípio da especialidade).

A deficiência da vítima pode ser física ou mental e poderá ser comprovada mediante laudo pericial, ou por outros meios capazes de comprovar a deficiência.

De acordo com o art. 4º do Dec. n. 3.298/1999, que regulamentou a Lei n. 7.853/ 1989:

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade;

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Vários são os tipos penais em que a pena é agravada em razão da deficiência da vítima (lesão corporal, injúria, frustração de direito assegurado por lei trabalhista etc.).

Exige-se que o agente tenha conhecimento da situação de portador de deficiência da vítima, sob pena de não incidir a causa de aumento de pena (em virtude do erro de tipo).

Capítulo 5

4. Na presença de descendente ou de ascendente da vítima

Se o crime, ao ser perpetrado na presença de descendente ou ascendente da vítima, adquire uma reprovação ainda maior, pois trará um trauma muito intenso para o familiar que o assistiu; são marcas que, muitas vezes, acompanharam a pessoa para toda a sua vida. Além do agente, que pratica o feminicídio, ter que saber que as pessoas que se encontravam presentes quando da sua ação criminosa eram descendentes ou ascendentes da vítima, para que a referida causa de aumento de pena possa ser aplicada é preciso, também, que haja prova do parentesco nos autos, produzida através dos documentos necessários (certidão de nascimento, documento de identidade etc.).

Assim, exemplificando, imaginemos a hipótese onde o marido mata a sua esposa na presença de seu filho, que contava na época dos fatos com apenas 8 anos de idade. As consequências deste crime para essa criança dessa cena violenta o seguirão a vida toda.

Sabemos que tal fato tem sido comum e faz com que aquele que presenciou a morte violenta de sua mãe cresça, ou mesmo conviva até a sua morte, com graves problemas psicológicos, repercutindo na sua vida em sociedade.

Conforme já comentado, a circunstância é objetiva, devendo ter conhecimento o agente.

Capítulo 6

5. Considera-­se crime hediondo

Art. 2º O art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de junho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º (…)

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º. I, II, III, IV, V e VI).

O feminicídio é um crime hediondo. O art. 2º da Lei n. 13.104/2015 alterou o art. 1º da Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) para incluir nesse rol o homicídio qualificado do inciso VI, do § 2º, do art. 121 do CP. Portanto, não há nenhuma dúvida de que o feminicídio (não o simples femicídio: assassinato de uma mulher fora do contexto da violência de gênero) é um crime hediondo.

Não se trata de um crime equiparado ao hediondo (como são a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo), sim, é um crime formalmente hediondo.

Essa mudança legislativa (que entrou em vigor no dia 10/03/2015) só vale para crimes cometidos a partir dessa data. Essa lei, por ser mais gravosa, não retroage.

Sabe-se que o feminicídio já poderia (e, em alguns casos, já era) classificado como crime hediondo (homicídio por motivo torpe, fútil etc.). Afinal, não há como negar torpeza na ação de matar uma mulher por discriminação de gênero (matar uma mulher porque usa roupas consideradas inadequadas pelo agente ou porque não fez a comida corretamente ou não limpou a casa etc.). Mas esse entendimento não era uniforme. Daí a pertinência da nova lei, para dizer que todas essas situações configura indiscutivelmente crime hediondo.

Nos crimes anteriores a 10/03/201515 o motivo torpe continua sendo possível. O que não se pode é aplicar a lei nova (Lei n.13.104/2015) para fatos anteriores a ela (lei nova maléfica não retroage).

A comprovação de uma violência de gênero exige prova inequívoca. Havendo dúvida, in dubio pro reo. A motivação do delito constitui o eixo da violência de gênero. Uma vez comprovada essa circunstância, não se pode mais invocar o motivo torpe: uma mesma circunstância não pode ensejar duas valorações jurídicas (está proibido o bis in idem).

Pode ser que ocorra o abuso acusatório ou excesso de acusação, devendo o juiz quando do recebimento da denuncia fazer as devidas correções de modo a evitar o excesso de acusação, podendo, por exemplo, rejeitar parcialmente a inicial acusatória recebendo-a definitivamente com os expurgos necessários, por falta absoluta de justa causa. A qualificadora do feminicídio tem que ter justa causa específica (provas mínimas sobre esse ponto). Sem isso, rejeita-se parcialmente a denúncia.

Na prática, significa que a pena será de 12 a 30 anos de reclusão. De outro lado, que ele não admite anistia (que se concede por meio de lei), graça (que é o indulto individual concedido por ato do Presidente da República) nem indulto (indulto coletivo, também outorgado pela presidência da república, por meio de decreto – o indulto natalino é o mais conhecido indulto coletivo).

Tampouco se admite fiança nos crimes hediondos (caso o agente seja preso em flagrante, não pode ser beneficiado pela fiança).

O regime inicial de cumprimento da pena do feminicídio é o fechado.

A regra do § 3º do art. 2º da lei dos crimes hediondos (“Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade”) hoje já não tem nenhum sentido (depois da reforma do CPP de 2008) porque o duplo grau de jurisdição (o direito de apelar) não pode ficar condicionado à prisão. O duplo grau é uma garantia internacional (prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos), que está acima da lei (conforme decisão do STF no RE n. 466.343-SP).

A prisão temporária nos crimes hediondos terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. O livramento condicional, nesses crimes, exige o cumprimento de mais de dois terços da pena (conforma o disposto no art. 83, V, do CP).

Capítulo 7

6. A qualificadora do feminicídio é subjetiva ou objetiva?

Para [simple_tooltip content=’BARROS, Francisco Dirceu. Não existe feminicídio qualificado privilegiado. Disponível em: <http://franciscodirceubarros.jusbrasil.com.br/artigos/176024244/nao-existe-feminicidio-qualificado-privilegiado>. Acesso em 15 jun. 2015.’]Luiz Flavio Gomes[/simple_tooltip], a qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva (que compartilhamos). Sabe-se que é possível coexistência das circunstâncias privilegiadoras (§ 1º do art. 121), todas de natureza subjetiva, com qualificadoras de natureza objetiva (§ 2º, III e IV). Quando se reconhece (no júri) o privilégio (violenta emoção, por exemplo), crime, fica afastada, automaticamente, a tese do feminicídio (posição de Rogério Sanches, que também compartilhamos). Para este autor é impossível pensar num feminicídio, que é algo desprezível, reprovável, repugnante à dignidade da mulher, que tenha sido praticado por motivo de relevante valor moral ou social ou logo após injusta provocação da vítima.

Concluímos, portanto, que o feminicídio é a morte de uma mulher por razões de gênero (por discriminação ou menosprezo à condição de sexo feminino).

Quando a qualificadora do feminicídio incidir, restará prejudicada a incidência da agravante genérica do art. 61, II, “f”, parte final, do CP, sob pena de bis in idem vedado pelo art. 61, caput, do CP.

 

Capítulo 8

Conclusão

Sabemos que a tipificação penal do feminicídio pode não ser suficiente, considerando que na lei penal subsiste o controle patriarcal contra a mulher. Ainda assim, parafraseando [simple_tooltip content=’AMORÓS, Celia. “Conceptualizar es politizar”. EI: LAURENZO, Patricia; MAQUEDA, María Luisa; RUBIO, Ana (coords.). Género, violencia y derecho. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2008, p. 15-25.’] Célia Amorós[/simple_tooltip], “conceptualizar es politizar“, ou seja, os conceitos críticos possibilitam a visibilização de determinados fenômenos que não se apresentavam a partir de outras orientações e, por sua vez, essa visibilidade nutre e permite novos conceitos críticos. Que esses conceitos sejam incorporados nas instituições, em especial no Direito e no Direito Penal em específico, é essencial para que o problema se faça presente na discussão pública. Dar visibilidade aos assassinatos de mulheres, ao invés de tratá-los como mero crime passional, elevando-o a uma categoria jurídica, ainda é uma agenda pendente, para a qual a tipificação é um passo decisivo, e que pode fazer com que ocorram mudanças estruturais na nossa sociedade permitindo uma reforma geral de toda a legislação e das políticas públicas que, seja expressa ou tacitamente, contenham preceitos discriminatórios.

Por tudo isso, a tipificação do feminicídio inaugura um novo momento, em que as formas de combate à violência contra a mulher, longe de ser uma questão resolvida, deve cada vez mais ser discutida. Essencial para que essa discussão se dê, porém, é justamente a inclusão do termo feminicídio no léxico do direito, que, como vimos, é talvez a principal contribuição do novo sistema. Assim, não deve o justificado entusiasmo diante dessa conquista obstar-nos de imediatamente submetê-la à crítica, o que em muito sentido se faz necessário.
Ademais, ainda que todo texto esteja, pela natureza da linguagem, sujeito a indeterminações que possibilitem diferentes interpretações, certas ambiguidades poderiam ter sido evitadas pelo legislador. Ao referir-se à violência doméstica, por exemplo, o texto legal parece dar margem à interpretação segundo a qual uma irmã que matasse outra irmã, por razões de ser ela mulher, cometeria feminicídio. Uma correta interpretação desse texto, contudo, deveria levar em conta que, sendo a finalidade da lei um crime relacionado ao machismo e a opressão patriarcal sobre as mulheres, ao que ele se refere deve ser, necessariamente, à violência praticada por homens. Uma maior conscientização dos operadores do direito sobre a natureza da violência de gênero deveria, assim, favorecer uma interpretação correta do dispositivo.
Postas essas necessárias críticas, até para que possam semear uma proveitosa discussão daqui em diante, cumpre ressaltar que as consequências da tipificação do feminicídio são, ao fim e ao cabo, muito positivas. É lamentável, é claro, que tais debates, que poderiam ter se dado antes da tipificação e, assim, resultado em uma legislação aperfeiçoada, só venham a dar-se retrospectivamente. Isso é, porém, consequência da já repetidamente ressaltada importância das palavras na construção da realidade social. Apenas agora que contamos, institucionalmente, com o termo “feminicídio”, é que essas e outras discussões virão gradualmente à luz. Essa, por si só, é razão suficiente para que festejemos como conquista a tipificação do feminicídio.