Ministro, algumas questões bem pontuais. Uma diz respeito totalmente Judiciário. O Congresso aprovou o aumento vemos uma greve afetando tribunais superiores, como Supremo e STJ, por conta de funcionários cruzando os braços. Como fica essa questão em meio à restrição fiscal gigantesca? O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, já falou que não tem como dar um reajuste tão alto para o Judiciário. É pão pão, queijo, queijo, ou tem alguma margem para negociar?
Veja, o governo tem um dever e responsabilidade com a sociedade brasileira em relação ao nosso orçamento a nossa economia. Evidentemente, a decisão final compete à presidente da República, que ainda não a tomou. Mas, claro, se os números demonstrarem a quase impossibilidade de que esse aumento, da forma como foi aprovado, seja dado sem comprometimento das finanças públicas, evidentemente que a presidente da República decidirá contrariamente a ele. O que não afasta a possibilidade de se encontrar uma política salarial, não só para o servidor do Judiciário, mas também para todos os servidores da administração pública federal. Ou seja, o governo tem que buscar o que ele pode fazer dentro do quadro financeiro e orçamentário existente. Tenho a certeza que a presidente adotará a melhor solução possível para os servidores, sem comprometer efetivamente o equilibrio das nossas conta.
O Supremo vai decidir se detentos merecem indenização por estarem submetidos a condições degradantes. Cabe ao Estado indenizar preso que é submetido a tratamento desumano?
Veja, a Constituição é muito clara no artigo 37 parágrafo 6º, quando diz que sempre que o Estado causar dano a alguém, deve indenizar. E aí a Constituição adota a teoria objetiva em relação à observação de um nexo de causalidade entre fato e dano. É verdade que, quando se fala da falta de serviço ou da omissão de serviço, boa parte da jurisprudência exige a demonstração da culpa por parte do Estado. Ou seja, materializada nos conceitos de negligência, imprudência ou imperícia. Tudo isso tem que ser analisado no caso concreto. Se efetivamente nós temos o artigo 37 parágrafo 6º da Constituição Federal, existe a demonstração da responsabilidade do Estado, deve haver o dever de indenizar. Se não existe, isso não se imporá. Isso implica uma análise caso a caso.
O que eu posso dizer, todavia, é que, tirando algumas exceções, o sistema prisional brasileiro chega a ser catastrófico. É caracterizado por verdadeiras escolas de criminalidade, de centros violadores de direitos humanos, que não só não recuperam o detento para uma reinserção social, como também agravam a possibilidade de ele entrar como um pequeno delinquente e sair como um membro de uma organização criminosa. Isso tudo tem que ser considerado.
Por mais que se construam unidades prisionais, temos que ter clareza que em dados momentos isso pode ser absolutamente impossível de ser resolvido com essas medidas. Só pensar que o nosso déficit prisional é de mais de 200 mil vagas, que hoje estão cumprindo penas em situação de superlotação de presídios; temos mais de 400 mil mandados de prisão em aberto. Falamos de mais de 600 mil vagas em aberto, é como se tivéssemos que fazer um outro sistema prisional igual ao atual para resolver o problema que hoje existe.
Então, quais são os caminhos? Primeiro, não agravar o problema. É como se diz, muito ajuda quem não prejudica. E o que significa não agravar o problema? Siginifica não aprovar a redução da maioridade penal. Que caso seja adotada implica um acréscimo no sistema de aproximadamente 50 mil vagas/ ano. Ou seja, o governo federal lançou em 2011 um programa de apoio aos Estados para a construção de sistemas prisionais. É o maior programa da nossa história. É a construção de 40 mil vagas ao custo de R$ 1,1 bilhão para a construção.
Não cobriria nem um ano desse acréscimo…
… e com um dado: a construção demora quatro anos. Vou lançar as primeiras unidades inauguradas nesse programa agora no final e 2015, já que ele foi lançado no final de 2011. Ou seja, um ano come tudo aquilo que nós investimos num programa recorde por quatro anos. Então, a primeira questão é não agravar mais o problema. Se for aprovada a redução da maioridade penal, nós teremos em curto espaço de tempo uma situação desastrosa no sistema prisional.
Ponto dois: há que se refletir muito sobre a maneira como as sanções penais são aplicadas no Brasil. O presidente Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, menciona muito uma expressão que é a “cultura do encarceramento” que, na verdade, parece sugerir que a única forma penal eficaz de combater o crime e a impunidade é a sanção restritiva de liberdade. O que é incorreto, absolutamente incorreto. Nós temos outras formas mais eficazes do que o próprio aprisionamento para cumprimento das sanções penais sem que se gere os efeitos colaterais do que isso realmente ocorre com a privação da liberdade. Quem tem que ter a situação privativa de liberdade? aquela pessoa que efetivamente precisa disto do ponto de vista da proteção social, do ponto de vista da eficácia plena do sistema.
Pessoas que praticam delitos menores, pessoas que não oferecem risco à sociedade devem ter outras sanções que evitam o encarceramento, mas que sirvam também como forma de punição e de recuperação das pessoas. Isso é uma tônica mundial. O mundo hoje tem visto que os países que tem grande população carcerária tem buscado ao máximo diminuir as taxas de encarceramento, buscando outras formas mais eficazes de sanção sem os efeitos que o encarceramento traz para a sociedade. Cito como exemplo o seguinte: o Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária. Primeiro é os Estados Unidos, o segundo a China, o terceiro a Rússia e o quarto o Brasil. Todos esses países tiveram uma redução de sua população carcerária nos últimos anos. Estados Unidos quase 10%, a Rússia chegando, se não me falha a memória, a 25%. O Brasil, enquanto o mundo reduz a população carcerária, faz crescer. Tivemos 33% de elevação neste último período, em relação à população carcerária anterior.
A ilusão de que se reduz a violência quando se encarcera, quando é exatamente o oposto. Muitas vezes, quando você encarcera sem critérios, sem soluções adequadas do ponto de vista penal, você aumenta a inserção de organizações criminosas que atuam dentro das unidades prisionais e gera, portanto, mais violência. Portanto, não é só necessário construir mais unidades prisionais, mas seguir outros caminhos penais para que possamos ter sanções penais eficientes para aqueles casos em que o encarceramento não seja preciso.
Ministro, nesse tema especifico, o senhor citou a maioridade penal que está sendo discutida agora na Câmara e precisa ser votada em segundo turno. O Ministério da Justiça sempre teve uma atuação muito presente através da Secretaria Assuntos Legislativos e que conseguiu ao longo da vida uma trajetória muito exitosa aprovando uma série de reformas. Esse é um momento diferente. Como lidar com esse descontrole nas votações da Câmara?
A alternativa que nós temos enquanto governo é buscar subsidiar melhor possível os deputados para que tenham uma tomada de decisão madura e equilibrada, buscando a melhor alternativa legislativa existente. No caso da maioridade penal, já passamos para o Congresso Nacional tudo aquilo que nos cabia passar e ainda buscaremos passar mais informações. Nós passamos estudos ou informamos a existência de estudos que mostram que os países que tratam os jovens como adultos têm uma criminalidade maior.
A redução da maioridade penal implica a elevação da violência e não a redução. Todos os estudos internacionais mostram isso e não há nenhum estudo que mostra o oposto. Em segundo lugar, fica absolutamente claro ainda que no sistema prisional brasileiro, reduzir a maioridade penal significa fortalecer as organizações criminosas que em larga medida comandam a violência que está fora dos presídios e dentro deles. Estaremos trazendo jovens para sairem membros de crime organizado quando muitas vezes podem entrar tendo praticado um crime isolado ou um delito que pode até ser de potencial não tão ofensivo, em tese.
Finalmente, é aquilo que falava há pouco: o sistema brasileiro não comportará, sem gravíssimas consequências, essa situação. Fora isso, os efeitos-reflexo que temos num plano penal e em outras leis, a serem gerados pela redução da maioridade penal. Então, tudo isso nós temos colocado ao Congresso e esse é o nosso papel. Agora, o Congresso Nacional é soberano para decidir.
Aumentar as penas do ECA é uma solução ou também parte do problema?
Parece que é uma solução. Defendemos a proposta que foi aprovada no Senado, inclusive, na origem de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que propõe uma elevação do período de aplicação da pena sócio educativa para menores que pratiquem delitos hediondos e se são praticados com violência ou grave ameaça.
Achamos que é correto, mas também achamos que é correto que ao se adotar essa medida, se invista mais nesses estabelecimentos sócio-educativos, para que possamos ter uma maior recuperação desses jovens, ao invés de pura e simplesmente tratar essas unidades prisionais como se fossem pequenos presídios, pequenas reproduções dos presídios existentes. Achamos que esse é um bom caminho, o governo aprovou essa proposta. Inclusive o relatório que foi aprovado foi do senador José Pimentel, líder do governo no Senado.
Mencionamos a Secretaria de Assuntos Legislativos e no final do ano passado, o JOTA publicou um texto em que o presidente Lewandowski propõe uma reforma da Lei Orgânica da Magistratura. Além de mudanças importantíssimas para a atuação dos juízes, o texto introduz uma série de regalias e benefícios para os magistrados. Como senhor vê essa mudança na Loman, é hora de mudá-la? Novas benesses devem ser aprovadas?
A atual Lei Orgânica da Magistratura já está descompassada com o texto constitucional já há alguns anos. Portanto, acho indispensável que tenhamos uma nova Lei Orgânica da Magistratura. Em relação ao texto, ele ainda não foi encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal e e acho que seria, da minha parte, me imiscuir em assuntos internos e atinentes ao campo interna corporis do Judiciário. Vamos aguardar o encaminhamento do projeto de lei ao Congresso Nacional e ai evidentemente o governo estudará e se manifestará a respeito. Até porque, cabe à Presidência da República fazer os vetos e as sanções de uma lei.
Temos lido nos jornais que o senhor está cansado e com vontade de deixar o governo depois de se tornar o ministro que ficou mais tempo no cargo no período democrático. Faz sentido isso?
Digo para você o seguinte: o cargo do Ministério da Justiça é um cargo difícil de ser exercido. Costumo até brincar e dizer o seguinte: mais difícil que o cargo de ministro da Justiça na República, parece que é a presidência da Funai. Como a Funai está no Ministério da Justiça, então tem efeitos colaterais para nós aqui. (risos). É um cargo muito difícil que desgasta naturalmente por todas suas atribuições e é isso que explica historicamente você ter muitas trocas de ministros da Justiça ao longo do tempo.
Estou aqui há quatro anos e seis meses. Bati o recorde no período de democracia. Então, é natural que tenha desgaste no exercício da minha função. Agora, o que digo é que permaneço no governo enquanto, claro, a presidente Dilma quiser que eu permaneça e enquanto eu achar que contribuo para o projeto que é representado pela presidente Dilma Rousseff, no qual eu acredito. Um dia que uma das duas coisas ocorrer, ou seja, que ela não quiser que eu permaneça ou eu achar que não contribuo mais com o projeto, eu saio e, de onde estiver, como cidadão, estarei defendendo esse governo e este projeto que acredito, foram eleitos pelo povo, justamente porque representam o que há de melhor no que pode ser feito para nosso país.
A crise é passageira, então?
Não há crise que não seja passageira.