A realização de acordos em processos de persecução a infrações é um fenômeno recente no país e ganhou notoriedade nos últimos anos especialmente com o caso da Operação Lava Jato. Entretanto, tal operação – ao passo que revelou a expansão das possibilidades de consenso no direito brasileiro, bem como a sua importância no combate a ilícitos de notória gravidade – demonstrou também uma série de problemas de coordenação e sobreposição entre as diversas autoridades e regimes de responsabilização existentes no país.
Como visto na Parte 1, o arcabouço jurídico dos Acordos de Leniência no Brasil é complexo. Ao lado da exitosa experiência do CADE na celebração desses acordos – firmada no início dos anos 2000 e desenvolvida ao longo dos anos –, tem-se as dificuldades observadas com a LAC. A lei, ao inaugurar uma nova forma de punição de pessoas jurídicas por atos de corrupção e possibilitar a formalização de acordos de leniência, acabou por gerar terreno propício à disputa entre as autoridades responsáveis pelo microssistema anticorrupção, no qual cada uma, baseada em argumentações mais ou menos elásticas da LAC e de outras normas do ordenamento jurídico brasileiro, busca conferir uma interpretação sobre a competência para a negociação e assinatura desses acordos, bem como sobre seus efeitos.
Essa realidade, conforme pode ser comprovado na Parte 2, possui efeitos ambíguos sobre o desenvolvimento de uma política atrativa e segura de acordos de leniência, o que demanda uma resposta por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário. A perspectiva proposta neste artigo de integração constitucional busca, em cada um dos pontos aqui discutidos, solver os circuitos de sobreposições, redundâncias e conflitos entre esses atores estatais, cujos atritos ressignificam e até mesmo subvertem as disciplinas legais abstratamente concebidas.
O episódio 56 do podcast Sem Precedentes discute a CPi da Covid-19 e o choque do Supremo Tribunal Federal com o presidente Jair Bolsonaro. Ouça:
Referências bibliográficas
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[3] Tal influência traduziu-se por meio da incorporação ao sistema jurídico interno de tratados multilaterais como a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, firmada no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE (internalizada pelo Decreto 3.678/2000); a Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos (OEA), Decreto 4.410/2002; a Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004); e a chamada Convenção de Mérida (Decreto 5.687/2006). Sobre o assunto, cf. RODRIGUES, Diogo Alencar de Azevedo. Os limites formais para a celebração do acordo de leniência (Lei 12.846/13) em face das garantias do particular. Dissertação deMestrado. Programa de Pós-graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas.2016, p. 51–53.
[4] A esse respeito, Machado e Paschoal observam, a partir de uma análise histórica do processo de criação e transformação das instituições de enfrentamento da corrupção no Brasil, que atualmente “existem dezenas de órgãos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário de todos os níveis federativos que, baseados em diferentes quadros normativos, desempenham as funções de monitorar, investigar, responsabilizar e sancionar — de modo concomitante ou sucessivo — pessoas físicas e, em alguns casos, jurídicas por atos de corrupção, em suas mais variadas formas. De fato, o modo como a legislação anticorrupção brasileira está construída torna praticamente impossível prever qual seria o percurso de um potencial ato de corrupção pelas instituições que atuam em procedimentos administrativos, civis e criminais”. (MACHADO, Maíra Rocha; PASCHOAL, Bruno. Monitorar, investigar, responsabilizar e sancionar: a multiplicidade institucional em casos de corrupção. Novos Estudos, v. 104, p. 11–36, 2016, p. 13).
[5] Nesse sentido, cf. RIBEIRO, Douglas Costa; CORDEIRO, Néfi; GUIMARÃES, Denis Alves. Interface between the Brazilian antitrust, anti-corruption, and criminal organization laws: the leniency agreements. Law and Business Review of the Americas, v. 22, p. 195–244, 2016; MONEBHURRUN, Nitish. Fighting Corruption and Promoting Competition in Brazil. in: CARVALHO, V. M. (editors) RAGAZZO, C. E. J. e SILVEIRA, P. B., International Cooperation and Competition Enforcement: Brazilian and European Experiences from the Enforcers’ Perspective. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer Law & Business, 2014 e MARRARA, Thiago. Acordos de Leniência no Processo Administrativo Brasileiro: Modalidades, Regime Jurídico e Problemas Emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, p. 509, 2015 .
[6] Por todos, cf. CARSON, Lindsey D.; PRADO, Mariana Mota. Using institutional multiplicity to address corruption as a collective action problem: Lessons from the Brazilian case. Quarterly Review of Economics and Finance, v. 62, p. 56–65, 2016, p. 59.
[7] Na história brasileira recente, são bastante escassas as experiências institucionais em que empresas investigadas buscaram simultaneamente diversas autoridades administrativas para a colaboração. Uma das raras situações em que isso se verificou foi justamente nas investigações de práticas de corrupção no âmbito da construção da usina termoelétrica de Angra III, que estão relacionadas ao Mandado de Segurança 36.526, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Contudo, mesmo nesse caso, embora as empresas investigadas tenham formalizado acordos autônomos com o CADE, com a CGU/AGU e o MPF, apenas uma delas, a Andrade Gutierrez, logrou assumir o compromisso de colaboração com todos esses órgãos. Além da Andrade Guiterrez, no Brasil, apenas as empresas SBM Offshore e o grupo de comunicação Interpublic (que engloba as agências MullenLowe Brasil e FCB Brasil) lograram celebrar acordos de leniência com todas as instituições envolvidas na apuração dos ilícitos da Operação Lava Jato.
[8] Nesse sentido, cf. a notável contribuição de PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção São Paulo: Blucher, 2020.
[9] Ressalta-se que a atuação dessas duas entidades no microssistema anticorrupção tem sido apontada como problemática por diversos estudos especializados. Nesse sentido, cf. LIMA, Erik Noleta Kirk Palma. Política de Leniência e a Segurança Jurídica Conferida pela Advocacia-Geral da União. Publicações da Escola da AGU, v. 10, n. 3, p. 63–84, 2018 (“nos últimos anos é possível perceber que o MPF tomou para si o protagonismo de encetar os acordos de leniência em âmbito federal, o que não conta com amparo legal”); RIBEIRO, Julia Lavigne. O acordo de leniência da lei anticorrupção e a descoordenação institucional. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV), v. 8, n. 5, p. 55, 2019, p. 70–74. (“a segunda circunstância identificada que contribuiu para a descoordenação institucional ora examinada foi a utilização do acordo de leniência pelo Ministério Público Federal quando a Lei Anticorrupção expressamente determina que a atribuição para tanto é da Controladoria- Geral da União (…) e o último fator identificado que contribuiu sobremaneira para a descoordenação institucional verificada foi a atuação do Tribunal de Contas da União”) e ainda CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 256–257 (“tanto o TCU quanto o MPF já se manifestaram no sentido de que o acordo de leniência celebrado pela CGU deveria contar com a participação, nas negociações, de representantes de cada um desses órgãos”).
[10] Sobre a diferenciação entre acordos administrativos em substitutivos e integrativos, cf. PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual: estudo dos acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010, p. 190–200. Diogo Moreira Neto e Rafael Véras Freitas, por exemplo, consideram os acordos de leniência da LAC como acordos administrativos substitutivos, acentuando que, por meio do acordo, a Administração Pública flexibilizaria sua conduta imperativa (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas. Revista Fórum de Direito Administrativo, v. 14, n. 156, 2013, p. 18). Já Thiago Marrara considera os acordos de leniência como exemplos de acordos administrativos integrativos, destacando que a finalidade do acordo é facilitar a instrução de um processo sancionador permanece mesmo após a assinatura do acordo. (MARRARA, Thiago. Acordos De Leniência No Processo Administrativo Brasileiro: Modalidades, Regime Jurídico e Problemas Emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, p. 509, 2015, p. 513).
[11] Como destaca Giancarlo Spagnolo, diferente de outros acordos que o poder público realiza na seara punitiva, os acordos de leniência são ex ante, no sentido de que são direcionados para infratores ainda não identificados, justamente para gerar a eles o incentivo de colaborar com as autoridades. Nas palavras do autor, naquilo que entendemos aplicável às diversas formas de leniência: “the feature that makes the leniency programs in antitrust somewhat special, apart from the new field of law enforcement they are directed to, is their being ex ante, general, and public” (SPAGNOLO, Giancarlo. Leniency and Whistleblowers in Antitrust. In: BUCCIROSSI, Paolo (Ed.). Handbook of Antitrust Economics. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2008, v. 46, p. 262).
[12] Para uma análise da perspectiva histórica, cf. PINHO, Clóvis Alberto Bertolini de. Corrupção e Administração Pública no Brasil: Combate Administrativo e a Lei 12.846/2013. São Paulo: Editora Almedina, 2020, p. 144–175.
[13] Vide item 2.1.1 do presente artigo.
[14] Além desses, seria possível apontar uma quinta modalidade de acordo de leniência: o chamado acordo de não persecução cível, recentemente introduzido pela Lei 13.964/2019 – o chamado Pacote Anticrime. Salienta-se ainda que, embora esses acordos possam eventualmente abranger fatos suscetíveis de repressão na esfera criminal, os acordos de leniência não se confundem com as modalidades de consenso disponíveis na esfera penal, como a figura do chamado acordo de colaboração premiada, disciplinado na Lei 12.850/2013.
[15] O primeiro candidato à leniência antitruste no Brasil apresentou-se à extinta Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) – cujas funções eram semelhantes às atualmente exercidas pela Superintendência-Geral do Cade – em 2003, após a realização de duas operações de busca e apreensão naquele ano, momento no qual a Secretaria já havia obtido reputação positiva perante a comunidade empresarial quanto à sua habilidade de expor e apurar práticas anticompetitivas (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE, 2016, p. 15–16).
[16] Cf. art. 35-B da então vigente Lei 8.884/1994.
[17] CARVALHO, Vinícius Marques de; RAGAZZO, Carlos Emmanuel Jopert (eds.). Defesa da Concorrência no Brasil: 50 anos. Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 2013, p. 51.
[18] RUFINO, Victor. Elementos indispensáveis às leniências: o exemplo do CADE. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 47–48.
[19] BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel, p. 133, 2016, p. 11–12.
[20] Como destacado no Guia de Leniência do CADE: “Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a participação do Ministério Público para a celebração de acordo de leniência antitruste, a experiência consolidada do CADE é no sentido de viabilizar a participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de cartéis internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do acordo de leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais envolvidos”. (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE, 2016, p. 19).
[21] Apesar da previsão contida no art. 86 da Lei 12.529/2011, a doutrina aponta que não há clareza sobre qual seria a extensão dessa imunidade criminal gerada pelo Acordo de Leniência Antitruste. A principal dúvida que surge é se a imunidade criminal abrangeria apenas o crime de cartel ou outros crimes eventualmente relacionados, como delitos de corrupção e de fraude à licitação. Sobre esse ponto, cf. SILVEIRA, Paulo Burnier da; FERNANDES, Victor Oliveira. The “Car Wash Operation” in Brazil: Challenges and Perspectives in the Fight Against Bid Rigging. in: SILVEIRA, Paulo Burnier e KOVACIC, William Evan. Global Competition Enforcement, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International B.V., 2019, p. 131.
[22] MONEBHURRUN, Nitish. Fighting Corruption and Promoting Competition in Brazil. in : International Cooperation and Competition Enforcement: Brazilian and European Experiences from the Enforcers Perspective . CARVALHO, V. M. (editors) RAGAZZO, C. E. J. e SILVEIRA, P. B. , Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer Law & Business, 2014, p. 84.
[23] O art. 19 da lei descreve a forma como é operacionalizada a responsabilidade judicial, bem como as sanções dela decorrentes. É válida a transcrição do dispositivo: “Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. § 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.
[24] Art. 7º, § 4º, da Portaria Conjunta 4/2019.
[25] Art. 2º “O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº12.846, de 1º de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, na Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração. (…) Art. 12. A celebração do acordo de leniência poderá: I – isentar a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 da Lei nº 12.846, de 2013; II – reduzir em até dois terços, nos termos do acordo, o valor da multa aplicável, prevista no inciso I do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013; e III – isentar ou atenuar, nos termos do acordo, as sanções administrativas ou cíveis aplicáveis ao caso. Parágrafo único: Os benefícios e obrigações do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas”.
[26] A extensão desses benefícios sem base legal explícita é criticada em MARRARA, Thiago. Acordo de leniência na Lei Anticorrupção: pontos de estrangulamento da segurança jurídica. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 6, n. 2, p. 95–113, 2019, p. 111.
[27] Como bem destacado pela professora Amanda Athayde em obra dedicada ao tema: “para além dos benefícios administrativos, a entrada da AGU na negociação dos Acordos de Leniência Anticorrupção trouxe mais benefícios aos signatários. Consiste no benefício do afastamento ou da mitigação da pena que seria aplicável nos termos da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção. (…) A participação da AGU nas negociações do Acordo de Leniência Anticorrupção visa, portanto a garantir a possibilidade de concessão de benefícios administrativos relacionados principalmente à reparação de danos e à multa de que trata a Lei de Improbidade Administrativa, trazendo segurança aos seus signatários”. (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 294.).
[28] Essa discussão será aprofundada no item 2.1.2 deste artigo.
[29] Os cartéis em licitação são atos de corrupção especialmente pelos seus efeitos danosos, tanto na esfera privada, quanto na esfera pública. Como bem destacado pelas autoras Paula Farani de Azevedo Silveira e Paula de Andrade Baqueiro: “a corrupção nas seleções públicas vai além da mera transferência de recursos entre agentes privados e públicos, uma vez que, do ponto de vista da concorrência, esses atos fundamentalmente minam a competitividade e facilitam colusões”. (tradução livre) (SILVEIRA, Paula Farani de Azevedo e BAQUEIRO, Paula de Andrade. Can Competition Authorities Address Corruption in Public Procurement? The Brazilian Experience in Car Wash Cases. Concurrences Review, 2020, p. 4)
[30] Por todos, cf. RICHARD, Michelle. Brazil’s Landmark Anti-Corruption Law. Law and Business Review of the Americas, v. 20, n. 1, p. 141–148, 2014 e PRADO, Mariana Mota; CARSON, Lindsey D. Brazilian Anti-Corruption Legislation and Its Enforcement: Potential Lessons for Institutional Design. IRIBA Working Paper, p. 1–40, 2014.
[31] CARSON, Lindsey D.; PRADO, Mariana Mota. Using institutional multiplicity to address corruption as a collective action problem: Lessons from the Brazilian case. Quarterly Review of Economics and Finance, v. 62, p. 56–65, 2016, p. 59.
[32] Em outra importante publicação sobre o tema, as mesmas autoras sustentam que uma das possíveis razões da pouca responsabilização dos agentes da corrupção no Brasil ao longo das últimas décadas seria a monopolização do poder punitivo pelo Judiciário. Desse modo, a multiplicação das esferas administrativas de punição seria uma tendência promissora. Nesse sentido, cf. PRADO, Mariana Mota; CARSON, Lindsey D.; CORREA, Izabela. The Brazilian Clean Company Act: Using Institutional Multiplicity for Effective Punishment. Osgoode Legal Studies Research Paper No. 48, v. 12, n. 3, p. 57, 2015.
[33] A doutrina aponta que uma das principais fragilidades do sistema residiria no fato de que a celebração do acordo anticorrupção não garante imunidade criminal às pessoas naturais envolvidas. Sobre isso, cf. RIBEIRO, Douglas Costa; CORDEIRO, Néfi; GUIMARÃES, Denis Alves. Interface between the Brazilian antitrust, anti-corruption, and criminal organization laws: the leniency agreements. Law and Business Review of the Americas, v. 22, p. 195–244, 2016, p. 242 (“the main point of contention between the Antitrust and the Anti-Corruption Laws is the lack of criminal immunity for individuals by an anti- corruption leniency agreement”) e em SILVEIRA, Paulo Burnier da; FERNANDES, Victor Oliveira. The “Car Wash Operation” in Brazil: Challenges and Perspectives in the Fight Against Bid Rigging. in: SILVEIRA, Paulo Burnier e KOVACIC, William Evan. Global Competition Enforcement, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International B.V., 2019, p. 131 (“the main weakness of multiple leniency system in Brazil seems to derive from the fact that lenient applicants in competition law and anti-corruption spheres are applicable only to firms and no to individuals”).
[34] Em aprofundado estudo sobre o cenário de multiplicidade dos regimes de leniência no Brasil, Raquel Pimenta conclui que essa multiplicidade, embora pudesse gerar resultados positivos, “facilitou interferências entre os atores. Sob a avaliação de insuficiência de uma das funções dos acordos de leniência, uma autoridade buscou alterar o alcance ou o conteúdo do instrumento celebrado com outra e, até mesmo, em sua versão mais extrema miná-lo ou inviabilizá-lo”. Os episódios narrados pela autora (como a atuação do TCU no caso de Angra III) corroboram o diagnóstico de que “houve sinalização ambígua quanto à solidez do sistema, o que importa em um instrumento que depende de negociação, estabilidade e confiança entre as partes” (PIMENTA, Raquel de Mattos. A construção dos acordos de leniência da lei anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 182). Ainda no mesmo sentido, Rafaela Canetti salienta que “os desentendimentos ocorridos entre as autoridades não necessariamente denotam uma tentativa racional de diminuir a utilidade dessa ferramenta, ou de deslegitimá-la. Cada um dos entes pode, simplesmente, estar colocando à frente dos demais interesses em jogo a sua própria competência, por entenderem-na insuficientemente tutelada (ou mesmo preterida), ou em razão de alguma sorte de ‘visão de túnel’ quanto a ela” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 256–257).
[35] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico n. 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017.
[36] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017.
[37]BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, item 7.3.
[38] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5a Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, item 7.5.
[39] Como mais uma vez destacado por Raquel Pimenta: “a interpretação dada pelo Ministério Público Federal, naquele momento, foi audaciosa. Considerou que a Lei Anticorrupção continha dispositivos que teriam aplicação temporal diferida: as sanções não poderiam retroagir porque agrava- riam a situação do réu, mas os acordos de leniência, quando celebrados, levariam ao abrandamento das penalidades do conjunto de subsistemas de responsabilização da pessoa jurídica e, por essa razão, poderiam ser utilizados em prol do réu. Embora estivessem tratando de leis de caráter administrativo e cível, esse raciocínio sobre retroatividade se baseou, em alguma medida, na lógica do direito penal e a retroatividade de condições mais benéficas ao réu” (PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 93–97, p. 95).
[40] O Estudo Técnico 01/2017 da 5ª CCR/MPF dispõe que: “o Ministério Público detém legitimidade para celebrar o acordo de leniência, nos mesmos moldes que a lei autoriza a autoridade administrativa a fazer. E assim deve ser porque ao órgão ministerial foi, inclusive, conferida a atuação subsidiária pela própria LAC – como guardião e garante -, quando verificada a omissão da autoridade administrativa, como deflui dos termos do artigo 20 da LAC. A legitimidade do Ministério Público decorre ainda de sua posição institucional de independência, em relação às autoridades administrativas, livre de qualquer intervenção hierárquica sobre sua atuação finalística, o que decorre de seu perfil constitucional autônomo, fundado nas prerrogativas que asseguram a seus Membros independência funcional, inamovibilidade e vitaliciedade” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo Técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 75).
[41] Como observa Amanda Athayde “apesar de não haver qualquer dispositivo legal que exija a participação do Ministério Público nos Acordos de Leniência Anticorrupção, dado que estes possuem efeitos tão somente administrativos, o Estudo Técnico nº 01/2017 da 5ª CCR argumenta que as condutas apuradas na Lei Anticorrupção podem configurar ilícitos penais. (…) Assim, a indissolúvel associação da Lei Anticorrupção e a responsabilidade penal tornaria insustentável que o Ministério Público e o Poder Judiciário fossem postos à margem das fases de detecção e seleção de casos atribuídos e submetidos a seu exercício funcional típico” (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 258–261).
[42] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 02/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão Sobre o Acordo de Cooperação Técnica assinado pela AGU, CGU, TCU e MJ, em 6.8.2020, com participação do STF, em relação aos Acordos de Leniência, da Lei 12.846, de 2013, p. 1–47, 2020, p. 45.
[43] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo Técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 78.
[44] Salienta-se que, a despeito dessa previsão, a doutrina já há muito aponta superação dessa vedação a partir de transformações do Direito Penal e Processual Civil que ampliaram os espaços de consensualidade. Para uma profunda construção doutrinária explicando essas transformações, cf. TAVARES, João Paulo Lordelo Guimarães. A Aplicação do Instituto da Colaboração Premiada nas Ações de Improbidade Administrativa. Revista de Processo da Revista dos Tribunais, v. 248, n. 9, p. 371–396, 2018 (sustentando que “tal dispositivo já não tem mais aplicação nos tempos atuais, em razão das intensas transformações ocorridas no campo da convencionalidade, nos últimos anos, podendo ser considerado implicitamente revogado”).
[45] Esse ponto é destacado em CAMPELO, Sofia Cavalvanti. Acordo em Ação de Improbidade Administrativa: Desafios Atuais e Perspectivas para o Futuro. Revista dos Tribunais, v. 1011, n. 1, p. 23–50, 2020, p. 29–30.
[46] Transcreve-se a ementa do acórdão: “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI ANTICORRUPÇÃO. MICROSSISTEMA. ACORDO DE LENIÊNCIA. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DETERMINADA. (…) Não há antinomia ab-rogante entre os artigos 1º e 2º da Lei nº 8.249/1992 e o artigo 1º da Lei nº 12.846/2013, pois, naquela, justamente o legislador pátrio objetivou responsabilizar subjetivamente o agente ímprobo, e nesta, o mens legislatoris foi a responsabilização objetiva da pessoa jurídica envolvida nos atos de corrupção. 6. No entanto, há que se buscar, pela interpretação sistemática dos diplomas legais no microssistema em que inserido, como demonstrado, além de unicidade e coerência, atualidade, ou seja, adequação interpretativa à dinâmica própria do direito, à luz de sua própria evolução. 7. Por isso, na hipótese de o Poder Público não dispor de elementos que permitam comprovar a responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção, o interesse público conduzirá à negociação de acordo de leniência objetivando obter informações sobre a autoria e a materialidade dos atos investigados, permitindo que o Estado prossiga exercendo legitimamente sua pretensão punitiva. 8. Nem seria coerente que o mesmo sistema jurídico admita, de um lado, a transação na LAC e a impeça, de outro, na LIA, até porque atos de corrupção são, em regra, mais gravosos que determinados atos de improbidade administrativa, como por exemplo, aqueles que atentem contra princípios, sem lesão ao erário ou enriquecimento ilícito. (…)10. A autoridade competente para firmar o acordo de leniência, no âmbito do Poder Executivo Federal é a Controladoria Geral da União (CGU). 11. Não há impedimentos para que haja a participação de outros órgãos da administração pública federal no acordo de leniência como a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União, havendo, portanto, a necessidade de uma atuação harmônica e cooperativa desses referidos entes públicos. 12. O acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht no âmbito administrativo necessita ser re-ratificado pelo ente competente, com participação dos demais entes, levando-se em conta o ressarcimento ao erário e a multa, sob pena de não ensejar efeitos jurídicos válidos. 13. Enquanto não houver a re-ratificação do acordo de leniência, a empresa deverá permanecer na ação de improbidade, persistindo o interesse no bloqueio dos bens, não porque o MP não pode transacionar sobre as penas, mas porque o referido acordo possui vícios que precisam ser sanados para que resulte íntegra sua validade, gerando os efeitos previstos naquele ato negocial. 14. Provido o agravo de instrumento para determinar a indisponibilidade de bens das empresas pertencentes ao Grupo Odebrecht” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento 5023972-66.2017.4.04.0000. Terceira Turma, Relatora Desembargadora Vânia Hack de Almeida, DJe 24.8.2017).
[47]BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento 5023972-66.2017.4.04.0000. Voto-Vogal do Desembargador Rogério Favreto.
[48] Os esforços do MPF para a celebração desses “acordos-espelho” são bastante relevantes para o aprimoramento da cooperação institucional entre as diversas autoridades do microssistema anticorrupção. Infelizmente, porém, são bastante raros os casos em que as empresas lograram celebrar acordos de leniência conjuntamente com o MPF e a CGU/AGU.
[49] RUFINO, Victor. Elementos indispensáveis às leniências: o exemplo do CADE. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 52.
[50] A esse respeito, relatando a experiência antitruste norte-americana, Scott D. Hammond explica que a diminuição do espaço de discricionariedade na atuação punitiva da autoridade é medida necessária para a implementação dos programas de leniência. Assim, afirma o autor que: “in order for a Leniency Program to work, an antitrust authority must do more than just publicize its policies and educate the public. It has to be willing to make the ultimate sacrifice for transparency—the abdication of prosecutorial discretion. (…) If a company cannot accurately predict how it will be treated as a result of its corporate confession, the Division’s experience suggests that it is far less likely to report its wrongdoing, especially where there is no ongoing government investigation. Uncertainty in the qualification process will kill an amnesty program” (HAMMOND, SD. Cornerstones of an effective leniency program. ICN Workshop on Leniency Programs, Sydney, 2004, p. 12).
[51] LIMA, Erik Noleta Kirk Palma. Política de Leniência e a Segurança Jurídica Conferida pela Advocacia-Geral da União. Publicações da Escola da AGU, v. 10, n. 3, p. 63–84, 2018, p. 71.
[52] Ressalta-se, a esse respeito, previsão constante de nota técnica da 5ª CCR/MPF: “no âmbito do MPF houve a busca incessante de superar um incontestável desincentivo aos Acordos de Leniência, que estava na ausência de extensão dos benefícios dos acordos às pessoas físicas, coautoras de atos ilícitos, mas que também se dispõe a colaborar na esfera civil” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ªCâmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 11).
[53] O item 7.2 da Orientação 7/2017 prevê, no item relativo às partes do acordo: “se for o caso, previsão da possibilidade de adesão ao acordo, durante prazo específico, por parte de empresas do grupo, diretores, empregados e prepostos da empresa envolvidos nas práticas objeto do acordo de leniência, mediante assinatura dos respectivos termos e posterior aceitação pelo membro oficiante” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017).
[54] Essa ampliação para as repercussões criminais é descrita por Amanda Athayde como o preenchimento de uma “zona cinzenta” entre o acordo de leniência do MP e o acordo de colaboração premiada. (ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 339). Como destacado pela 5ª CCR: “o MPF tem adotado a técnica de celebração de Acordos de Leniência, com pessoas jurídicas colaboradoras e pessoas físicas a elas relacionadas, atribuindo repercussões sancionatórias cíveis e criminais. Esta prática, sob o ponto de vista criminal, é um enorme desafio institucional. O novo regramento das colaborações premiadas encontra-se assim estabelecido na Lei nº 12.850/2013 (com as alterações da Lei nº 13.964/2019), em seus artigos 3º-A ao artigo 7º. Este regramento de Direito Penal e Direito Processual Penal deverá ser observado, relativamente às Adesões de pessoas físicas, quando celebradas no contexto de Acordos de Leniência, caso sejam negociadas com efeitos jurídicos criminais, e, por conseguinte, extravasando os efeitos do domínio da improbidade administrativa” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 41–42).
[55] Cláusula 8ª, alínea d, do Termo de Leniência. Homologado em 1º.12.2014. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=27126671645314&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=29&k2=&ck=anVlBPRFUkX-JfhHblNz3ppHjtc&rt=IR.
[56] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 20.
[57] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 23.
[58] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 11–12.
[59] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica 1/2020 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Termos de Adesões ou Subscrições de pessoas físicas em Acordos de Leniência, celebrados pelo MPF, nos termos da Lei 12.846 e da Lei 8.429, no domínio da improbidade administrativa, p. 1–56, 2020, p. 23.
[60] Cláusula 8ª, § 1º e 2º, do Termo de Leniência. Homologado em 30.6.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=39&k2=&ck=qb8lM1wLH8iVtOS0JL8q-21Nse0&rt=IR.
[61] Cláusula 4ª, § 1º a 4º, do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2019/04/Termo-de-Acordo-Braskem.pdf.
[62] Cláusula 3ª do Termo de Leniência. Homologado em 30.6.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=39&k2=&ck=qb8lM1wLH8iVtOS0JL8q-21Nse0&rt=IR.
[63] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.
[64] Essa expressão consta das cláusulas referenciadas nas três notas de rodapé anteriores.
[65] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.
[66] Cláusula 4ª do Termo de Leniência. Homologado em 15.12.2016. Disponível em: http://apps.mpf.mp.br/apex/apex_util.get_blob?s=13183982187426&a=131&c=10985183900844818&p=8&k1=41&k2=&ck=MR5J-xxjmE8995p1ohR9SDIXBWs&rt=IR.
[67] A esse respeito, observa Rafaela Canetti que: “a celebração de acordos com o Ministério Público, nessas circunstâncias, não apresenta o mesmo nível de proteção conferido com a intervenção do Parquet no programa de leniência concorrencial. É que, enquanto nessa segunda hipótese os efeitos penais, administrativos e patrimoniais da colaboração encontram-se expressamente previstos na legislação que trata do programa de leniência, no primeiro caso eventual extensão das isenções e mitigações para além daquelas elencadas na Lei Anticorrupção (abarcado a seara criminal e a seara cível, por exemplo não passarão de criação administrativa ou infralegal, que certamente não oferece o mesmo nível de proteção” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro.Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 289–290).
[68] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 4.130 QO, Relator DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23.9.2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-020 DIVULG 2.2.2016 PUBLIC 3.2.2016.
[69] Salienta-se a título de ilustração que, em 2017, o Ministério Público de São Paulo rejeitou a adesão ao acordo de leniência firmado pelo MPF com a Odebrecht, o qual envolvia ilícitos relacionados a obras feitas pela empresa para o Metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e Departamento de Estradas de Rodagem (Dersa). Diante dessa recusa, a empresa colaboradora buscou novo acordo com o Parquet na esfera estadual. (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 289).
[70] Dentre as obrigações mínimas da colaboradora, a Orientação prescreve o “pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido”. (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação 07/2017 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão – Combate a corrupção – Acordos de Leniência, 2017, p. 4).
[71] ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 351.
[72] BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 75.
[73] Referido acordo havia sido celebrado pelos membros do MPF no Paraná em complementação a dois outros acordos firmados pela Petrobras nos Estados Unidos com o Department of Justice (DoJ) e com a Securities and Exchange Commision (SEC).
[74] Transcreve-se trecho da decisão: “em conclusão, nos termos do artigo 166 do Código Civil, é NULO O NEGÓCIO JURÍDICO celebrado por Procuradores da República no Paraná (Força-Tarefa Lava-Jato) com a Petrobras – denominado “Acordo de Assunção de Compromissos” – e, consequentemente, nula sua homologação pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, pois: (1) foi realizado por partes absolutamente ilegítimas e homologado por juízo incompetente, com exclusão da participação da União e da Chefia Institucional e Administrativa do Ministério Público Federal; (2) apresenta objeto ilícito, ou seja, a transformação de verba destinada ao Brasil – e, consequentemente, a ser integrada ao Tesouro Nacional como receita pública – em dinheiro privado, para gerir Fundação de direito privado;(3) contém motivo determinante ilícito, pretendendo fraudar lei imperativa – tentativa de financiar determinadas atividades gerenciadas por alguns membros do Ministério Público com verbas extraorçamentárias, em total desacordo com a Constituição Federal e a LDO; (4) está em flagrante desrespeito aos preceitos fundamentais da separação de poderes, às garantias institucionais do Ministério Público e às normas constitucionais e legais de Direito Orçamentário e Financeiro” (ADPF 568, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17.9.2019, DJe 19.9.2019).
[75] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941.
[76] CONSULTOR JURÍDICO. Alexandre de Moraes pede explicações sobre acordo de leniência da Odebrecht. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-04/alexandre-moraes-explicacoes-leniencia-odebrecht e CONSULTOR JURÍDICO. Alexandre de Moraes pede que PGR também explique leniência da Odebrecht. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-05/alexandre-moraes-pgr-explique-leniencia-odebrecht .
[77] PIMENTA, Raquel de Mattos. A Construção dos Acordos de Leniência da Lei Anticorrupção. São Paulo: Blucher, 2020, p. 26–27 e RIBEIRO, Julia Lavigne. O acordo de leniência da lei anticorrupção e a descoordenação institucional. Dissertação de Mestrado. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 2019, p. 46–51.
[78] ALBUQUERQUE, Marcio André Santos de. O papel do Tribunal de Contas da União nos Acordos de Leniência Firmados sob a Égide da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dissertação de Mestrado. Escola de Administração do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), p. 91, 2017, p. 63–65.
[79] Nessa linha, como bem destacado por Maíra Rocha Machado, referindo-se aos acordos de leniência anticorrupção: “conceber a independência como indiferença funciona como um bloqueio à reflexão jurídica sobre como diferentes programas jurídicos sancionatórios devem interagir e se relacionar quando incidentes sobre um mesmo fato.” (MACHADO, Maíra Rocha. Independência como indiferença : ne bis in idem e múltipla incidência sancionatória em casos de corrupção. Direito, Estado e Sociedade, v. 55, p. 257–295, 2019, p. 286).
[80] Destaca-se o teor da IN: “considerando que, por não afastar a reparação de dano ao erário, nos termos do art. 16, § 3º, da Lei 12.846/2013, a celebração de acordos de leniência por órgãos e entidades da administração pública federal é ato administrativo sujeito à jurisdição do Tribunal de Contas da União quanto a sua legalidade, legitimidade e economicidade, nos termos do art. 70 da Constituição Federal”.
[81] Art. 16, § 14. “O acordo de leniência depois de assinado será encaminhado ao respectivo Tribunal de Contas, que poderá, nos termos do inciso II do art. 71 da Constituição Federal, instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo ao erário, quando entender que o valor constante do acordo não atende o disposto no § 3º” (NR).
[82] Como relatado por Rafaela Canetti “em sessão sigilosa, o TCU teria determinado à CGU a alteração de termos de acordos de leniência então em negociação com empreiteiras. Conforme relatado, o TCU teria entendido pela existência de inconsistências entre as minutas e os requisitos legais para a celebração desses acordos, como o fato de as pessoas jurídicas terem sido procuradas pela CGU (e não o contrário), a limitação do tempo de cooperação ao prazo de dois anos e a ausência de verificação do critério de primazia” (CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos do instituto e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 266).
[83] Conforme amplamente noticiado pela imprensa: https://www.poder360.com.br/governo/tcu-questiona-agu-e-controladoria-geral-por-possiveis-irregularidades/ e https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/tcu-notifica-grace-mendonca-e-wagner-rosario-por-leniencia-da-odebrecht/. Destaca-se que, em agosto de 2020, referidos processos foram arquivados por ocasião da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre as instituições. Cf. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/05/tcu-arquiva-processo-que-acusava-ministro-da-cgu-de-atrapalhar-fiscalizacao-do-acordo-de-leniencia-da-odebrecht.ghtml.
[84] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 3.4031-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22.2.2016, DJe 26.2.2016.
[85] A esse respeito, vide Projeto de Decreto Legislativo 5, de 2015 (Apensado ao PDC 25, de 2015), de autoria do Deputado Raul Jungmann, o qual visava sustar os efeitos da Instrução Normativa 74, de 11 de fevereiro de 2015, do Tribunal de Contas da União, com fundamento no art.49, inciso V, da CF.
[86] Art. 2º da Instrução Normativa 83, de 12 de dezembro de 2018, do TCU.
[87] Nesse sentido, cf. GABRIEL, Yasser. Novo regulamento do TCU sobre acordos de leniência: algo mudou? Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/novo-regulamento-do-tcu-sobre-acordos-de-leniencia-algo-mudou-01052019.
[88] BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebram a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, 2020.
[89] “Segunda ação operacional: visando a incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência nos termos da Lei no 12,846, de 2013, bem como, quando algum ilícito revelado na negociação envolver fatos sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União, lhe encaminharão informações necessárias e suficientes para a estimação dos danos decorrentes de tais fatos, observados os seguintes parâmetros: (1) a CGU, a AGU e o TCU buscarão parametrizar metodologia específica para apuração de eventual dano a ser endereçado em negociação para acordo de leniência; (2) concluindo a CGU/AGU que o acordo está em condições de ser assinado e ainda não havendo manifestação do TCU, este será comunicado para que se manifeste em até 90 (noventa) dias acerca da possibilidade de não instaurar ou extinguir procedimentos administrativos de sua competência para cobrança de dano em face de colaboradora, por considerar que os valores negociados atendem aos critérios de quitação de ressarcimento do dano”.
[90] “Segunda ação operacional: (…) (3) Havendo manifestação do Tribunal de Contas da União no sentido de considerar que os valores negociados no acordo satisfazem aos critérios estabelecidos para a quitação do dano por ele estimado, o tribunal dará quitação condicionada ao pleno cumprimento do acordo. (4) havendo manifestação do TCU no sentido de considerar que os valores negociados no acordo não satisfazem aos critérios estabelecidos para a quitação do dano por ele estimado, a CGU e a AGU buscarão realizar negociação complementar para eventual ajuste dos valores a título de ressarcimento de danos, não estando impedidas de formalizar o acordo de leniência, sem a quitação no ponto, caso não seja possível alcançar consenso nesta negociação complementar; (5) não recebida a manifestação do TCU dentro do prazo indicado, a CGU e a AGU poderão assinar o acordo nos termos negociados com a empresa leniente, não havendo, nessa hipótese, quitação do ressarcimento do dano”.
[91] “Quarta ação operacional: Quarta ação operacional: após a celebração do acordo de leniência, a
Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União compartilharão com as demais SIGNATÁRIAS DO ACT a integralidade das informações, documentos e demais elementos de prova fornecidos pela empresa colaboradora, sempre mediante o compromisso de não utilização, direta ou indiretamente, dessas informações para sancionamento da empresa colaboradora, e de não aplicação de sanção de inidoneidade, suspensão ou proibição para contratar com a Administração Pública, para os ilícitos já resolvidos no escopo do acordo de leniência, observando, ao menos, os seguintes parâmetros: (…)”.
[92] É oportuno destacar que, nesse parecer, a Seinfra Operações admitiu que a impetrante teria, inclusive, reconhecido dano já quantificado, o que reforçaria a conveniência da colaboração. Transcreve-se trecho do opinativo: “(…) Por fim, por considerar que a empresa apresentou expressamente qual seria o valor do dano, indicando os meios pelos quais pretende demonstrá-lo, e quais as benesses almejadas, entende-se que é o caso de conceder o termo de marker à proponente, de forma a marcar o seu posicionamento em uma fila de possíveis cooperadores (…) a não caracterização de postura de defesa diz respeito a confissão de um dano já quantificado e/ou uma fraude (…) deve-se considerar a primazia quanto ao dano do caso concreto, questão que, até o momento, não foi aventada por outras consorciadas.”
[93] BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Processo 016.991/2015-0. Acórdão 580/2019, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em 22.5.2019.
[94] BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Processo 016.991/2015-0. Acórdão 580/2019, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em 22.5.2019.
[95] Destaca-se o seguinte trecho do voto: “De fato, tramita no Tribunal processo com o objetivo de estudar as possibilidades jurídicas e as premissas de possível colaboração de responsáveis com o controle externo. No entanto, enquanto não houver decisão deste Tribunal a respeito da viabilidade e condições de cooperação, não há amparo legal e parâmetros devidamente estabelecidos para andamento de processos que tratem do referido procedimento em casos concretos. Como deixei assente no acórdão embargado, as únicas exceções foram os processos motivados por requerimento do Ministério Público Federal”.
[96] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 36.526, Rel. Min. Gilmar Mendes, voto-relator disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/stf-analisa-inidoneidade-empresas-declarada-leniencia.
[97] A esse respeito, cf. Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. VOLUNTARIEDADE. INDISPENSABILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO JUDICIALMENTE EXIGÍVEL. RECURSO DESPROVIDO. (…). 3. A realização de tratativas dirigidas a avaliar a conveniência do Ministério Público quanto à celebração do acordo de colaboração premiada não resulta na necessária obrigatoriedade de efetiva formação de ajuste processual. 4. A negativa de celebração de acordo de colaboração premiada, quando explicitada pelo Procurador-Geral da República em feito de competência originária desta Suprema Corte, não se subordina a escrutínio no âmbito das respectivas Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público. 5. Nada obstante a ausência de demonstração de direito líquido e certo à imposição de celebração de acordo de colaboração premiada, assegura-se ao impetrante, por óbvio, insurgência na seara processual própria, inclusive quanto à eventual possibilidade de concessão de sanção premial em sede sentenciante, independentemente de anuência do Ministério Público. Isso porque a colaboração premiada configura realidade jurídica, em si, mais ampla do que o acordo de colaboração premiada. 6. Agravo regimental desprovido”. (MS 35.693 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 28.5.2019, DJe 24.7.2020).
[98] Art. 7º “Compete à comissão responsável pela condução da negociação do acordo de leniência: (…) V – propor cláusulas e obrigações para o acordo de leniência que, diante das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias para assegurar: (…) e) a identificação dos agentes públicos e demais particulares envolvidos nos atos ilícitos e VI – negociar os valores a serem ressarcidos, preservando-se a obrigação da pessoa jurídica de reparar integralmente o dano causado”.
[99] Vide item 7.5 da Orientação 07/2017: “- OBRIGAÇÕES DA COLABORADORA (mínimas): (…) pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido (v. item 10)”.
[100] Como destacado por Maíra Rocha Machado, a tese da independência das esferas desdobra-se em três conteúdos principais, quais sejam a independência (i) como possibilidade de cumulação de sanções; (ii) como possibilidade de um programa sancionatório não ser influenciado por outro em uma eventual decisão de absolvição ou de condenação; e ainda (iii) como possibilidade de um programa não aguardar a decisão de outro. Convém destacar que a tese da independência das esferas tem sido amplamente aceita na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no que se refere à possibilidade de execução conjunta de acórdão condenatório do Tribunal de Contas, título executivo extrajudicial, e a sentença condenatória em ação civil pública de improbidade administrativa. (Por todos, cf. REsp 1.454.036/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 9.10.2018, DJe 24.10.2018; STJ, REsp 1.633.901/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 20.6.2017; AgInt no REsp 1.381.907/AM, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 22.3.2017).
[101] Como esclarecido por Francisco Sérgio Maia Alves, diante do suposto caráter indisponível dos créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não, “todos os valores devolvidos em função dos acordos de leniência e de colaboração premiada a título de ressarcimento ao erário, servem apenas como adiantamento dos prejuízos causados às entidades lesadas, uma vez que o Ministério Público não tem competência legal para dar quitação aos colaboradores em nome da administração pública” (ALVES, Francisco Sérgio Maia. Repercussão dos acordos de leniência e de colaboração premiada celebrados pelo Ministério Público Federal sobre as competências do Tribunal de Contas da União. Revista de Direito Administrativo, v. 277, n. 3, p. 71, 2018, p. 81).
[102] O Estudo Técnico 01/2017 da 5ª CCR esclarece que a celebração do acordo de leniência “não exime a pessoa jurídica colaboradora nem os demais responsáveis solidários do dever de reparar integralmente o dano causado a todos os lesados, tampouco tem que disto necessariamente cuidar, quer parcial, quer integralmente, embora esta obrigação legal e o modo de seu cumprimento possam já ser considerados na negociação e vir a constar do acordo firmado entre as partes”. Quanto à possibilidade de “antecipar” o valor incontroverso, o Estudo aduz que: “segundo o texto da própria LAC, o dano deve ser apurado em procedimento administrativo específico. Não obstante, inclusive como demonstração de boa-fé das partes, o valor incontroverso inicial da lesão pode ser adiantado pela empresa colaboradora e outros agentes responsáveis, sem que isto implique quitação integral, eis que não se pode dispensar aquilo cujo alcance completo eventualmente ainda seja desconhecido, talvez até pelo próprio infrator” (BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo técnico 01/2017 – Estudo sobre inovações da Lei 12.846 e o papel do Ministério Público nos acordos, p. 1–131, 2017, p. 102).
[103] BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebram a Controladoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Tribunal de Contas da União em matéria de combate à corrupção no Brasil, 2020, décimo quinto princípio.
[104] ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2019, p. 57–60.
[105] Em 18.12.2018, a Andrade Gutierrez Engenharia celebrou acordo de leniência com a CGU e AGU (eDOC 100). Assim, logrou celebrar acordos nas três esferas administrativas e judiciais aplicáveis, considerando o acordo de leniência firmado com o MPF e o termo de compromisso de cessação celebrado com o CADE. Em 10.7.2017, a UTC Engenharia celebrou com a CGU e a AGU acordo de leniência sobre os mesmos fatos apurados na TC 016.991/2015-0. Ressalta-se que, embora a formalização desse acordo tenha ocorrido em momento posterior à prolação do Acórdão TCU 483/2017, as tratativas entre a impetrante e a CGU/AGU se iniciaram ainda em 2016 e tal fato foi levado a conhecimento do próprio TCU.
[106] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto-Conjunto nos Mandados de Segurança 35.435, 36.173, 36.496 e 36.526, Rel. Min. Gilmar Mendes, voto-relator disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/stf-analisa-inidoneidade-empresas-declarada-leniencia. Ressalta-se que o julgamento dos MS ainda está em andamento na Segunda Turma do STF.
[107] “Art. 2º O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei nº12.846, de 1º de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, na Lei nº 8.666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração.”
[108] É válido lembrar que, para alcançar a reparação do dano ao erário, além de declarar a inidoneidade, o TCU pode, de acordo com a Lei 8.443/1992, decretar a indisponibilidade de bens (art. 44, § 2º), aplicar multa (arts. 57 e 58), bem como conceder eficácia de título executivo às suas decisões que resulte em imputação de débito ou cominação de multa (art. 24).