Pedro Gordilho

“Quimper, jolie ville, vingt mille âmes. Les maisons, dans la verdure, dans la verdure ont l’air de cabochons sur des plis de soie verte. Irrités de la douceur familière du ciel humide, les mâts de la cathédrale piquent l’azur et l’électricité que choquent les poutres et les servantes de l’hôtel très quinzième siècle”.
Max Jacob
É indispensável uma imaginativa e saudável prospecção no remoto passado para apreender-se toda aquela beleza e chegar a uma inesquecível história de amor. Os celtas denominaram a Bretanha de Armórica – a terra do mar –, vasta extensão onde fervilham lendas que beiram o fantástico e onde também se ressaltam descrições delirantes de cidades submersas, megalitos pré-históricos e histórias do período medieval que se confundem com o moderno de nossos dias. Em Quimper e no Pays Bigouden costumes tradicionais, crèpes e sidra, vistosos costumes tradicionais e a música celta ainda são parte viva do estilo bretão de viver.
Quimper é a antiga capital da Cornualha e no coração da cidade onde nasceu o poeta e pintor Max Jacob brilham as flechas da belíssima catedral Saint-Corentin. Iniciada em 1240 a catedral é a primeira construção assinalada em estilo gótico da baixa Bretanha e possui uma forma incomum, com o coro em ângulo com a nave, que se explica como necessária para adaptar a construção a precedentes edificações já desaparecidas. Entre as magníficas torres da fachada está a majestosa estátua eqüestre do rei Gradlon, o mítico fundador da cidade submersa de Ys. Registra o imaginário bretão que depois da catástrofe o rei escolheu Quimper como sua nova capital e São Corentino como o seu guia espiritual.
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Um pouco ao norte está a bela cidade de Douarnenez. Em conformidade com a lenda uniformemente acolhida pelos pósteros, foi na Bahia de Douarnenez que surgiu e se fundou a cidade de Ys, a Atlântida Bretã. E perto da cidade está a pequena ilha Tristão, conhecida pela trágica história de amor de Tristão e Isolda. Tristão, menino órfão e raptado por piratas, é recapturado e educado pelo seu tio Marcos, o rei da Cornualha. Uma vida cheia de aventuras e em certo momento, a pedido do tio, dirige-se para a Irlanda, onde deve pedir para Marcos a mão de Isolda, a pequena deusa loura. Consegue conduzi-la para junto do rei mas, por um erro fatal, bebe com Isolda uma poção mágica que tem a propriedade de provocar um amor irresistível e eterno. Desde então, juntamente com Isolda, Tristão é dominado por esse amor e ambos enganam o rei Marcos, sempre venerado. São surpreendidos, depois perdoados, quando juram respeitar a fé conjugal, mas são mais uma vez vítimas de sua imensa paixão e refugiam-se na floresta de Morois, onde passam a viver uma vida selvagem e feliz. Esta é uma das mais belas epopeias que jamais se conheceram e tem origem em país céltico, precisamente na Cornualha, numa época antiga e bárbara, mas recebeu uma releitura flamejante por parte do compositor Richard Wagner.
Na releitura do grande compositor alemão, diferentemente da lenda aberta, existe a morte na epopeia céltica. Isolda ama Tristão que, não obstante, venerando o seu tio não se interessa pelo amor que lhe é oferecido. Então Isolda ordena a sua aia que lhe procure uma taça do veneno mortal, apresentada a Tristão, que bebe, o mesmo fazendo Isolda, mas a aia, por erro, lançou na taça, em vez de veneno, uma poção de amor, e os dois jovens caem um no braço do outro. O amor surge irresistível. O traidor Melot, escudeiro do rei, previne-o e os amantes são surpreendidos. Tristão é ferido mortalmente pelo escudeiro do rei e está agonizante no seu castelo, quando seu fiel escudeiro decide chamar Isolda para vê-lo em seu leito de morte. Tristão expira no momento em que sua amante se apresenta junto dele e Isolda cai inanimada sobre o seu corpo. A música de Wagner oferece páginas em que a paixão, a ternura e a dor são expressas de uma maneira patética e absolutamente lancinante. Ressaltem-se o prelúdio, o dueto do segundo ato e a morte de Isolda.
A ilha está lá, apresentando suas costas rochosas e falésias.
Uma cidade para descobrir e se deslumbrar é Locronan, com o conjunto de arquitetura civil mais interessante da Cornualha. A praça central é concebida com um conjunto único de casas de pedra talhadas dos séculos XVI e XVII, época de ouro graças a industria têxtil. Contíguas e intercomunicando-se a igreja de São Ronan e a capela de Penity, dos séculos XV e XVI. No seu interior existe uma impressionante imagem do Cristo esperando o suplicio, um trabalho monumental em madeira do final da Idade Média. A cada seis anos tem lugar em Locronan uma romaria única em sua espécie, a Grande Troménie, que significa a volta às terras do mosteiro. É uma procissão de doze ou treze quilômetros que faz o percurso que teria sido cumprido pelo santo cada semana. As cerimônias começam com a saudação dos estandartes no primeiro domingo de julho pela manhã. À tarde, a procissão continua aos sons dos tambores. É um festival de bandeiras que registra de forma indelével a beleza da fé praticada e exercitada pelos peregrinos.
Concarneau está na costa, portanto em Armórica, região do mar. Tem como atração principal sua Ville Close (cidade rodeada de muralhas) dos séculos XIII e XIV, construída em uma ilha diante do porto. A Bretanha é uma terra adequada para novela policial e um dos primeiros a utilizar esse cenário foi Gorges Simenon em Le Chien Jaune, de 1931. O escritor belga de tanto sucesso viveu várias semanas em Concarneau para escrever sobre essa investigação do comissário Maigret. Alugou uma enorme mansão em Sables-Blancs e viveu ali com a sua esposa, sua secretária e seu cachorro, até concluir a envolvente novela policial.
Padroeiro e presidindo do alto as inquietações da comunidade bretã está Santo Ivo, o santo mais popular da Bretanha. Ele é o Redresseur des Torts et la Consolation des Pauvres. Filho de um gentil-homme, Ivo nasceu em 1253. Magistrado e advogado, ele adquiriu uma popularidade imensurável pelo seu espírito de justiça e de conciliação, pela rapidez dos seus julgamentos e pela concisão dos seus requerimentos. Padroeiro dos advogados e de todas as pessoas que se relacionam com a lei, seu culto se estende por toda a Europa, e, como sabemos, também na América. Isto explica à saciedade porque tantas delegações de advogados estrangeiros se somam à multidão de peregrinos que, na cidade natal de Santo Ivo, Treguier, assistem ao Pardon des Pauvres.
A cozinha bretã tem duas características – como a culinária bahiana tradicional – que deviam marcar as cozinhas de todo o mundo, a saber, a simplicidade e a qualidade de seus produtos. Primeiro os produtos do mar, o mar e suas delicias. Todos aqueles que gostam de comer bem devem cometer a doce violência de efetuar uma peregrinação à mesa bretã, seja do restaurante estrelado, seja de um simples troquet. Quando o produto é de qualidade, a gastronomia não está longe. Na costa as ostras são consumidas nos meses com r e têm como imperativo absoluto seu frescor, daí porque as ostras podem ser degustadas, mesmo não estando geladas, sem risco. A tout seigneur tout honneur!. A crepe de trigo ou de sarrasin traz prazer a todo gourmand. Na manteiga, com açúcar, com queijo, com ovos, com presunto, ela se acompanha de cidre. Mas é necessário fazer a distinção: a galette de sarrasin, come-se salgada, já a crèpe de trigo, com açúcar. A bebida nacional ou, melhor dito, a bebida regional, é a cidre. As melhores são aquelas produzidas em Fouesnant, que está entre Quimper e Benodet. Encontra-se também o Chouchen, uma espetacular aguardente de mel. O único vinho bretão produzido mais ao sul é o Muscadet, que contempla appellation d’ origine côntrolée (aoc) a partir de 1936. É um vinho seco e frutado, particularmente recomendado para a degustação de peixes e frutos do mar. Licor de morango, aperitivo à base de laranja e até mesmo o whisky bretão(!) surpreendem e dão prazer.
No restaurante L’Ambroisie uma surpresa, o aperitivo pommeau du kinkiz, um coquetel de suco de maçã com aguardente igualmente de maça, o espetacular Calvados. A fidelidade do restaurante aos seus clientes e aos fornecedores é tal que o cardápio abre contemplando os nomes dos fornecedores de legumes, peixes, foie gras, flores, chocolate, manteiga. Recomendação, que se faz com saudade, da excelência da mesa.
Mas foi no restaurante Jardin de L’Odet, situado na margem direita do rio Odet, que a presença do Brasil se fez com toda sua exuberância e beleza. Salão de tons ocre, decorado por pinturas modernas e aberto com largueza sobre um agradável jardim de inverno. O serviço, entretanto, não parecia profissional. A linda garçonete morena, torcendo as mãos e preocupada em atender com atenção, sem a bagagem que caracteriza o serviço nas regiões que tanto prestigiam a mesa, ressaltava uma peculiaridade que não conseguíamos desvelar. Numa terceira ou quarta vinda à nossa mesa ela perguntou, em francês bretão: – “Vocês têm um acento diferente, e eu acredito que seja acento brasileiro. É verdade?”. A pergunta surpreendia: como alguém iria, naquele ponto tão distante do nosso mundo, distinguir a prosódia brasileira, a ponto de precisar, na pergunta, a suspeita?
Confirmamos e a bela jovem informou ser filha de um brasileiro que mora hoje em Angra dos Reis, proprietário de um táxi-boat, vivendo ela com sua mãe bretã e se iniciando, para ajudar os estudos, na atividade de garçonete de restaurante. E a maior surpresa estava ainda para vir. Seu nome: Maira, nome indígena, nome brasileiro, nome do belo romance de Darcy Ribeiro que – tudo faz crêr – o seu pai conhecia, pretendendo registrar em sua filha um nome nativo de seu país. Ficou consignado o envio de um exemplar do romance em língua francesa para a bela bretã, prometido pela saudosa Vera Brant.

<h3>Referências bibliográficas</h3>
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Bretagne, Le Guide Vert, Michelin 
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Bretagne Magazine, Août /Sept./ Oct. 2004, n. 26
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França, Guia Visual Folha de São Paulo
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<li>
France, Guide Rouge 2004
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<li>
La France à votre table, Routes gastronomiques des régions françaises
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<li>
Bretagne, Michel Renouard, Éditions Ouest – France
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<li>
Musée Départémental Breton, Programme 2004
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<li>
Qui (ne) connait (pas) Max Jacob, Université du 3ª Age et Pour Tous, Inst. Culturel de Bretagne, 1987.
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JOTA

Os celtas denominaram a Bretanha de Armórica – a terra do mar –, com lendas que beiram o fantástico

Uma rapsódia da Cornualha do sul: a Bretanha

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