Pedro Gordilho

Por volta do século XVIII, um francês chamado Boulanger estabeleceu em Paris, na rua Poulies 10, o primeiro restaurante. Lia-se a seguinte divisa em sua porta: “Venites omnes, qui stomacho laborotis, et ego restaurabo vos”, isto é, “venham todos que trabalham com o estômago, e os restaurarei.”
Foi um grande progresso. Antes que fossem criados os restaurantes, os que vinham de fora tinham de recorrer à cozinha dos albergues, ordinariamente precária. Existiam alguns hotéis com mesa para hóspedes, mas, com ínfimas exceções, não ofereciam senão o necessário. Podia-se ainda recorrer aos traiteur; mas estes só entregavam peças inteiras e quem quisesse se regalar com um amigo era obrigado a comprar um carneiro, um peru inteiro ou um grande pedaço de carne de boi. Aí surgiu um homem de talento o qual, julgando que se impunha uma nova criação, entendeu que se um freguês havia se apresentado para comer uma asa de galinha, outro não podia deixar de se apresentar para comer a coxa. A variedade dos pratos, a estabilidade dos preços e o cuidado dedicado ao serviço criaram o estilo, a preferência e permitiram a formação de uma clientela que exigia tais qualidades.
O avanço de costumes prossegue. Com a primeira volta dos Bourbon, em 1814, o restaurateur deu mais um passo. Beauvilliers apareceu em seus salões, vestido à francesa e espada na cinta. Ele abriu o primeiro restaurante autêntico de Paris em 1782, chamando-o de La Grande Tavernede Londres. Influenciado pela cultura inglesa, foi um sucesso, incensado pelo grande Brillat-Savarin, ao ressaltar: “Foi ele o primeiro a combinar quatro elementos essenciais: salão elegante, garçons safos, adega seleta e cozinha superior”.
O quadro não mudou muito daqueles tempos longevos para os dias que correm. O que mudou foi a sua substância. A culinária francesa continua a ter a sua marca de superioridade, que se reconhece pela excelência do “molho francês”. Alexandre Dumas (pai) anota que essa excelência provém de uma espécie de intuição da qual não se dirá que foram dotados todos os cozinheiros, mas sim as mulheres do povo. Elas criaram o estilo, forneceram as idéias, os modos na cozinha, mas foram os cozinheiros que, fora do ambiente doméstico, tornaram possível saboreá-la. Por isso já se tem dito que a culinária francesa não é uma culinária, mas sim um conjunto de culinárias, regionais na origem, e que nos limites se dissolvem uma na outra, e se reúnem todas elas em Paris (A. J. Liebling). Já se pensou até em persuadir a ONU a declarar a gastronomia francesa um patrimônio mundial. O chef Guy Savoy, condecorado com três estrelas, declarou certa vez: “Ela (a culinária francesa) é tudo!”. E acrescentou: “A França é o único país do mundo com tanta diversidade”. Ele até compilou uma lista de iguarias regionais as quais pensa que vão ser salvas, como a lingüiça andouille, o alho defumado de arlux e o doce mentolado de Cambrai, conhecido como Bêtise.
Mas como ela se apresenta hoje? O patrimônio cultural está vivo, mas os encarregados de colocá-lo em nossos pratos estão a bordo dos aviões. Alain Ducasse, onde está Alain Ducasse? Viajando em seus projetos. Ele está em todo o lugar e em nenhum lugar. É como se fosse um príncipe das sombras voando em seu tapete. De tempos em tempos ele aparece em Tóquio ou em Las Vegas. Outras vezes passa célere para acertar a lagosta da Tour Eiffel. Ele anda ligeiro demais e o mundo muito lentamente.
O mesmo acontece com as demais estrelas do Michelin, sempre fascinadas pelo marketing. Compromissos em outras cidades, em outros países. Como diz o crítico francês (do Jornal Le Fígaro) François Simon, não existe mais piloto no avião. Essa é a razão pela qual se reclama que o problema do chef ausente é a questão verdadeira da cozinha parisiense de hoje. Vrinat, Ducasse, Robuchon. Todos eles querem dar a ilusão à sua clientela de boa fé que estão presentes em suas cozinhas. Mas não estão. A cozinha, é preciso que se diga mil vezes, é uma arte viva, feita por chefs vivos e presentes. Alguns poderão dizer que isto representa o fim dos chefs, a atividade foi glamourizada, permitiu riquezas e fracassos (e, também, padecimentos e óbitos) e talvez seja necessário reconhecer que as grandes estrelas não souberam administrar um quadro que se mostrava brilhante. É preciso ressaltar que antes de serem chefs eles são – assim a clientela fiel espera reconhecer e usufruir –, na verdade, cozinheiros.
Então o que se vê é que a clientela, à medida que se defronta com essa ausência fraudulenta, vai se ausentando pouco a pouco dos grandes restaurantes. E o perigo maior é que estes sejam mantidos apenas pelos povos de paladar medíocre ou mal fortificado, mas que dispõem de duzentos ou trezentos euros para, felizes, pagar uma refeição.
Daí se dizer que o grande drama da cozinha francesa é Ferran Adrià, o Catalão. Alguns franceses mais humildes estão tomando a estrada para buscar o motivo real do grande sucesso do célebre restaurante El Bulli. E aí o que acontece? Alguns contrafatores franceses se põem a copiar os lances do gênio catalão.
A escrita do crítico Simon reconhece a verdade, não é nada disso que o inimigo concorrente declara. “O chato é que Ferran Adrià, diz, tornou-se a encarnação do gênio desde que ele apresentou ao mundo da cozinha uma variedade de maravilhosas surpresas, oscilando entre Einstein e Mary Poppins”.
Qual é, pois, a grande diferença? É que o chef catalão continuou lá, não está em Tóquio, não está em Las Vegas, nem em Dubai. Ele está na cozinha do seu Restaurante recriando, com originalidade e talento, aquilo que seu gênio concebeu.
Existe uma maneira de se concluir a busca atenta – sempre sujeita a riscos, por certo –, que é escolher os Restaurantes que têm os nomes de seus chefs, como, por exemplo Guy Savoy, Michel Troisgros, Michel Rostang, Hélène Darroze, todos oferecendo sua identidade pessoal quando batizam seus restaurantes com seus próprios nomes. As grandes casas, os palácios, aqueles tradicionais que continuam estrelados porque ninguém assume o gesto de bani-los do firmamento, eles pertencem, são orientados e integram grupos econômicos do luxo, são pessoas jurídicas dirigidas por pessoas jurídicas.
Certo, Ducasse vai na frente em direção ao que ele considera o futuro francês. Nos seus restaurantes, em Paris e Nova York, seu objetivo está em criar uma visão moderna da Grande Cuisine Française – uma cozinha rica, elaborada, deliciosa, tecnicamente complexa e muito cara. O problema é que ele nunca está em suas cozinhas. Está a bordo do seu jato percorrendo as muitas unidades que compõem o seu universo. E isso traz danos irreparáveis à excelência que ele propõe.
Como ressalta indignado o crítico François Simon, o prazer da mesa não se nutre de imagens, de representação, de ausência subliminar: levante a cabeça, no céu estão Alain Ducasse que parte para Dubaï, Pierre Gagnaire para Hong Kong, Joël Robuchon para Monte-Carlo... Não, a festa é em outro lugar, numa dimensão muito mais simples: o deslustrado prazer culinário nos restaurantes de luxo, o prazer da boa mesa nos bistrôs modernos, como procurei mostrar no meu Guia Pessoal.
Restaurantes
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<li style="font-weight: 400;">LEDOYEN</li>
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Carré des Champs – Elysées (8e.)
8 Avenue Dutuit
Tel. 0153051000
Poêlée de cochon de lait epicée
Vinho Blanc Savigny les Beaune “Les Vergelesses”
Domaine Jean Boillot 2001
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<li style="font-weight: 400;">ALAIN DUCASSE AU PLAZA ATHENÉE</li>
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25 Avenue Montaigne (8e.)
Tél. 015676500
Lièvre de Sologne rôti en civet
Vinho Rouge Maison Rouge Côte – Rôtie Domaine Georges Vernay 1999
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<li style="font-weight: 400;">APICIUS</li>
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20 rue d’Artois (8e.)
Tél. 0143801966
Civet de lièvre avec pâté de fois gras
Vinho St. Joseph Guigal Vignes de l’Hospice 2000
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<li style="font-weight: 400;">GUY SAVOY</li>
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18 rue Troyon (17e.)
Tél. 0143804061
Bar breton poché au court-buillon servi sur une purée d’oignons, acompagné de légumes racines.
Vinho Saint Joseph Serines 1999 F. Villard
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<li style="font-weight: 400;">LE VIOLON D’INGRES</li>
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135 rue St. Dominique (7e.)
Tél. 0145551505
Turbot du guilvinec
Vinho Gewurztraminer 2002
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<li style="font-weight: 400;">TOUR D’ARGENT</li>
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15 Quai de la Tournelle (5e.)
Tél. 0143542331
Caneton a l’orange cuisse parmentière aux épinard 
Vinho Savigny Les Beaune 1 er Cru Jarrons 1988.
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<li style="font-weight: 400;">LE CINQ</li>
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31 Avenue George V (8e.)
Tél. 0149527000
Coquilles St. Jacques poêlées aux lentilles vertes du Puy et à la truffe noire
Vinho Riesling Grand Cru Geisberg 2002 A. Kientzler
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<li style="font-weight: 400;">LE BRISTOL</li>
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112 rue du Fg St-Honoré (8e.)
Tél. 0153434300
Brandade de morue truffée 
Vinho Crozes Hermitage Les Marelles Gigondas 2003
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<li style="font-weight: 400;">RELAIS LOUIS XIII</li>
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8 rue des Grands-Augustins (6e.)
Tél. 0143267596
Canard sauvage comme une chartreuse, jus réduit
Vinho Volnay St. François Roblet Monnot 2004
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<li style="font-weight: 400;">ASTRANCE</li>
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4 rue Beethoven (16e.)
Tél. 0140508440
Gibier (poireau, olive et haricots noirs citron confit)
Vinho St. Joseph Les Reflets Domaine Villard 2003
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<li style="font-weight: 400;">LUCAS CARTON</li>
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9, pl. Madeleine
Tél. 0142652290
Bar de ligne au thym-citron
Vinho Crozes Hermitage Les Marelles Gigondas 2005
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<li style="font-weight: 400;">TAILLEVENT</li>
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15, R. Lamennais
Tél. 0144951501
Fricassé de ris et rognon de vea 
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<li style="font-weight: 400;">LASSERRE</li>
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17 Av. F. D. Roosevelt
Tél. 0143595343
Dos de bar de ligne clouté de citron confit, cuit em vapeur d’algues.
Vinho Cote de Beaune F. Vergelesses G. Muskovac 2005
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<li style="font-weight: 400;">MICHEL ROSTANG</li>
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20 r. Rennequin
Tél. 0147634077
Foie chaud de canard rôti au sésame grillé
Vinho Gevrey Chambertin Clos St.-Jacques Domaine Armand Rousseau
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<li style="font-weight: 400;">HÉLÈNE DARROZE</li>
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4 r. d’ Assas
Tél. 0142220011
Oeuf coque, asperges, mousserons, foie gras, mouillettes à la truffe (na primavera)
Vinho Chablis Blanchot Vieilles Vignes Domaine Billaud-Simon.
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JOTA

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Restaurantes: visitando a mesa parisiense

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