Daniela Mussolini Llorca Sanchez

Quando foi a última vez que você emitiu um cheque? Muitos dos leitores deste artigo nunca usaram uma folha de cheque e tantos outros nem sabem como se parece um talão de cheques. E quem já usou este meio de pagamento provavelmente tem o seu talão guardado em alguma gaveta, utilizado para pagamentos muito esporádicos, cada vez mais raros.
Uma importante mudança, iniciada no Brasil em 1999, implementada por lei em 2001 e efetivada em 2002 possibilitou o reposicionamento do cheque, de principal meio de pagamento, para uma forma de pagamento antiga. Sim, estou falando do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que implementou no Brasil a compensação multilateral, de forma que somente os valores líquidos de créditos e débitos passaram a chegar para as instituições participantes do sistema e, consequentemente, o gerenciamento de risco de uma instituição financeira em relação às outras se reduziu.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>E que o cheque tem com tudo isso? Bem, a mudança da forma de compensação das obrigações abriu espaço para novas formas de pagamentos: transferências bancárias –  termo que, atualmente, tem uma dimensão muito maior do que já se imaginou – transferência entre contas, entre bancos, até por meio de boletos, e de forma instantânea. A modernização da forma de compensação, somada ao avanço da tecnologia e da força que ganharam outras formas de pagamento, com destaque para os cartões de crédito, praticamente aposentaram o cheque.
No cenário global, foi em 1996 que a compensação multilateral foi mapeada pelo Bank for International Settlements (BIS) como um componente relevante para mitigação e gerenciamento de riscos. A crise dos subprimes, em 2008, trouxe à tona fragilidades de governança e controle de riscos então existentes. Assim, além do Acordo de Basiléia III, publicado em 2010, foram divulgados, em 2012, os Principles for Financial Market Infrastructures (PFMI).
A necessidade de maior monitoramento dos mercados foi um dos diagnósticos daquela crise. Nesse sentido, o PFMI aponta para a utilidade dos sistemas de registro das operações compensadas nos sistemas de pagamentos como forma de monitoramento. Em 2014, o Banco Central do Brasil adotou o PFMI como um parâmetro de supervisão das entidades que fazem parte da infraestrutura do mercado financeiro.
Com a adoção do PFMI pelo BCB, e assim como pela própria evolução dos agentes de mercado, o Sistema de Pagamentos Brasileiro passa a ser visto como um conjunto de infraestruturas que inclui não apenas as infraestruturas responsáveis por pagamento e liquidação, mas também as contrapartes centrais e os sistemas de registro e depósito de ativos financeiros. As infraestruturas do mercado financeiro, ou IMFs, são todas fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. Além disso, as IMFs reportam informes ao Banco Central, especialmente em relação às operações realizadas fora do padrão comum de negociação. O PFMI classifica as IMFs em: Sistemas de Pagamentos, Depositárias Centrais, Sistemas de Liquidação de Ativos, Contrapartes Centrais e Registradoras de Ativos:
Sistemas de Pagamentos: conjunto de procedimentos, instrumentos e regras para a transferência de fundos entre participantes do sistema. O operador do arranjo de pagamento desempenha sua função de acordo com as condições contratuais estabelecidas com os participantes. A forma de liquidação das obrigações pode variar (centralizada, descentralizada, bruta diferida ou em tempo real).
No Brasil, este papel é desempenhado pelo próprio BCB, por meio do STR e do PIX, pela B3, por meio da Câmara de Registro, Compensação e Liquidação de Operações de Câmbio) pelo Banco do Brasil, via Sistema COMPE, de cheques (olha ele aqui), pela Cielo e pela Redecard por meio do Sistema de Liquidação Financeira Multibandeiras e Sistema de Liquidação Doméstica, respectivamente, e pela CIP, por meio Sistema de Liquidação Diferida das Transferências Interbancárias de Ordens de Crédito (Siloc) e do Sistema de Transferência de Fundos (Sitraf).
Depositárias Centrais: tem a função de prover contas para ativos financeiros e valores mobiliários, serviços de guarda centralizada, e tratamento de eventos financeiros dos valores mobiliários ou dos ativos financeiros que guarda e respectiva liquidação. Por meio destas ações, a depositária central tem condições de assegurar a integridade dos valores mobiliários ou dos ativos financeiros que guarda. No Brasil, este papel é desempenhado pelo BCB, por meio do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) e pela B3, via Central Depositária da BM&amp;FBOVESPA.
Sistemas de Liquidação de Ativos: são sistemas encarregados de fazer a transferência de valores pela negociação de ativos financeiros e valores mobiliários, seguindo regras de atuação estabelecidas, como por exemplo, “delivery versus payment” (DvP), o que significa que a transferência somente será realizada após a confirmação de que houve o pagamento do ativo para o vendedor. No Brasil, desempenham esta função do próprio Banco Central, por meio do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), a B3 e pela CIP.
Contrapartes Centrais: tem a função de atuar diretamente na negociação dos ativos financeiros ou valores mobiliários negociados em determinados ambientes de negociação. A contraparte central atua como comprador para qualquer realização de venda e como vendedor para qualquer compra efetivada, assegurando a efetivação da operação. De imensa funcionalidade em operações multilaterais, ou seja, com diversas partes, atuando tanto como compradora ou como vendedora (como por exemplo, na negociação de ações listadas em bolsa), podendo exigir garantias para conter os riscos de liquidação. No Brasil, a B3 desempenha esta função.
Registradoras: são entidades que mantem base de dados centralizadas, eletrônicas, com registro de ativos e das transações realizadas (chamadas pelo BIS de “repositório de transações”). Por meio da centralização, guarda e distribuição destas informações, relacionadas a emissão, negociação dos títulos, pagamento ou constituição de garantia sobre eles, as registradoras funcionam como importante auxiliar de controle de risco e transparência sobre as transações realizadas, tanto para reguladores quanto para as partes interessadas.
O BIS identificou o surgimento e a importância das entidades registradoras durante a elaboração do PFMI. No Brasil, são instituições autorizadas a realizar registro de ativos financeiros ou valores mobiliários: B3, SERASA, CERC, CRDC, CSD, CRT4 e TAG.
<blockquote class="jota-article__eye">As IMFs têm, cada uma com seu papel, função de trazer segurança e transparência para as transações realizadas no mercado financeiro. Isso significa: realizar o pagamento a quem é devido, e quando for o caso, transferir o ativo ao seu titular.</blockquote>
Em última análise, colaboram com a estabilidade do sistema financeiro e, sem dúvida, um sistema de pagamentos robusto contribuir para o crescimento do mercado, seja pela segurança que oferece, ou ainda, pela possibilidade de diminuir a assimetria informacional e aumentar o interesse de novos participantes. A Lei 12.810/13, em sua redação atual, ao atribuir às entidades Registradoras e Depositárias o papel de constituir garantias sobre ativos financeiros traz todo o Sistema para um novo patamar, no qual o pagamento em si divide espaço com o uso dos ativos desde a sua gênese, em operações no mercado financeiro e de capitais, com especial destaque para os recebíveis futuros.
O Sistema de Pagamentos Brasileiro, 20 anos após a edição da Lei 10.214/01, evoluiu de maneira organizada e robusta. Todo crescimento tem suas dores, mas que nunca lhe tiram o valor. Está se preparando e atento para os desafios que se impõem, trazendo em sua trajetória muitas conquistas já alcançadas: a inclusão financeira, transparência de mercado, cada vez mais segurança na realização das transações, mitigação de riscos. Um mercado seguro é a base para o crescimento sustentável. Estamos prontos para o futuro.
Querido cheque, obrigada por tudo. Descanse em PIX.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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JOTA

Modernização da forma de compensação, com avanço da tecnologia, praticamente aposentou o cheque

O SPB e a evolução das infraestruturas do mercado financeiro

O sistema de pagamentos brasileiro: uma análise sobre a evolução das infraestruturas do mercado financeiro