Gabriel Cohen

Há um mês, completamos um ano do primeiro caso de coronavírus no Brasil. Neste período, a sociedade brasileira vivenciou obstáculos e adversidades até então inimagináveis em decorrência da maior crise sanitária mundial da nossa época, conforme apontado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) nos primórdios da pandemia.
Desde então, no plano da regulação financeira, observamos uma série de medidas em combate aos efeitos da referida crise que foram conduzidas, com afinco, pelo Banco Central do Brasil. Iniciativas que primaram pela liquidez e liberação de capital das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, com impacto potencial no mercado de mais de R$ 2,5 trilhões<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Ações eminentemente de curto prazo com vistas a, sobretudo, ampliar a oferta de empréstimos e financiamentos a consumidores e varejistas em um momento tão sensível do país.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
No que tange aos mecanismos estabelecidos em prol da liquidez, por exemplo, é possível mencionar (a) envolvendo o uso de recursos privados, a liberação de compulsórios mediante a redução da alíquota sobre depósitos a prazo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>; e (b) abrangendo recursos públicos,  a concessão de empréstimos pelo Banco Central a instituições financeiras com lastro em ativos financeiros e valores mobiliários de seus balanços, a partir da Linha Temporária Especial de Liquidez - Letras Financeiras Garantidas (LTEL-LFG)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> – operações emergenciais com garantia e com custo financeiro para os referidos agentes.
Quanto aos requerimentos de capital, dentre outras ações, o Conselho Monetário Nacional (CMN) (a) reduziu o percentual do Adicional de Conservação de Capital Principal (ACCP) das instituições financeiras bancárias, auxiliando-as a ampliar o fluxo da oferta de crédito<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>; e (b) para fins de apuração do Patrimônio de Referência, isentou-as de deduções do capital dos efeitos tributários das operações de hedge de moeda estrangeira para participação em investimentos no exterior – mecanismo tradicionalmente utilizado para proteção das variações cambiais<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Ainda, na esfera do auxílio emergencial disciplinado pela conta poupança social digital, nos termos da Lei nº 13.982/2020 (“coronavoucher”), e visando reduzir diretamente o custo do varejo para aceitação das transações realizadas com o referido benefício, o Banco Central limitou, dentre outras, a tarifa de intercâmbio devida ao emissor dos cartões disponibilizados aos beneficiários<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">No entanto, importante dizer que medidas de médio e longo prazo também ganharam – e muito – destaque ao longo da pandemia.</blockquote>
São aquelas referentes à liberação e ao fomento de novas tecnologias financeiras, que têm potencial de alicerçar mudanças estruturais no Sistema Financeiro Nacional e no Sistema de Pagamentos Brasileiro, tais como o Open Banking, o Sandbox Regulatório, os pagamentos instantâneos – o Pix, e o registro de recebíveis de cartões e duplicatas escriturais.
Isso porque se antes já era de suma importância a regulação do Banco Central abrir espaço para inovações promoverem a inclusão financeira; a digitalização dos usuários; o acesso a crédito a empreendedores, em especial pequenos e médios; e o surgimento de modelos de negócios de vanguarda em prol da maximização da oferta, da melhoria da qualidade e da redução dos custos de serviços financeiros e de pagamentos no Brasil; esse difícil período evidenciou, a fortiori¸ a relevância da regulamentação financeira para consecução desses objetivos.
Com primor, o Banco Central tem caminhado nessa direção. A título ilustrativo, ao longo de 2020, presenciamos:
<ul>
<li>a publicação do arcabouço regulatório do Open Banking<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, que viabilizará o compartilhamento de dados e serviços financeiros, mediante o consentimento do cliente, entre diferentes instituições autorizadas pelo Banco Central; e a instituição do Conselho Deliberativo da estrutura inicial responsável pela governança de seu processo de implementação<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>;</li>
<li>a criação da figura da instituição de pagamento iniciadora de transações (no exterior, Payment Initiation Service Provider, o PISP), no âmbito dos mais diversos arranjos de pagamento (e.g., cartões, TED, DOC, boleto, Pix). Nova modalidade de instituição de pagamento, regulada pelo Banco Central, que permitirá a movimentação de recursos entre contas a partir de diferentes plataformas com segurança e agilidade<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>;</li>
<li>a definição dos requisitos para instauração e execução do Ciclo 1 do Sandbox Regulatório na esfera de competência do Banco Central, e ascondições para o fornecimento desses novos produtos e serviços em caráter experimental e por prazo determinado<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>;</li>
<li>o lançamento do Pix, viabilizando a realização de pagamentos instantâneos 24 horas por dia, 7 dias na semana, cujas regras foram estabelecidas e a infraestrutura responsável pela liquidação em tempo real das transações operada (o Sistema de Pagamentos Instantâneos – SPI) pelo próprio Banco Central<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>; e</li>
<li>o desenvolvimento das Convenções entre entidades registradoras de recebíveis de cartão e de duplicatas escriturais para a devida operacionalização do registro desses ativos financeiros e consequente valorização dessas garantias – haja vista que são recebíveis tradicionalmente oferecidos como lastro de operações de crédito por pequenas e médias empresas<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.</li>
</ul>
E em 2021 os avanços continuam, em ritmo célere. Somente em janeiro e fevereiro, dentre outros aspectos, observamos a regulação financeira publicada estabelecendo:
<ul>
<li>em 1º de fevereiro, o início da 1ª fase do Open Banking, mediante a entrada de instituições disponibilizando ao público informações padronizadas sobre os seus canais de atendimento e as características de seus produtos e serviços, a partir de interfaces (APIs), o que já permite o desenvolvimento de soluções que comparam diferentes ofertas, auxiliando usuários de serviços financeiros na escolha da alternativa mais adequada;</li>
<li>em 22 de fevereiro, a abertura das inscrições do Sandbox Regulatório, para que novas entidades sejam autorizadas pelo Banco Central para testar, em no máximo 2 anos, projeto inovador no ramo financeiro ou de pagamento, observadas disposições específicas para a realização controlada e delimitada de suas atividades. Busca-se, assim, estimular a inovação e a concorrência, assegurando sincronicamente a higidez do mercado;</li>
<li>a partir de 1º de março, no Pix, a definição de procedimentos para comunicação ao Banco Central em caso de resolução contratual entre o participante responsável e o participante contratante ou de saída ordenada de qualquer participante do arranjo, conferindo maior transparência quanto às razões que motivaram tais decisões<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>. Logo depois, em 15 de março, a introdução da funcionalidade do “Pix Cobrança”, que permitirá a emissão de QR Code para pagamentos com vencimento determinado, de forma similar ao boleto, com forte potencial de alavancar o Pix no varejo<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>. Vale notar que, somente em janeiro deste ano, foram mais de 200 milhões de transações Pix, totalizando a movimentação de montante superior a R$ 137 bilhões para fins de compras ou de transferências<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>;</li>
<li>a nova data de 7 de junho de 2021 para a implementação do registro de recebíveis de cartões em entidades registradoras autorizadas a funcionar pelo Banco Central; e a obrigatoriedade de determinadas instituições credenciadoras – aquelas que tenham realizado testes homologatórios em registradoras cujos sistemas tenham sido considerados, em fevereiro de 2021, inaptos à realização da atividade de registro – realizarem novos testes homologatórios com ao menos uma registradora cujo sistema tenha, de fato, sido considerado apto<a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>;</li>
<li>também no campo das operações de crédito garantidas por recebíveis de cartão, a manutenção da prestação de informações pelo Banco Central, mediante o consentimento expresso dos clientes, relativas ao histórico dos recebíveis constituídos e liquidados. Informações que foram disponibilizadas pelo Banco Central durante a vigência do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac-Maquininhas), cujo propósito foi a concessão de crédito com garantia nesses recebíveis por instituições financeiras aos microempreendedores individuais, às microempresas e às empresas de pequeno porte<a href="#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>; e</li>
<li>a partir de 1º de julho, em prol segurança cibernética dos entes integrantes do Sistema Financeiro Nacional, o dever de instituições financeiras estabelecerem e documentarem os critérios que configurem crise causada por ataque cibernético, mantendo documentação comprobatória acessível ao Banco Central pelo prazo de 5 anos<a href="#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>.</li>
</ul>
É nesse cenário que, mensalmente, refletiremos sobre a regulação financeira publicada pelo Banco Central e seus impactos em prol da inclusão financeira, promoção da competição, capacidade de inovação, solidez e eficiência dos mercados financeiro e de pagamentos. Ao fim e ao cabo, o ano está só começando e a agenda do Banco Central revela-se promissora, veloz e pujante.
<hr />
O episódio 51 do podcast Sem Precedentes faz uma análise do julgamento do Supremo Tribunal Federal que pode derrubar a decisão do governo Jair Bolsonaro de zerar alíquota de importação de armas de fogo. Ouça:
https://youtu.be/r2tHugS_7do
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BCB. Medidas de combate aos efeitos da Covid 19. Fonte: <a href="about:blank">https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/acompanhamento_covid19</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Vide Circular BCB nº 3.993/2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Vide Resolução CMN nº 4.795/2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Vide Resolução CMN nº 4.783/2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Vide Resolução CMN nº 4.784/2020.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Vide Circular BCB nº 4.020/2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Vide Resolução Conjunta CMN e BCB nº 1/2020.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Vide Comunicado BCB nº 35.895/2020.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Vide Resolução BCB nº 24/2020.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Vide Resolução CMN nº 4.865/2020 e Resoluções BCB nº 29/2020 e 50/2020.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Vide Resolução BCB nº 1/2020 e Circular BCB nº 4.027/2020.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Vide Resoluções CMN nº 4.734/2019 e 4.815/2020 e Circulares BCB nº 3.952/2019 e 4.016/2020.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Vide Instrução Normativa BCB nº 76/2021.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Vide Resolução BCB nº 30/2020 e Instrução Normativa BCB nº 58/2020.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> BCB. Estatísticas de Transações Pix. Fonte: <a href="https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/estatisticaspix">https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/estatisticaspix</a>.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Vide Resolução CMN nº 4.888/2021 e Resolução BCB nº 72/2021.
<a href="#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Vide Resolução BCB nº 63/2021.
<a href="#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> Vide Resolução CMN nº 4.893/2021.

Edifício-Sede do Banco Central do Brasil em Brasília

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Medidas foram adotadas pela liberação de liquidez, de capital e de novas tecnologias

Regulação financeira em combate à pandemia do Covid-19

Medidas foram adotadas pela liberação de liquidez, de capital e de novas tecnologias