Gabriel Cohen

No último dia 7 de junho, o mercado financeiro experimentou movimento sui generis no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Não me refiro, aqui, à entrada em vigor do registro obrigatório de recebíveis de cartão em entidades registradoras de ativos financeiros – que operam sistemas devidamente autorizados pelo Banco Central à luz da Lei nº 12.810/2013. Refiro-me, especialmente, ao início da comunicação entre os sistemas de registro por elas operados – a pioneira, no Brasil, interoperabilidade entre infraestruturas do mercado financeiro (IMF).
Em outras palavras, e nos termos dos Principles for Financial Market Infrastructures<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, é natural que IMF se relacionem, criando interdependências, tais como os mecanismos de interoperabilidade<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Afinal, dentre outras atribuições, devem garantir amplo acesso aos seus sistemas, bem como gerenciar riscos que demais IMF imponham aos seus negócios<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Vejamos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Suponha que um ativo financeiro, tal como uma unidade de recebíveis de cartão (UR)<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, esteja registrado na entidade registradora “A”. No entanto, uma instituição financeira que deseja adquirir esse ativo, ou ofertar uma operação de crédito nele garantida, está integrada sistemicamente somente à entidade registradora “B”, distinta daquela cujo ativo está registrado.
São os mecanismos de interoperabilidade – procedimentos para fins de comunicação sistêmica entre as infraestruturas – que permitem a instituição financeira integrada à registradora “B” comandar ordem relacionada ao ativo averbado na registradora “A”. Ou seja, a despeito de não ser participante do sistema cujo ativo financeiro está registrado, a instituição financeira consegue comandar a transferência de titularidade de uma UR, mediante a realização de uma cessão de crédito, ou constituir ônus e gravame sobre ela, para fins de formalização da outorga da garantia em seu favor. Isso porque foram adotadas regras e tecnologias compatíveis entre si que permitiram a registradora “A” trocar informações relativas aos contratos de negociação dessa UR com a registradora “B”.
<blockquote class="jota-article__eye">Para atuar no mercado de recebíveis de cartão, então, uma instituição financeira não precisa se conectar a todas os sistemas de registro autorizados pelo Banco Central a fim de adquiri-los ou obtê-los em garantia.</blockquote>
Do mesmo modo, instituições credenciadoras e subcredenciadoras podem cumprir sua obrigação legal e regulatória de direcionar os recebíveis de cartão aos legítimos credores (que os adquiriram ou os receberam em garantia) – independentemente de manter relação com o sistema de registro escolhido pela instituição financeira credora.
Isso se deve ao fato de o artigo 11 da Circular BCB nº 3.952/2019 prever a obrigatoriedade de as IMF registradoras de recebíveis de cartão estabelecerem mecanismos de interoperabilidade entre si, possibilitando:
<ul>
<li>a troca das informações sobre os contratos de negociação relativos a URs – afastando o direcionamento incorreto de recebíveis de cartão por credenciadoras e subcredenciadoras, haja vista que, quando o fazem, incorrem em descumprimento de obrigação legal e regulatória, passível de sanção na esfera judicial e administrativa;</li>
</ul>
<ul>
<li>a verificação da unicidade do registro de URs – impossibilitando que o recebível decorrente de uma transação seja registrado em mais de uma registradora;</li>
</ul>
<ul>
<li>a troca das informações sobre a agenda de recebíveis (conjunto de URs) – viabilizando que instituições financeiras verifiquem os recebíveis constituídos antes de ofertarem operações de crédito neles garantidas, por exemplo;</li>
</ul>
<ul>
<li>a portabilidade do registro das agendas de recebíveis entre as registradoras – permitindo a migração das URs de uma registradora para a outra; e, ainda,</li>
</ul>
<ul>
<li>a troca das demais informações necessárias para o cumprimento das obrigações pactuadas por meio de Convenção entre Entidades Registradoras de Recebíveis de Cartão aprovada pelo Banco Central.</li>
</ul>
Nesse último item, cumpre destacar que a referida Convenção<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> estabelece a obrigatoriedade de as entidades registradoras assegurarem a devida inserção dos dados (em seus respectivos sistemas) relativos aos contratos de negociação de recebíveis de cartão firmados em momento anterior à entrada em vigor da interoperabilidade entre elas.
Premissa indispensável para que os sistemas de registro possam devidamente observar a legislação brasileira aplicável<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, permitindo-lhes refletir informações fidedignas no que diz respeito aos titulares dos ativos financeiros. E isto apenas ocorre ao contemplarem em suas infraestruturas os dados relativos aos contratos já celebrados – negócios jurídicos firmados antes da entrada em vigor da interoperabilidade entre registradoras, e nos moldes do modelo de regulação transitória estabelecida pelo Banco Central<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>(publicada a fim de preparar o mercado para a migração ao modelo de registro).
Nesse cenário, com inquietude e curiosidade, observamos como os mecanismos de interoperabilidade entre IMF se desenvolverão. Em breve, também os vivenciaremos no mercado de duplicatas escriturais<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. O movimento é pioneiro, competitivo e promissor, sobretudo, um caminho sem volta.
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<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Os Principles for Financial Market Infrastructures (PFMI) foram publicados em 2012 pelo Committee on Payment and Settlement Systems (CPSS), do Bank for International Settlements (BIS), e pela International Organization of Securities Commissions (IOSCO), e incorporados pelos mais diversos órgãos reguladores dos sistemas de pagamentos, incluindo o Banco Central do Brasil.
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Item 2.1 do PFMI.
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Item 1.28 do PFMI.
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Conforme art. 2º, III, da Circular BCB nº 3.952/2019, unidade de recebível de cartão é o ativo financeiro composto por recebíveis caracterizados pelo(a) mesmo(a) (i) nº CNPJ ou CPF do estabelecimento comercial; (ii) identificação do arranjo (ex., recebíveis decorrentes de transações com cartões de crédito da bandeira “x” ou de débito da bandeira “y”); (iii) identificação da instituição credenciadora ou subcredenciadora; e (iv) data de liquidação (referente às transações).
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Vide art. 42, da Convenção entre Entidades Registradoras de Recebíveis de Cartão. Disponível em:  <a href="https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/Convecao_26.8.20.pdf">https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/Convecao_26.8.20.pdf</a> .
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Vide art. 28, parágrafo único, da Lei nº 12.810/2013.
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Vide Resolução CMN nº 4.707/2018 e Circular BCB nº 3.924/2018.
<a href="applewebdata://24D5D7AF-F337-41C7-86A4-A0D1081D8F2D#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Vide art. 19, da Circular BCB nº 4.016/2020.

Cartões, dinheiro e cheques. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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JOTA

Comunicação sistêmica entre IMF é um movimento pioneiro e caminho sem volta

Interoperabilidade entre registradoras de recebíveis de cartão

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