Felipe Nunes

Cesar Zucco

Quase todas as pesquisas de opinião nacionais recentes têm indicado uma leve melhora, ou ao menos uma pausa na queda, da avaliação do desempenho do presidente Bolsonaro entre os brasileiros mais pobres (tipicamente definidos como aqueles com renda de até 2 salários mínimos). Essa regularidade vem alimentando o debate sobre os possíveis efeitos políticos e eleitorais do Auxílio Emergencial do Governo Federal.
Não é trivial determinar o efeito de um programa governamental como o Auxílio Emergencial na intenção de voto ou, no presente caso, na avaliação do desempenho do presidente. Uma maneira de conceitualizarmos tal efeito seria imaginar um mundo onde um sub-grupo de indivíduos fosse aleatoriamente escolhido como beneficiário e então comparar as preferências destes indivíduos com os que não foram escolhidos.
A aleatorização, neste caso, faria com que o grupo de beneficiários fosse semelhante ao de não beneficiários e, com isso, diferenças observadas na forma como cada grupo avalia o desempenho do presidente poderiam ser interpretados como efeitos diretos do benefício.
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O mundo real, obviamente, não permite um exercício deste tipo. Uma alternativa, ainda que imperfeita, consiste em tentar reconstruir essa lógica de forma ``ex-post’’ através do pareamento (matching). O pareamento compara o comportamento de indivíduos que recebem o benefício com outros que não recebem mas que são “semelhantes” aos beneficiários.
Implementamos uma versão de pareamento utilizando dados da última rodada da pesquisa de opinião realizada pela Quaest e publicada aqui no JOTA.
A pesquisa ouviu 1000 pessoas entre os dias 14 e 17 de junho de forma online, com amostra que reflete a população brasileira adulta. Nessa rodada, 21.8% dos respondentes avaliaram o desempenho de Bolsonaro como bom e ótimo enquanto 52.2% como ruim e péssimo.
<blockquote class="jota-article__eye">O procedimento para o pareamento é simples: tomamos todos os indivíduos que declararam receber o auxílio e procuramos indivíduos não beneficiários semelhantes com base em outras variáveis registradas na pesquisa.</blockquote>
É importante, para o exercício, que as variáveis utilizadas para determinar essa “semelhança” tenham sido realizadas antes do benefício. Por essa razão, nos atemos a sexo, idade, classe (que combina educação, renda e outros atributos), região do país onde o indivíduo vive e religião. Na amostra da pesquisa havia 697 não beneficiários e 303 beneficiários. Após o pareamento mantivemos todos os beneficiários, mas apenas 358 não beneficiários que foram considerados semelhantes o suficiente para a comparação.
<h3>O que dizem os dados?</h3>
Os resultados mais básicos podem ser vistos nesta figura. Como detalhamos abaixo, o que vemos é uma diminuição da avaliação negativa do presidente, mas pouca alteração na avaliação regular e positiva. Sem o auxílio podia ser pior, mas o benefício por si só não opera milagres.
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-queast.png"><img class="aligncenter wp-image-257162 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/06/grafico-queast.png" alt="" width="496" height="373" /></a>
Os resultados analíticos nos dão mais detalhes. A porcentagem de não beneficiários na amostra emparelhada que avalia positivamente a atuação do presidente (bom e ótimo) é de 19.3% (um pouco mais baixo do que o valor na amostra completa da pesquisa). Entre beneficiários do Auxílio Emergencial, essa fração é parecida (21.8%), como já podia ser visto na figura acima, que mostra uma pequena redução na avaliação “bom” e um aumento no “ótimo”.
A história muda um pouco de figura quando olhamos para a avaliação negativa (ruim e péssimo). Enquanto 54.95% dos não beneficiários avalia o presidente negativamente, esse número cai -8.42 pontos percentuais entre beneficiários, o suficiente para haver uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Vemos também que dentre os que avaliam o presidente negativamente, a queda atribuível ao auxilio é sentida praticamente no subgrupo que considerava o seu desempenho péssimo.
O resultado agregado desses efeitos implica uma leve melhora na avaliação média do presidente. Numa simplificação algo grosseira podemos transformar a avaliação do presidente numa escala numérica. A avaliação média do presidente entre não beneficiários fica um pouco abaixo do que seria o “regular negativo”. Entre beneficiários semelhantes, essa avaliação fica pouco acima de desse ponto. Para os afeitos a números, o efeito “padronizado” (que divide o tamanho do efeito médio pelo desvio padrão da avaliação) é de 0.16 (voltaremos a este número mais adiante).
<blockquote class="jota-article__eye">Estes resultados sugerem um efeito pequeno na popularidade do presidente. Como comparação, utilizando uma abordagem idêntica e dados do mesmo tipo, estimamos que o efeito do Bolsa Família na avaliação do presidente Lula na eleição de 2006 tenha sido bastante maior. A avaliação negativa de Lula, que era registrada apenas por 11.2% dos não beneficiários do Bolsa Família era significativamente mais baixa entre beneficiários, com uma redução da ordem de -6.2 pontos percentuais.</blockquote>
Porém, pode-se perceber, também um aumento significativo de 21.2 pontos percentuais na avaliação positiva (sobre uma base já bem mais elevada de 60% entre não beneficiários). Com tudo isso, o efeito do Bolsa Família na avaliação média padronizada de Lula foi de 3 vezes maior do que o registrado com Bolsonaro. E isso apesar de Lula ser então muito mais popular do que Bolsonaro é hoje, mesmo entre os não beneficiários, o que dificultaria um aumento adicional por conta de um único programa.
Apesar de um efeito muito mais forte, a estimativa que temos do impacto do Bolsa Família na probabilidade de voto em Lula na eleição de 2006 é de menos de 0.2. Ou seja, o voto em Lula entre beneficiários do programa foi menos de 20 pontos percentuais mais alto do que entre não beneficiários semelhantes. E as nossas estimativas indicam que este foi o ano em que o Bolsa Família teve o efeito mais forte, embora tenha continuado a afetar o voto de Brasileiros nas eleições seguintes.
<h3>Afinal, o que esse estudo indica?</h3>
Mas como reconciliar essas estimativas com análise que mostram o aumento do apoio a Bolsonaro entre as camadas de renda mais baixa, quando comparamos pesquisas “antes” e “depois” do Benefício Emergencial?
Tais resultados têm aparecido em análises baseadas em diversas pesquisas diferentes, e são identificáveis em dados da própria Quaest que mostram, por exemplo, que a avaliação positiva (bom/ótimo) de Bolsonaro entre quem tem renda de até 2 salários mínimos passou de 12% para 13% e a negativa de 52% para 51% entre Abril e Junho de 2020. Foi o único estrato social em que as avaliações positiva e negativa não pioraram.
Há aqui uma diferença conceitual na quantidade estimada. Ao compararmos a avaliação de Bolsonaro em dois períodos distintos estamos potencialmente captando variações no apoio ao presidente causados por diversos fatores além do Auxílio. Não temos como eliminar a possibilidade que o presidente, ao se posicionar (ainda que apenas retoricamente) em favor dos mais humildes que precisam trabalhar, possa ter contribuído para melhorar a sua avaliação (ou, pelo menos, reduzir sua avaliação negativa) neste grupo.
Outra possibilidade, não excludente, é que o benefício possa ter gerado melhora da avaliação mesmo entre os que não o receberam. Nesse caso, o nosso grupo de “não beneficiários” já estaria avaliando o presidente melhor do que o fizera antes do benefício. Esse seria, ao nosso ver, um efeito indireto do benefício, um chamado “spillover”, já que num sentido estrito o efeito direto do benefício só existe para aqueles que o recebem. De qualquer modo, a combinação destes dois fatores explicaria a diferença entre a nossa análise e as que são feitas “a olho nu” na comparação antes/depois do benefício.
<blockquote class="jota-article__eye">Independente disso, os números indicam que o Auxílio Emergencial tem tido algum efeito para diminuir a rejeição ao presidente Bolsonaro. No entanto, esse efeito está ainda muito longe daquilo que poderia afetar a intenção de voto. Um indivíduo que passe a avaliar o presente apenas como ruim ou até mesmo regular (ao invés de péssimo), dificilmente deixará de considerar outras opções na hora de votar.</blockquote>
É preciso considerar que benefício, nos termos atuais, é muito caro. Numa conta grosseira, ele custaria anualmente cerca de dez vezes mais do que o Bolsa Família, e ao menos três vezes mais do que todo o déficit fiscal projetado para o ano passado. A continuidade do benefício pode significar a ruptura com as agenda do Ministro Paulo Guedes e tudo que ele representa para os chamados “agentes econômicos”. Assim sendo, não há como manter o benefício nos termos atuais. Ele terá que ser cancelado ou diminuído.
A literatura acadêmica indica que um corte ou uma diminuição podem acarretar uma perda maior de popularidade do que o ganho que foi observado com a sua introdução. A “prospect theory” preconiza que há uma assimetria pela qual somos mais suscetíveis a perdas do que a ganhos equivalentes. Neste sentido, num exemplo hipotético, passar de R$200 para R$600 reais por mês gera um aumento de satisfação menor do que a perda que é sentida ao passarmos de R$600 para R$200. Além disso, sabemos também que a memória dos eleitores é curta: valores de benefícios recebidos próximos a eleições tem efeitos maiores no comportamento eleitoral do que benefícios no passado. A conclusão é que o Auxílio Emergencial garante apenas um alívio temporário à declinante popularidade do presidente.

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JOTA

Números indicam que auxílio diminui a rejeição. Mas, efeito está longe daquilo que poderia afetar a intenção de voto

O auxílio emergencial pode salvar Bolsonaro?

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