No final do ano passado, arrisquei aqui alguns palpites sobres as tendências regulatórias da mineração para 2020. Partindo do projeto BigIdeias, do LinkedIn, escolhi 8 itens que pareciam ser a tônica dos jogos da regulação mineral no ano que se avizinhava. Encerrei o texto com uma autoprovocação: “Em dezembro de 2020 examinaremos o resultado dessas previsões. Se chegarmos ao percentual de acerto da equipe do LinkedIn, quem sabe não criaremos o nosso próprio BigMiningIdeias2021?”.
Levando em conta que em 2019 a taxa de acerto da turma do Scott Olster, editor sênior do LinkedIn News, foi de 58%, podemos dar a volta olímpica. Das oito ideias imaginadas para a mineração, sete viraram gols. Lampejos de vidência ou pura sorte? Nenhum dos dois.
Na verdade, a resposta é bem mais singela. Em 2020, a mineração brasileira passou por improvável período de relativa previsibilidade jurídica, em seus aspectos regulatórios. Muitas foram as mudanças, mas todas relativamente esperadas ou já previamente escaladas. Nem a pandemia conseguiu tirar os planos dos trilhos.
Vejamos as previsões e o resultado.
Implantação da nova disponibilidade de áreas
A tão esperada Resolução ANM nº 24, que tratava da nova disponibilidade, foi publicada em 3 de fevereiro, e logo marcou um gol de letra. A norma viabilizou a devolução de 502 áreas ao mercado, relacionadas a substâncias de emprego imediato na construção civil, por meio de um processo racional e rápido. Cento e quatro áreas tiveram apenas um interessado, viabilizando a outorga direta dos títulos minerários. Setenta e cinco áreas foram disputadas, via leilão, por preço, e 65 foram arrematadas.
As demais se tonaram livres e poderão ser requeridas aplicando-se o sistema de prioridade. Mesmo sendo chamado de projeto-piloto – ou o amistoso sem grande atratividade –, algumas áreas disputadas receberam lances expressivos, e é esperado que a Agência Nacional de Mineração (ANM) arrecade cerca de R$ 2 milhões no processo. E o principal: a Agência já anunciou nova rodada, que deve contar com a disponibilização de cerda de 5 mil áreas.
Continuidade da regulação de barragens
Seguindo a tendência de regulação periódica, em 11 de maio foi publicada a Resolução ANM nº 32, trazendo novas regras de segurança de barragens em várias frentes, desde a alteração automática de Categorias de Risco, passando por novos parâmetros para os mapas de inundação e medidas prévias ao empilhamento de rejeitos. Não bastasse, o Congresso aprovou, e o Presidente sancionou, em 30 de setembro, a Lei nº 14.066, alterando itens da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e do Código de Mineração, consolidando o jogo duro sobre o tema, superando, contudo, algumas tentações punitivistas. Tratei de alguns detalhes da nova lei aqui.
A continuidade da transferência de ativos públicos para a iniciativa privada
Os arranjos público-privados na mineração continuaram ganhando tração ao longo do ano. Depois do 1x0 suado, em razão de apenas um lance no leilão de Palmeirópolis, em 26 de novembro, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) lançou o edital de mais dois projetos aprovados no Programa de Parceria e Investimentos (PPI): um de cobre, em Bom Jardim (GO), e um de fosfato, em Miriri (PE).
Ambos foram modelados em etapas de promessa de cessão e posterior cessão de direitos minerários, e o critério de julgamento da melhor proposta foi deslocado do royalty, que passou a ser fixo (1%), para o bônus de assinatura. Os leilões devem ser realizados em março de 2021. Além disso, Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) manteve sua posição tradicional de atacante, licitando vários projetos minerais no Estado, como a areia industrial de Santa Maria Eterna e a barita de Contendas do Sincorá.
Esfriamento da majoração da carga tributária mineral
Em aspectos tributários específicos para a atividade mineral, a indústria respirou levemente aliviada. Como esperado, as bolas quadradas conseguiram ser afastadas em 2020: não houve aumento da CFEM, a criação de Participação Especial de até 40% para minas de alta rentabilidade não decolou, e não houve restauração da tributação da exportação de bens minerais.
Normatização de recursos e reservas minerais, regulação das garantias e seguros para os riscos envolvidos na atividade mineral e fechamento de mina
Apesar de alguns avanços, essas bolas ficaram no travessão. Mesmo já tendo sido objeto de consulta pública, os recursos e as reservas minerais não foram submetidos à regulação pela Diretoria Colegiada, mantendo-se a grande expectativa da indústria para que o assunto saia da prancheta.
Sobre a regulação das garantias e seguros relacionados à atividade mineral, o assunto também não evoluiu de forma consistente, lembrando, contudo, que a já mencionada Lei nº 14.066 enfrentou o tema no que concerne às barragens, determinando que o órgão fiscalizador poderá exigir a apresentação não cumulativa de caução, seguro, fiança ou outras garantias financeiras ou reais para a reparação dos danos à vida humana, ao meio ambiente e ao patrimônio público, em determinados casos. O assunto ainda precisa ser regulamentado.
Sobre o fechamento de mina, a ANM abriu, em 10 de agosto, a Tomada de Subsídios nº 05/2020, buscando contribuições para aperfeiçoamento da minuta de resolução sobre o tema. Várias sugestões foram apresentadas pela indústria, mas o jogo ainda está aberto.
Ampliação da transparência e do uso da tecnologia na gestão dos Títulos Minerários
Esses itens tornaram-se um ponto de não retorno, e a ANM vem colocando a bola no ângulo. Além dos avanços relacionados ao módulo público do Sistema Eletrônico de Informação (SEI), outras ferramentas foram criadas, como o Requerimento Eletrônico de Pesquisa Mineral (REPEM) e o Sistema Eletrônico de Oferta Pública e Leilão de Áreas (SOPLE), usado com sucesso para viabilizar a disponibilidade dos 502 títulos.
Não bastasse, a ANM e o Ministério Público Federal (MPF) firmaram Termo de Cooperação Técnica, permitindo ao segundo o acesso ao Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), tornando as informações sobre a segurança de barragens ainda mais transparentes. Por último, destaca-se a continuidade das consultas públicas e tomadas de subsídios sobre vários temas relevantes, como uso de direitos minerários como garantia de financiamento e o reaproveitamento de estéreis e rejeitos, realizados, respectivamente, em agosto e novembro.
Definição dos limites da pesquisa mineral pós-vencimento da Autorização de Pesquisa
O assunto foi, finalmente, enfrentado na reunião da Diretoria Colegiada de outubro. Examinando dois casos relacionados à pesquisa complementar, a ANM aplicou entendimento restritivo. As decisões expuseram o gol contra do art. 7º, parágrafos 7º e 9º, do Regulamento do Código de Mineração, já que, ainda que tenha resolvido parte do problema (por ter trazido a pesquisa pós-autorização para a norma formal), criou outro, complicando as autorizações especiais. Tratei do assunto, em detalhe, aqui.
Avanço no Congresso Nacional de propostas sobre mineração em terras indígenas
A regulamentação da matéria teve nova fase em fevereiro: a apresentação, pelo Poder Executivo, do Projeto de Lei nº 191/2020. O PL já nasce com uma diferença relevante frente aos outros, já que não é proveniente de proposta parlamentar, mas, sim, de inciativa do Poder Executivo. Apresenta um escopo mais amplo, já que trata não só da mineração em terras indígenas, mas também do aproveitamento do petróleo e da energia elétrica nessas localidades.
O projeto aproveita parte de estruturas regulatórias sugeridas nas propostas parlamentares que o precederam, mas avança em jogadas até então não enfrentadas no detalhe, como a indenização pela limitação ao usufruto das terras e a necessidade de inclusão da infraestrutura associada aos projetos na autorização parlamentar. Em razão da sensibilidade natural assunto, é esperado que o Congresso Nacional ainda segure o jogo por um tempo.
Feita a retrospectiva de 2020, é hora de olhar para frente. Cumprindo a promessa de 2019, apresentaremos a tabela do BigMiningIdeias2021 na próxima edição.
O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça: