Renard Aron
Fundador da PolicyZone e autor do livro "Lobby Digital – Como o cidadão conectado influencia as decisões do governo e das empresas".
Robert Reich, ministro do trabalho no governo Clinton, hoje de barba branca e professor na Universidade de Berkeley, aparece no Tik Tok, Twitter e YouTube advogando pela rejeição da Proposição 22, medida que levou ao cidadão da Califórnia a tarefa de decidir sobre qual o melhor arcabouço jurídico para os trabalhadores da economia gig. Robert Reich e os sindicatos contrários à Proposição perderam o embate com as empresas de serviços via aplicativos.
O eleitor da Califórnia decidiu por uma proposta que dá flexibilidade ao trabalhador e algumas garantias mínimas, como ajuda de custo para cobrir seguro saúde. Com a aprovação do modelo de contratação temporária na Califórnia, as empresas de serviços de transporte via aplicativos ganharam um roadmap para a discussão de medidas similares em outros estados dos EUA e, eventualmente, em outros países.
Além da Proposição 22, haviam outras 24 proposições a nível estadual e municipal (cidade de São Francisco, onde eu moro) para serem votadas pelo cidadão. Os temas foram os mais variados possíveis. Havia a proposição para que o cidadão decidisse sobre se clínicas de diálise deveriam ou não ter um médico de plantão, outra sobre se jovens de 17 anos poderiam ou não participar das primárias e uma proposição (de número 15) que levou ao cidadão a seguinte pergunta: o imposto sobre propriedades comerciais deveria ser aumentado para gerar recursos para a educação e outros gastos sociais? A resposta aqui também foi não.
Proposições, particularmente na Califórnia, fazem parte do leque de opções estratégicas para avançar uma proposta de política pública. No caso da Proposição 22, as empresas de aplicativos como Uber, Lyft e DoorDash foram à ofensiva para tentar reverter a decisão da legislatura da Califórnia que tinha aprovado uma lei assegurando aos empregados da economia gig os mesmos direitos dos empregados contratados em regime de horário integral, o que forçaria as empresas a fundamentalmente mudar seu modelo de negócio. No entanto, no caso das empresas de diálise e dos proprietários de propriedades comerciais, a ação partiu dos sindicatos e as empresas foram obrigadas a se defender.
Passadas as eleições, ficou claro que mesmo com a pandemia reduzindo o número de proposições nos EUA – pois elas requerem um número mínimo de assinaturas – a discussão de políticas públicas no espaço público não arrefeceu. As empresas de aplicativos, por exemplo, gastaram mais de US$ 200 milhões para levar sua visão ao cidadão. Foi um recorde nos EUA. Campanhas como estas requerem investimento pesado em panfletos a serem entregues nas residências, na produção de vídeos como parte de uma estratégia digital, em propaganda para a TV, na contratação de empresas de RP, na elaboração de artigos de opinião, na obtenção de endossos, etc.
As empresas de serviços de diálise gastaram, por sua vez, em torno de US$ 100 milhões para derrotar a proposição que as forçaria a contratar um médico de plantão e as empresas proprietárias de espaço comercial gastaram em torno de US$ 76 milhões para derrotar a Proposição 15 (os grupos de interesse a favor da medida gastaram aproximadamente US$ 82 milhões, com o apoio da Fundação Chan Zuckerberg). Ao total, o site Politico estima que foram gastos US$ 780 milhões na Califórnia nas campanhas a favor e contra as diferentes proposições.
Alguns dias antes da eleição de 3 de novembro, Glozell – YouTuber, influenciadora, atriz, comediante e autora que tem como marca registrada lábios pintados de verde – entrevistou Joanna McFarland no seu canal no YouTube. McFarland é co fundadora de um serviço de transporte via aplicativo voltado para crianças que precisam ser buscadas da escola ou levadas para uma atividade esportiva após o período escolar. Glozell não deixa dúvidas de que a sua opção é pela aprovação da Proposição 22.
Este é o novo ambiente, em que Robert Reich e Glozell levam suas mensagens para quem quiser ouvir.