Luiz Orlando Carneiro
Foi repórter e colunista do JOTA

Em 1975, o genial pianista Keith Jarrett criou e executou, solo, o antológico Köln Concert, CD que vendeu mais de 2 milhões de cópias, e tornou viável a etiqueta alemã ECM. Nos anos 80 e 90 consagrou-se definitivamente à frente do fascinante Standards Trio (Jack DeJohnette, bateria; Gary Peacock, baixo). E tem mais. Trancou-se algumas vezes nos estúdios para gravar as Variações Goldberg e o Cravo Bem Temperado, de J.S. Bach. Além de partituras de Mozart, Händel e Shostakovitch.
Um derrame em fevereiro de 2018 e um segundo, tempos depois, fizeram com que o jazz master - hoje com 77 anos - só possa dedilhar com a mão direita o piano da sua casa, na zona rural de New Jersey. Como ele disse, em recente, entrevista a Nate Chinen (NPR Music), dá para relembrar jazz standards e temas bop de sua predileção. Mas sem – é claro -a harmonização provida pela mão paralisada.
A última turnê europeia de Keith Jarrett, sempre solo, foi registrada pela ECM em julho de 2016. Os concertos na Alemanha e na Hungria foram finalmente lançados em CDs duplos, respectivamente, como Munich 2016 (em 2019) e Budapest Concert (em 2020).
Só agora, no último dia de setembro, é que a ECM liberou, na íntegra, o Bordeaux Concert, daquela mesma tournée, gravado no Auditorium de l’Opera National da cidade francesa famosa pelos vinhos da região. Na setlist, uma suíte de 13 partes totalizando uma hora e 10 minutos (aplausos incluídos em parte),
Quando o crítico Richard Lehnert (Stereophile’s) comentou o concerto de Munique, naquela inesquecível jornada de 2016, usou expressões como as seguintes para adjetivar a arte de Keith Jarrett: “elegância, contenção, liberdade, austeridade, riqueza, sentimento profundo, inteligência musical, expressividade rigorosamente disciplinada, desenvolvimento de formas inventadas no momento e brilhantismo bem dosado”. Além, é claro, de uma técnica extraordinária.
Estas qualidades podem ser mais uma vez desfrutadas no concerto de Bordeaux, perante uma plateia de 1.400 ouvintes. A peça mais longa é a de abertura - mais de 12 minutos de música intensa, na base do “aqui e agora”, sem quaisquer referências a standards ou temas recorrentes do repertório jazzístico. O que não quer dizer que o virtuose do piano não faça questão de mostrar – como na oitava faixa (5m50) – a sua intimidade também com a atmosfera harmônica do blues.
(Samples de todas as faixas: https://music.apple.com/us/