Homero Andretta Junior

Beatriz Figueiredo Campos da Nóbrega

Começamos esta coluna abordando uma figura cada vez mais corrente nas relações internacionais e, portanto, no Direito Internacional ... o Estado cooperativo.
Como se sabe, a configuração territorial de um Estado limita a priori a sua jurisdição, mas não impede que o mundo dos fatos acarrete uma crescente transnacionalidade inerente a um mundo interconectado - digital, informacional, populacional, comercial, financeira e culturalmente, para dizer o mínimo.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Os efeitos jurídicos cross borders desta transnacionalidade se tornam inevitáveis. O intercâmbio internacional para aplicação extraterritorial da ordem jurídica, igualmente. A cooperação jurídica internacional, um caminho inarredável. Afinal, os limites territoriais não podem representar obstáculos à atuação do Estado, ao qual cabe intervir enquanto garante da ordem e da paz social.
Peter Haberle já previra este Estado cooperativo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, ao identificar a figura do Estado aberto para o Direito Internacional, que consagra mecanismos de auxílio à cooperação do Estado junto à comunidade internacional.
E isto ocorre não apenas na seara judiciária - onde pedidos para cumprimento de atos ao órgão jurisdicional de outro País; para comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações) em território estrangeiro; para obtenção de provas;  para homologação de Sentença Estrangeira; para Extradição; e, ainda, para concessão de medidas judiciais de urgência. Estas são as formas mais tradicionais e facilmente identificáveis de cooperação jurídica internacional. Mas na seara administrativa ela também ocorre.
Aliás, o fenômeno encontra lastro no próprio Código de Processo Civil, que em seu artigo 27, VI, CPC previu cláusula de abertura quanto ao objeto da cooperação jurídica internacional, ao permitir sua abrangência a “qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira” (artigo 27, VI)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Ademais, confere amplitude ao seu objeto, permitindo o uso da cooperação jurídica internacional para fins do plástico conceito de “assistência jurídica internacional” (artigo 27, V).
<blockquote class="jota-article__eye">Sob esta tendência, importantes Redes de Cooperação Jurídica informal têm  se formado na via administrativa, viabilizando o intercâmbio internacional de dados e informações jurídicas por meio de um fluxo prático, continuado e desburocratizado de colaboração recíproca.</blockquote>
Caracterizam-se pela celeridade, menor onerosidade e informalidade procedimental.
A ALAP surge neste contexto. Trata-se da Associação Latino-Americana de Advocacias e Procuradorias de Estado<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, criada em Brasília, no mês de março de 2018, quando ocorrida a celebração do seu Estatuto - acordo de natureza constitutiva que lhe deu forma e objetivos, previu mecanismos de implementação e delimitou seu campo de incidência.
Formada por instituições de 10 países latino-americanos e processando pedidos de adesão de instituições de outros países interessados, a Associação é um mecanismo interinstitucional de cooperação entre suas Partes - todas elas  instituições públicas, de caráter não diplomático, que, conforme o direito interno de seu Estado, representam o respectivo Estado latino-americano em casos não-criminais perante tribunais judiciais, administrativos ou arbitrais. No Brasil, encontra-se representada pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Inspirada nos princípios de igualdade, reciprocidade e benefício mútuo, a ALAP busca fortalecer os laços de cooperação mútua e solidariedade entre os países da América Latina, fornecendo instrumentos eficientes para a construção de um hemisfério unido, em que a representação jurídica estatal, judicial ou extrajudicialmente, seja aprimorada através de uma perspectiva relacional.
Isto porque a região latino-americana compartilha muitos desafios comuns – por exemplo, muitos se submetem aos mesmos mecanismos de monitoramento e ao mesmo sistema jurisdicional interamericano sob o guarda-chuva da Organização dos Estados Americanos, além de compartilharem outros instrumentos de multilateralismo regional. Ao mesmo tempo, é formada por países que, em geral, atribuíram um desenho institucional semelhante ao órgão de representação estatal em causas não penais.
Enquanto em países europeus como a França esta representação se faz de forma difusa em cada órgão estatal; ou, em outros, como os Estados Unidos, um mesmo órgão congrega, simultaneamente, a missão de representação tanto civil, como penal dos interesses do Estado<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, na região latino-americana é comum identificar órgãos com formatação e competências análogas às da AGU.
Assim, objetivando fazer frente aos desafios fundamentais das Partes, a ALAP viabiliza a cooperação em qualquer medida relacionada ao exercício de suas funções, incluindo o compartilhamento de informações sobre aspectos de cada direito interno, sempre em conformidade com o ordenamento jurídico nacional de cada Parte e os tratados vigentes entre os Estados envolvidos.
Para tanto, a ALAP hoje possui 6 (seis) grupos de trabalho sobre temas de interesse comum das nações latino-americanas, especialmente em debates em foros nacionais, internacionais e organismos internacionais: direitos humanos, defesa jurídica do Estado, arbitragem de investimentos e arbitragem comercial internacional, combate à corrupção, procedimentos judiciais em foro estrangeiro e cooperação jurídica internacional.
A troca de experiências e a formação de entendimentos comuns pode permitir que as advocacias públicas destes países debatam, compartilhem e construam posicionamentos jurídicos a serem defendidos em todos estes temas - inclusive nas negociações de âmbito bilateral ou multilateral pelas chancelarias dos países, permitindo a construção de posições consolidadas entre estes países, cujos interesses, como dito, são bastante similares em muitos aspectos. Essa consolidação de posições jurídicas é benéfica não apenas aos Estados, mas também ao setor privado, na medida em que garante maior segurança jurídica e permite aos setores econômicos terem seus interesses protegidos na linguagem jurídica internacional.
Sem prejuízo dos mecanismos formais de cooperação internacional, os processos de transferência de expertise entre os profissionais de cada instituição-Parte da ALAP viabilizam, ainda, colaborações em investigações e procedimentos de monta para o Estado - como aqueles que têm por objeto a cobrança de créditos públicos, a reparação de danos e a recuperação de ativos provenientes de atos ilícitos praticados em detrimento do Estado e seus cidadãos.
Dentre outras conquistas, ao fim e ao cabo a ALAP permite o fortalecimento da defesa jurídica internacional, mas também impulsionando segurança jurídica e econômica na América Latina. Mais iniciativas como esta são bem vindas na era do Estado cooperativo!
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Estado Constitucional Cooperativo é um conceito de autoria de Peter Haberle, ao assim identificar o Estado aberto para o Direito Internacional, consagrando constitucionalmente mecanismos de auxílio à cooperação do Estado junto à comunidade internacional. Para ele, o Estado Constitucional Cooperativo, permeado por fluxos transfronteiriços, se predispõe à cooperação internacional. HÄBERLE. P. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. de Marcos Augusto Maliska e Eise Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 70-75.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Artigo 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto: I - citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; II - colheita de provas e obtenção de informações; III - homologação e cumprimento de decisão; IV - concessão de medida judicial de urgência; V - assistência jurídica internacional; VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Associação Lationoamericana de Advocacias e Procuradorias de Estado (ALAP). Disponível em: <a href="about:blank">https://www.gov.br/agu/pt-br/assuntos-1/internacional</a> Acesso em: 20 de fevereiro de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> About the Unites States Department of Justice. Disponível em: <a href="about:blank">https://www.justice.gov/about</a> Acesso em 21 de fevereiro de 2021.

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JOTA

Impulsionando segurança jurídica e econômica na América Latina

Cooperação internacional entre advocacias de Estado

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