Vitor Veloso Barros e Santos

Homero Andretta Junior

A Advocacia-Geral da União (AGU) caracteriza-se como órgão de envergadura constitucional, prevista no artigo 131 da Constituição de 1988, em que lhe foi atribuída, diretamente ou através de órgão vinculado, a representação da União, judicial e extrajudicialmente, bem como as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal.
Tal competência, entretanto, não se limita a questões puramente nacionais e no âmbito interno do Estado brasileiro, mas que muitas vezes envolvem elementos de internacionalidade, demandando uma atuação especializada, não apenas perante o próprio foro nacional, mas que também, em determinadas situações, exigem uma atuação internacional dos membros da AGU.
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É preciso destacar que esta competência está ligada também aos artigos 21, I, e 84, VII, da Constituição, os quais determinam ser atribuição, respectivamente, da União e do presidente da República de manter relações internacionais com Estados estrangeiros, respeitada a subdivisão administrativa dos entes federados que compõem o Estado brasileiro, bem como a  própria representatividade do chefe do Poder Executivo, sob uma ótica da tripartição dos poderes.
São essas atuações além das fronteiras nacionais que se buscará brevemente tratar neste texto.
Para fins didáticos, um primeiro ponto precisa ser esclarecido quanto ao próprio conceito de advocacia internacional. Comumente, este ramo de atuação está relacionado a prestação de serviços jurídicos perante jurisdição estrangeira e nos mais diversos temas, dentre os quais se pode destacar questões ligadas às relações comerciais, de família, migratórias ou de nacionalidade. Todavia, não é este o conceito a que se busca tratar.
No campo do Direito Internacional, como se sabe, existem duas concepções distintas no que concerne às decisões tomadas fora do âmbito das competências do poder judiciário brasileiro: trata-se das decisões internacionais e as decisões estrangeiras. Estas derivam do exercício dos poderes de órgãos judiciários de países estrangeiros, no exercício da sua soberania para dirimir questões que entende ser de sua competência. Aquelas, por outro lado, são tomadas por cortes ou tribunais internacionais dotados de jurisdição própria, derivada de instrumentos ou convenções internacionais que lhe atribuem tal mister. Assim, neste texto, se buscará tratar da concepção de advocacia internacional quando da atuação dentro desta última concepção, ou seja, quando da defesa jurídica no âmbito das comissões, cortes ou tribunais internacionais <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A AGU conta com um departamento especializado para atuar nestes tipos de demandas, o Departamento de Assuntos Internacionais (DAI) da Procuradoria-Geral da União, que possui três núcleos distintos de atuação e onde melhor se poderá observar sua atuação interacional e em foro estrangeiro.
O primeiro núcleo, contudo, é justamente aquele responsável pela atuação nos processos judiciais da União na própria Justiça brasileira em casos que tratam de direito internacional. Trata-se do Núcleo de Controvérsias de Direito Internacional no Brasil (Nuint), ao qual compete, também, a atuação nas execuções de pedidos de cooperação jurídica internacional passiva, isto é, aquelas demandadas por outros países ao Brasil, e que sejam de interesse da União.
Na esfera da advocacia internacional, se encontra o Núcleo de Controvérsias de Direitos Humanos (Numan), o qual é responsável por analisar demandas referentes às questões de direitos humanos enfrentadas pelo Estado brasileiro no exterior, elaborando a defesa jurídica e participando de atos processuais que demandem intervenções dos advogados da União.
Hoje a maior parte dos trabalhos deste núcleo se concentra nas demandas ligadas ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), em casos perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas que também atua em outros sistemas como o da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
É preciso destacar que essa participação do Estado brasileiro nas comissões, cortes ou tribunais internacionais, como visto, se dá não na defesa propriamente da União Federal, mas na sua qualidade de ente com personalidade jurídica internacional, abarcando também situações em que estados e municípios estão indiretamente envolvidos nestas espécies de procedimentos.
Com efeito, perante organismos internacionais, são irrelevantes as divisões políticas e administrativas internas dos Estados. Assim, nos foros internacionais, há o pronunciamento da República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito público internacional, que responde pelos atos e omissões do Estado brasileiro, independentemente da origem do ato praticado ou questionado.
Para a atuação no âmbito do SIDH, principal campo de atuação do Numan, a AGU conta hoje com uma rede de cooperação com as procuradorias-gerais dos estados e do Distrito Federal, com a finalidade de promover o aprimoramento da atuação do Brasil. Trata-se da Rede-SIDH criada em 2017 e que é formada por representantes do departamento de Assuntos Internacionais da AGU e de cada uma das procuradorias-gerais dos estados e do Distrito Federal.
Por seu turno, quando da atuação diretamente em foro estrangeiro, é certo que cada Estado possui soberania para definir suas competências jurisdicionais, bem como as exigências para atuação profissional perante seu sistema jurídico. Assim, a capacidade postulatória é um tema decisivo para o trato da questão da atuação da AGU em foro estrangeiro.
No sistema jurídico brasileiro, a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é imperativo para o exercício da atividade de advocacia, sendo exigido também dos membros da AGU. Entretanto, em foro estrangeiro a atuação dos advogados da União esbarra nas exigências locais desta atividade profissional, de modo que apenas aqueles devidamente habilitados naquela jurisdição podem nela atuar.
O conhecimento do direito alienígena é outro óbice:  ele é ainda enraizado nos ditames locais e a atuação em foro estrangeiro não se confunde com o conhecimento do Direito Internacional em si.
Note-se bem: qualquer advogado especializado em Direito Internacional pode atuar num foro de controvérsias de Direito Internacional; diferentemente, apenas o advogado habilitado e com profundo conhecimento do direito interno num determinado país pode advogar perante os tribunais daquele país.
Embora existam dentro dos quadros da Advocacia-Geral da União membros graduados e habilitados para o exercício da advocacia no exterior, a efetiva defesa do Estado brasileiro perante jurisdição estrangeira demanda uma atuação extremamente especializada e com experiência profissional adequada para prestação do assessoramento jurídico necessária à consecução do interesse público subjacente. Imagine-se a dificuldade de se conhecer o sistema processual de outro país: os recursos cabíveis, os prazos, as teses aceitas na jurisprudência, dentre outros elementos. Ao revés, também é praticamente impossível para o advogado estrangeiro que não tenha habilitação perante a OAB e que não seja profundo conhecedor do sistema jurídico brasileiro, advogar no Brasil, sobretudo no contencioso.
Por tais razões, editou-se a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8894.htm">Lei n° 8.897/94</a> que trata da contratação de advogados e especialistas visando à defesa, judicial e extrajudicial, de interesse da União, no exterior, sendo realizada mediante prévia autorização do presidente da República. Ao advogado-geral da União, por meio do Decreto n° 7.598/2011, restou delegada a competência para autorizar a contratação de advogados e especialistas visando à defesa judicial e extrajudicial de interesse da União no exterior.
Assim, a atuação da AGU em foro estrangeiro se dá, portanto, por meio de escritórios de advocacia locais, que prestam o serviço perante aquela jurisdição. Nesta seara, entra em ação o terceiro núcleo do DAI, o Núcleo de Controvérsias em Foro Estrangeiro (Nuest) que auxilia a Secretaria-Geral de Administração da AGU a contratar os escritórios, promove e coordena a representação judicial do Brasil em tribunais estrangeiros. Neste ramo, também se aplicam as questões da subdivisão administrativa supracitadas, onde a contratação é feita pelo Estado brasileiro para representação jurídica em ação que envolva algum estado ou município brasileiro perante o judiciário de outras nações.
A atuação internacional e em foro estrangeiro demanda uma especialização equivalente aos interesses nela discutidos, muitas vezes ligados a questões sensíveis e estratégicos do Estado. A AGU tem se mostrado atenta a isso, e a criação e a estruturação de um departamento dedicado ao tema são reflexos dessa política atenta à uma internacionalização cada vez maior do direito e das relações jurídicas.
Note-se que outros países também adotam a mesma prática, justamente porque o advogado habilitado em sua jurisdição normalmente não está habilitado a atuar em outras jurisdições, ao passo que também lhe faltarão conhecimentos jurídicos aprofundados para litigar em jurisdição estrangeira.
Em suma, a preocupação existente é com um efetivo diálogo de jurisdições e a melhor defesa tecnicamente possível dos interesses da República Federativa do Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Embora não se desconheça que a atuação em comissões, cortes ou tribunais internacionais possa muitas vezes prescindir de intervenção propriamente de um advogado, sabe-se que essa participação é exercida na maioria dos casos um por nicho de advogados especializados no tema dos direitos humanos, produzindo todos os atos inerentes à essa atividade profissional, tais como petições, recursos e intervenções nos atos processuais na condição própria de advogado das partes.

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JOTA

Preocupação é com um efetivo diálogo de jurisdições e a melhor defesa tecnicamente possível dos interesses da União

A AGU na advocacia internacional e em foro estrangeiro

Preocupação é com um efetivo diálogo de jurisdições e a melhor defesa tecnicamente possível dos interesses da União