Viviane Muller Prado

Thiago Aloe de Macedo

A mudança do clima e transição para uma economia de baixo carbono deixaram de ser pautas exclusivamente de ambientalistas para ganhar espaço relevante na agenda de reguladores e participantes dos mercados financeiros e de capitais. Considerar riscos climáticos no financiamento da atividade econômica passou a fazer parte da solução para viabilizar a transição para uma economia sustentável.
Na pavimentação do caminho para a transformação, importam as informações sobre riscos climáticos divulgadas por relevantes agentes econômicos, bem como a clareza e transparência sobre metas, planos e resultados. Na manifestação The Road to Glasgow, Mark Carney, do Bank of England<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, indica três pontos a serem considerados na transição para uma economia de baixo carbono, sendo um deles o disclosure pelas companhias sobre os riscos climáticos em relatório específico sobre o assunto (climate financial reporting). Informação confiável e padronizada em standards globalmente aceitos tem o potencial para que os riscos climáticos sejam considerados em decisões de investimento, na formação de preço e permitam a análise comparativa dos riscos relacionados aos ativos financeiros.
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Este assunto não é novo na alta cúpula do poder em fóruns globais. A força-tarefa do Financial Stability Board - Taskforce on Climate-related Financial Disclosure (TCFD)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, em 2017, tornou pública uma série de recomendações para o disclosure de informações financeiras relacionadas com clima, que podem ser úteis à gestão de riscos, em especial, sob a perspectiva dos investidores e instituições financeiras.
Há também um enorme esforço de padronização das informações de relatórios de aspectos climáticos pela regulação privada. Como exemplos deste movimento pode-se citar a Net Zero Asset Owner Alliance, o Principles for Responsible Investment, a Climate Action 100+ e o Investor Group on Climate Change.
Apesar destes importantes movimentos para a exigência de informações consistentes e relevantes, há estudos que apontam uma baixa adesão às recomendações, sugerindo a necessidade de obrigatoriedade regulatória da divulgação de informações padronizadas e criadas a partir de critérios internacionalmente aceitos.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> Além disso, há sempre o risco das informações não refletirem as práticas dos agentes econômicos. Neste ponto, a clareza dos critérios para a elaboração dos relatórios pode servir para avaliar a atuação concreta, prevenindo a prática de greenwashing separando assim o joio do trigo.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
No contexto brasileiro, o assunto está avançando. Em setembro deste ano, o Banco Central deu seguimento na sua agenda de sustentabilidade (BC#), ao publicar o primeiro Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (RIS).<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Vale mencionar que também foram editadas normas que incorporam as recomendações da TCFD na regulação do Sistema Financeiro Nacional. Entre outras obrigações, as instituições financeiras deverão divulgar o Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC), com informações sobre governança e gestão dos riscos sociais, ambientais e climáticos. Interessante notar que, na regulação privada, a Febraban está puxando a agenda sobre critérios para a avaliação ao estabelecer o que chamou de “Taxonomia Verde”.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
No mercado de capitais, a discussão a respeito do disclosure de informações e produtos verdes começa a dar seus primeiros passos. Foi colocada em audiência pública a reforma na Instrução CVM 480, com alteração em alguns dos itens do Formulário de Referência de companhias de capital aberto, a saber: (i) fatores de risco; (ii) informações sobre os efeitos da regulação estatal sobre as atividades do emissor; e (iii) informações sobre políticas socioambientais. Estão ainda em audiência pública novas regras sobre FIDC Socioambiental e sobre Fiagro.
A inclusão da temática ESG (Environmental, Social e Governance) na reorganização dos itens do formulário pode também ser evidenciada pelo desmembramento de fatores de risco socioambientais em itens separados para questões sociais, ambientais e climáticas. Em segundo lugar, propõe-se a obrigatoriedade de indicação de se e como os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” enunciados pelas Organização das Nações Unidas são relevantes no contexto de seus negócios. Vale ressaltar que se trata de proposta que adota o modelo “pratique-ou-explique”.
Já outros mercados estão mais avançados, em especial os movimentos na União Europeia, com adoção de definições e diretrizes mais robustas. A exemplo desse comportamento, acaba definindo investimento verde como uma das formas de promover o financiamento sustentável. Introduz-se uma classificação comum e um conjunto de novas regras que tem por objetivo oferecer uma maior clareza tanto às empresas quanto aos investidores a respeito de quais atividades podem ser qualificadas como verdes ou sustentáveis.
Para além dessas medidas, a taxonomia da UE (EU/2020/852)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> fixa seis objetivos ambientais que estabelecem quais os critérios que qualificam determinado título de dívida, fundo ou qualquer outro produto financeiro como verde ou até mesmo sustentável, a saber: (i) mitigação das mudanças climáticas; (ii) adaptação às mudanças climáticas; (iii) uso sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; (iv) transição para uma economia circular; (v) prevenção e controle da poluição e (vi) proteção e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas. Fora esses seis objetivos, o ato legislativo coloca outros quatros requisitos que as atividades econômicas têm de cumprir para serem tidas como sustentáveis, sendo esses: (i) contribuir substancialmente para, pelo menos, um dos seis objetivos ambientais já citados; (ii) não prejudicar significativamente nenhum dos objetivos ambientais; (iii) cumprir critérios técnicos de avaliação estabelecidos pela Comissão Europeia; e (iv) exercer a atividade em conformidade com as salvaguardas mínimas colocadas pelo regulamento.
Com isso, os participantes do mercado financeiro bem como empresas com mais de 500 funcionários que vendem produtos intitulados como verde terão que divulgar como e de que forma suas atividades contribuem para o atingimento dos objetivos mencionados. Destaca-se que o mesmo vale para aqueles que não se apresentam como sustentáveis, devendo estar justificadamente indicado os motivos que expliquem o seu comportamento. Dessa forma, o objetivo da taxonomia é reduzir a fragmentação e falta de métricas claras para enquadramento das atividades, e em paralelo reduzir o greenwashing.
Desde 2015, a União Europeia também determina a divulgação de informações não financeiras (Diretiva 2015/95/EU) e prevê um Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (sigla em inglês, SFDR)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> que atinge participantes e consultores do mercado financeiro.  O SFDR exige que as empresas tomem suas decisões estratégicas sobre seu comportamento sustentável. No nível dos produtos financeiros, a regulação exige uma explicação de como os impactos ambientais são contabilizados e de como o investimento sustentável é alcançado, devendo ser incluída uma divulgação adicional a respeito do alinhamento com o Regulamento de Taxonomia da EU.
Fora essa estrutura, existe ainda uma série de diretrizes<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> que devem orientar a divulgação e o tratamento de informações relacionadas ao clima, sendo integradas as recomendações da TCFD, operando como um suplemento às outras estruturas já existentes. Em termos gerais, trata-se de guidelines que oferecem um detalhamento de como as empresas devem demonstrar os impactos das suas atividades considerando o âmbito climático.
No Reino Unido, foi anunciada recentemente a determinação de divulgação obrigatória de dados financeiros relacionados com mudança climática a partir de 2022 pelas companhias abertas listadas no mercado inglês, bancos e seguradoras, em linha com as recomendações da TCFD.<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>
A inclusão de métricas relacionados a temática ESG vem avançando também em outros países. Nos Estados Unidos<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>, com a administração Biden, o tema aparece na agenda dos reguladores dos mercados financeiros e de capitais, mas ainda em fase de discussão de reformas possíveis. Percebe-se uma preocupação e esforço de ampliação no que tange ao disclosure de informações e padronização de medidas.<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a> A SEC (Securities and Exchange Commission) conta com um comitê consultivo permanente de finanças sustentáveis que atuaria na orientação sobre questões financeiras que se relacionam à sustentabilidade responsável pelo fornecimento de análises, dados ou metodologias que contribuam para o desenho da taxonomia verde. Recentemente, em junho deste ano, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou o projeto de lei H.R 1187 relativo à Lei de Melhoria da Governança Corporativa e Proteção ao Investidor.
A nova legislação impõe que a SEC passe a atuar na definição das métricas ESG exigindo por parte das empresas de capital aberto a divulgação e descrição de como essas métricas atingem suas atividades. Até então, as empresas divulgam tão somente os riscos climáticos no caso de eles serem interpretados como riscos efetivamente relevantes para a decisão financeira.
A lei lança a obrigatoriedade de abordagem de alguns pontos cujos quais deverão ser abordados pelas empresas, sendo esses: (i) a identificação seguida da avaliação dos impactos financeiros das suas atividades que interferem de alguma maneira na mudança climática; (ii) uma descrição dos processos e estruturas de governança corporativa traçadas para identificação e gerenciamento dos riscos ligados ao clima; (iii) um detalhamento das ações e medidas para mitigação desses riscos; (iv) uma análise da resiliência e viabilidade da execução das estratégias; e (v) uma explicação de que forma o risco climático é enfrentado e incorporado nos planos de gerenciamentos de riscos.
Assim, nota-se que há medidas regulatórias e proposta de reforma em vários mercados, bem como manifestações de fóruns internacionais relevantes. Estão sendo buscados consensos a partir da criação de normas de origem estatal e privada, em nível internacional, transnacional e nacional, formando um quadro institucional e normativo fragmentado e complexo. Aliás, sobre este tema, sugerimos ao leitor o episódio do CapitalMarketTalks, “Finanças Sustentáveis: o papel do Direito”, organizado pelo Núcleo de Estudos em Mercados Financeiro e de Capitais (MFCap) da FGV Direito SP, com a participação de Rafaella Dortas (BTG), José Alexandre Vasco (CVM) e Guilherme Teixeira (Sitawi), e moderação de Viviane Muller Prado, disponível <a href="https://www.youtube.com/watch?v=n89H20d9sC0">aqui</a>.
Enfim, são grandes os desafios na criação de consensos sobre as métricas e a articulação de normas privadas e estatais, mas o tema está evoluindo para que informações sobre riscos climáticos alcancem as decisões de investimentos no mercado de capitais e sejam relevantes para alocação de crédito pelos mercados financeiros.
*Agradecemos Caio Borges pelos comentários ao texto
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CARNEY, Mark. The Road to Glasgow. Harvard Law School Forum on Corporate Governance. Disponível em: &lt;<a href="https://corpgov.law.harvard.edu/2020/03/12/the-road-to-glasgow/#more-127478">https://corpgov.law.harvard.edu/2020/03/12/the-road-to-glasgow/#more-127478</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> )CASWELL, Graham. G7 nations agree on mandatory climate-related disclosure. Green Central Banking. Disponível em: &lt;<a href="https://greencentralbanking.com/2021/06/08/g7-nations-mandatory-climate-related-disclosure/">https://greencentralbanking.com/2021/06/08/g7-nations-mandatory-climate-related-disclosure/</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Ceres. Cool Response: The SEC &amp; Corporate Climate Change Report SEC Climate Guidance &amp; S&amp;P 500 Reporting—2010 to 2013, Fev/2014. Disponível em: &lt;<a href="https://www.ceres.org/sites/default/files/reports/2017-03/Ceres_SECguidance-append_020414_web.pdf">https://www.ceres.org/sites/default/files/reports/2017-03/Ceres_SECguidance-append_020414_web.pdf</a>&gt;;  CONG, Yu. Mandated greendhouse gas emissions and required SEC climate change disclosures, Journal of Cleaner Production, vol. 246, Fev/2020. Disponível em &lt;https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0959652619339812#:~:text=The%20SEC%20interpretive%20release%20(2010,or%20other%20issues%20related%20to&gt;; BINGLER, Julia Anna; KRAUS, Mathias e LEIPPOLD, Markus, Cheap Talk and Cherry-Picking: What ClimateBert has to say on Corporate Climate Risk Disclosure, Disponível em ; &lt;<a href="https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3796152">https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3796152</a>&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Financial Times, Companies defy investor demands on climate change. Disponível em: <a href="https://www.ft.com/content/798f752a-5db1-498c-8d1d-6389b66f317d?emailId=5fabc236ade6360004b26a3e&amp;segmentId=a8cbd258-1d42-1845-7b82-00376a04c08f">https://www.ft.com/content/798f752a-5db1-498c-8d1d-6389b66f317d?emailId=5fabc236ade6360004b26a3e&amp;segmentId=a8cbd258-1d42-1845-7b82-00376a04c08f</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (Volume 1 Setembro 2021) do Banco Central do Brasil. Disponível em: &lt; <a href="https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorio-risco-oportunidade/relatorio_riscos_oportunidades_sociais_ambientais_climaticas_0921.pdf">https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorio-risco-oportunidade/relatorio_riscos_oportunidades_sociais_ambientais_climaticas_0921.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Taxonomia Verde. Febraban News. Disponível em : &lt;<a href="https://portal.febraban.org.br/pagina/3292/1103/pt-br/consulta-publica">https://portal.febraban.org.br/pagina/3292/1103/pt-br/consulta-publica</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> REGULAMENTO (UE) 2020/852 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO
de 18 de junho de 2020 relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável, e que altera o Regulamento (UE) 2019/2088. Disponível em: &lt;<a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex:32020R0852">https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex:32020R0852</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> REGULAMENTO (UE) 2019/2088 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO
de 27 de novembro de 2019 relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros. Disponível em: &lt;<a href="https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2019/2088/oj">https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2019/2088/oj</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponível em: <a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52019XC0620">https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52019XC0620</a>.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> UK to enshrine mandatory climate disclosures for largest companies in law. Gov.UK. Disponível em: &lt;<a href="https://www.gov.uk/government/news/uk-to-enshrine-mandatory-climate-disclosures-for-largest-companies-in-law">https://www.gov.uk/government/news/uk-to-enshrine-mandatory-climate-disclosures-for-largest-companies-in-law</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> ALVES, Gabriele. Lei que inclui métricas ESG avança nos Estados Unidos. Instituto brasileiro de governança corporativa. Disponível em: &lt;<a href="https://ibgc.org.br/blog/lei-estados-unidos-metricas-ESG">https://ibgc.org.br/blog/lei-estados-unidos-metricas-ESG</a>&gt;. Acesso em 08 de nov. de 2021.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Em junho desse ano a Câmera dos Deputados dos Estados Unidos aprovou o projeto de lei H.R 1187 relativo à Lei de Melhoria da Governança Corporativa e Proteção ao Investidor. Disponível em: <a href="https://www.congress.gov/bill/117th-congress/house-bill/1187/text">https://www.congress.gov/bill/117th-congress/house-bill/1187/text</a>

riscos climáticos disclosure

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JOTA

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Riscos climáticos e disclosure nos mercados financeiros e de capitais

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