Viviane Muller Prado

Ezequiel Fajreldines dos Santos

Marcos Galileu Dutra

Ana Paula Ribeiro Nani

Marianna B. Diaz M. de Oliveira

Em continuidade a nossa <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/disclosure/alem-dos-numeros-da-cvm-enforcement-no-mercado-de-capitais-brasileiro-08042021">coluna anterior</a>, na qual apresentamos os resultados da atividade sancionadora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2020, neste artigo exploramos a atuação do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN).
O CRSFN é a última instância administrativa decisória para os ilícitos praticados no mercado de capitais brasileiro. A atividade punitiva da CVM submete-se à sua reanálise nos casos em que há recurso voluntário dos condenados pela autarquia. Nesses casos as condenações impostas pela autarquia podem ser atenuadas ou invalidadas pela segunda instância administrativa.
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Este texto traz informações sobre as decisões do CRSFN em julgamentos de 2020, cujas decisões recorridas foram lançadas na CVM. O olhar para a segunda instância possibilita compreender melhor a atividade sancionadora em sua completude e refletir como o CRSFN participa da dinâmica da atividade punitiva no mercado de valores mobiliários brasileiro.
Observando o número de julgamentos do CRSFN em 2020 de recursos originários da CVM, nota-se que, ao contrário do que ocorreu para a autarquia, a pandemia parece não ter impactado a sua produtividade. Em 2020, foram julgados 52 casos, envolvendo pedidos relativos a 220 interessados, número maior do que o registrado no ano anterior, quando foram julgados 39 processos, relacionados a 132 interessados.
Recurso de Ofício 
Apesar de o recurso de ofício (existente quando há determinação de arquivamento na primeira instância) ter sido extinto pelo Decreto n.º 8.652/2016 e pela Portaria n.º 68/2016, ele apareceu nas decisões do CRSFN em 2020, ainda que em pequeno número. Esses recursos  foram encontrados em três casos - que também contam com recursos voluntários - e envolvem 46 recorridos.
Em um caso, as absolvições de dois recorridos foram modificadas para penas pecuniárias de R$ 500.000,00 - curiosamente, a pena pecuniária máxima prevista na Lei n.º 6.385/1976 (descontadas as hipóteses de cálculo da penalidade com base o valor da operação, por exemplo). Esse julgamento ocorreu em um caso relativamente complexo, que envolveu abuso de mercado (práticas não equitativas) e problemas na administração de fundos de investimento (processo SEI n.º 10372.000502/2016-31, IA CVM n.º 08/2004). Todos os demais recorridos não tiveram a sua situação alterada.
Recursos voluntários
Na análise feita pelo MFCap dos temas dos julgamentos, a pesquisa aponta que a maior parte dos 52 casos versa sobre questões societárias (16), deveres de intermediários (15), ilícitos de mercado (5) e problemas informacionais (5). Essa composição é um pouco diferente dos 63 casos julgados pela CVM ao longo do ano, cujos principais temas foram questões societárias (17), ilícitos de mercado (15), oferta pública sem registro (10) e administração de carteiras (5).
A diferença possivelmente se justifica pelo tempo de tramitação do recurso e pelo prazo de análise no CRSFN. Assim, ainda que exista um esforço na redução desse tempo total, é inevitável que as questões vistas pela autarquia cheguem à segunda instância depois de decorrido algum tempo do julgamento originário.
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Desses 52 casos, em 33 os recursos não foram providos e, em um deles, sequer foi conhecido. Nos demais 18 casos, houve modificação da penalidade aplicada pela CVM por provimento parcial ou integral do recurso, ou extinção da punibilidade por conta do falecimento do recorrente.
Nos 52 casos, há 178 recorrentes, que se distribuem pelos temas conforme o Gráfico 02 abaixo.
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<blockquote class="jota-article__eye">A pesquisa revela que a maioria dos recorrentes acessaram a segunda instância administrativa para a nova apreciação de casos sobre questões societárias, ilícitos de mercado e deveres de intermediário.</blockquote>
Para as questões societárias, a exemplo do que se observa na primeira instância, não é incomum que em um mesmo processo apareça grande número de recorrentes, uma vez que, em especial em casos sobre a responsabilidade de administradores, envolvem decisões de órgãos decisórios colegiados, como os conselhos de administração ou os conselhos fiscais.
Resultados
Em 2020, os 178 recorrentes atacaram 219 decisões condenatórias da CVM. Essa diferença nos números se dá em razão de alguns recorrentes terem sofrido - e apresentado recurso - em face de mais de uma condenação em um mesmo caso.
Em 2020, pelos dados analisados, verifica-se em quase 65% dos pleitos o CRSFN não reformou as decisões punitivas da primeira instância, conforme se vê no gráfico a seguir:
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Ao olharmos os resultados dos julgamentos do CRSFN considerando os temas dos recursos, encontramos os números expostos na Tabela 01 abaixo:
Tabela 01. Resultado dos julgamento do CRSFN por recorrente de casos originários da CVM - 2020
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A partir dos dados de 2020, é possível notar que o número de reformas varia conforme a natureza da irregularidade. Quando o assunto é ilícitos de mercado, em mais da metade dos pedidos houve provimento parcial. Em casos que versam sobre direito societário, o percentual de provimento parcial cai para quase 30%. A discrepância sugere que o desalinhamento de interpretações entre o órgão julgador da CVM e o CRSFN pode variar conforme o tema em questão, o que poderá ser confirmado com a continuidade dessa ocorrência nos próximos anos.
 Reforma nos recursos voluntários
A maior parte das alterações resultantes dos recursos voluntários reduziu o montante de penas pecuniárias (44) ou as converteu em obrigações não-pecuniárias (20). Já em relação às penas não pecuniárias aplicadas pela CVM, há dois casos em que a advertência foi modificada para absolvição, e um caso no qual múltiplas advertências foram reduzidas para apenas uma. Os números aparecem organizados na Tabela 02 abaixo:
Tabela 02. Reformas nos julgamentos do CRSFN originários da CVM - 2020
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Essas decisões levaram a uma diminuição sensível no montante total resultante de condenações pecuniárias impostas pela CVM: nos casos nos quais houve reforma, o montante das obrigações foi reduzido de R$ 69,0 milhões para R$ 4,9 milhões.
 Principais resultados
A partir do levantamento do MFCap relativo aos dados de 2020, verifica-se que o CRSFN não é um órgão que reforma facilmente as decisões de primeira instância, pelo menos no que diz respeito a casos oriundos da CVM. Em menos de 2% dos casos houve reforma total e em pouco mais 30% dos casos analisados houve provimento parcial.
Além disso, nem sempre a mudança ocorre para amenizar a situação dos regulados. No estoque de recursos de ofício, verificaram-se duas situações com reforma para agravar a situação do investigado, em especial para converter a absolvição em multa. Por outro lado, em recursos voluntários, isto é, naqueles onde necessariamente a CVM aplicou algum tipo de penalidade, a reforma serviu para reduzir o valor da multa ou modificar a penalidade para advertência.
O CRSFN, como órgão paritário com função de última instância administrativa decisória, merece estudo e pesquisas mais aprofundadas para a melhor compreensão da sua participação da dinâmica do sistema de enforcement no mercado de capitais brasileiro. O MFCap dará continuidade ao exame dos resultados colhidos para o ano de 2021, de forma a completar um quadro mais apurado da atuação do órgão, com um horizonte temporal mais longo. Os resultados serão apresentados nesta coluna e nos demais meios de divulgação habitualmente utilizados pelo MFCap. Sugestões para essa atividade serão muito bem-vindas!
Este artigo e as opiniões nele contidas não refletem necessariamente as posições da Fundação Getúlio Vargas, da Comissão de Valores Mobiliários e de outras instituições com as quais os autores tenham vínculos.
Esclarecimento metodológico
É importante explicar a metodologia da pesquisa, que se limitou aos casos oriundos da CVM. As informações foram coletadas das atas dos julgamentos do CRSFN, que ocorrem mensalmente. Essa opção foi adotada porque o inteiro teor das decisões nem sempre é de fácil acesso ou não se encontra publicado no momento da coleta das informações. O levantamento ocorreu de janeiro a abril de 2021. O contraponto é que, na ausência de acórdão publicado, as informações disponíveis são sucintas, o que impede uma análise profunda da fundamentação.
Para organizar as informações dos julgamentos do CRSFN, consideramos cada processo julgado como um caso, desconsiderando os julgamentos que não resultaram em decisões de mérito (como julgamentos de embargos de declaração ou casos retirados de pauta). Neste artigo, realizamos as considerações relativas aos recursos de ofício em separado e de forma breve, dado que esses recursos estão reunidos em apenas três casos e resultaram na alteração de somente duas absolvições. Por fim, recorrentes podem reclamar de uma ou mais condenações atribuídas a eles, uma vez que, em um mesmo processo, pode haver mais de uma imputação (e correspondente pena) para uma mesma pessoa.
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Plenário do CRSFN/Conselhinho Foto: Guilherme Pimenta

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JOTA

Em 2020, foram julgados 52 casos, envolvendo pedidos relativos a 220 interessados

Como decidiu o CRSFN sobre questões do mercado de valores mobiliários em 2020?

Em 2020, foram julgados 52 casos, envolvendo pedidos relativos a 220 interessados