Lie Uema do Carmo

Em 1975, James C. Freund publicou “Anatomy of a Merger – Strategies and Techniques for Negotiating Corporate Acquisitions”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Advogado experiente de um renomado escritório norte-americano, Freund apresentou, em narrativa de tom leve, agradável, quase jornalística, os bastidores e técnicas para a negociação em M&amp;A.
Freund revisitou sua obra – que já tinha se tornado um clássico – dez anos mais tarde. Sentiu a necessidade de tratar dos temas e problemas surgidos em seu país no período. O foco do exame centrou-se em um mundo negocial à parte, não tratado anteriormente por ele: as aquisições hostis.
O M&amp;A havia mudado drasticamente em uma década. O ritmo de realização e consumação das transações foi acelerado; os modelos das operações mudaram; as formas de pagamento passaram a ser híbridas, combinando dinheiro e ações; as questões regulatórias ganharam ainda mais peso e aumentaram a complexidade das transações<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Outro aspecto fundamental havia se transformado: a perspectiva dos atores. Antes, por exemplo, o rol de preocupações dos advogados era quanto a extensão, adequação, completude e suficiência das declarações e garantias e das covenants. O olhar era para dentro.
Mas, no mundo das aquisições hostis, o olhar passou a incluir, a ser direcionado também para fora. Interessava, para fins negociais e jurídicos, o que potencialmente ocorreria no universo de eventuais competidores do processo de M&amp;A. Neste universo, além de recursos abundantes, havia agressividade negocial. Transmitindo o refinado senso de humor marcante de sua escrita, Freund assim definiu o cenário: “– It’s a jungle out there!”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Neste cenário, habilidosos atores elaboraram e implementaram estratégias para “consumar o negócio” com a maior segurança e brevidade possível. Coube aos advogados de M&amp;A elaborar termos e condições para incentivar determinados comportamentos das partes envolvidas, e desincentivar movimentos de terceiros. Ganharam relevância as chamadas “termination fees”, “break-up fees” ou “walk-away fees”, “topping fees” e “reverse break-up fees”. Elas passaram a compor o arsenal das chamadas medidas defensivas em aquisições hostis, inclusas nos contratos de M&amp;A.
Em suas formulações usuais, as “fees” citadas nada mais são, em nosso ordenamento, do que cláusulas penais compensatórias. Via de regra, elas estipulam antecipadamente os danos a serem indenizados, que variam de simples despesas diretamente relacionadas ao negócio (i.e. advogados, assessores financeiros, auditoria contábil, financeira, técnica, operacional etc.) até despesas indiretas e custos de oportunidade (i.e. oportunidades de negócio perdidas, tempo etc.).
Embora note-se variações em sua utilização, a “break-up fee” ou “walk-away fee” representa penalidade pecuniária pré-fixada, estipulada para ambas ou apenas uma das partes, em caso de término.
A “topping fee” é uma penalidade paga pela sociedade alvo para o adquirente, aplicável no término do contrato, caso terceiro venha a adquirir a participação em disputa. A penalidade é diferença (ou um percentual da diferença) entre a proposta do adquirente original e a proposta vencedora de terceiro. O propósito é dúplice: além de reembolsar o adquirente frustrado, busca desincentivar a ação de terceiro, ao aumentar o valor a ser desembolsado pelo terceiro competidor (vez que a penalidade se torna um passivo da sociedade alvo). Ela pretende também desincentivar as chamadas “propostas inconvenientes”, de montantes apenas marginalmente superiores aos do adquirente original.
A “reverse break-up fee”, “reverse termination fee” ou ainda “bidder termination fee”, por sua vez, é aquela paga pelo comprador para a sociedade alvo, caso o comprador exerça sua faculdade de terminar o contrato.
Começa-se a observar, no universo de M&amp;A envolvendo companhias abertas brasileiras, a presença recorrente de “termination fees”. Notícias apontam a presença de tais cláusulas no contrato celebrado entre os fundadores da Linx e a Stone, bem como entre Avon e Natura, Boeing e Embraer, Fibria e Suzano, dentre outros M&amp;As recentes<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Chama atenção os montantes aparentemente elevados de tais penalidades, se comparados aos valores do mercado norte-americano.
Uma das lições de Freund é que existe uma linha contínua e que se retroalimenta entre aquisições negociadas e aquisições hostis. Mas há diferenças importantes entre elas, que não podem ser ignoradas. O M&amp;A brasileiro é muito experiente em aquisições negociadas, mas proporcionalmente pouco em aquisições hostis.
As “termination fees” são, atualmente, quase onipresentes quando o alvo é uma companhia aberta (norte-americana, por óbvio)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. Porém, elas são raras em transações cujo alvo são companhias fechadas. Em ambos cenários, os montantes são bastante distintos e alteraram-se ao longo dos anos.
Em 1989, apenas 2% dos M&amp;As envolvendo companhias abertas continham “break-up fees”. Em 2008, 87,5% dos negócios continha tais cláusulas e a média dos percentuais girava em torno de 3.4% do valor da transação<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Mas o tempo alterou tais percentuais.
A título de exemplo, nas operações realizadas entre 2015 e 2017, nas quais o adquirente era um fundo de private equity e a alvo era uma companhia aberta norte-americana, os percentuais foram significativamente menores.
Para transações em que o enterprise value superava US$ 500 milhões, a média/mediana foi de 2.4% do valor do negócio (contra 3.2% para os anos de 2013-2014). Em transações em que o enterprise value era entre US$ 100-500 milhões, entre 2015-17, a média das “break-up fees” foi de 3.1% (mediana de 3.2%), uma queda de 0.4% nas médias e medianas em comparação a 2013-2014<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
A pesquisa “2020 Deal Terms Study”, publicado pela SRS Acquion, examinou 1.200 operações de M&amp;A de companhias norte-americanas fechadas. Em 2019, nota-se mais um ano de declínio desde 2017 da utilização de tais cláusulas<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Das operações fechadas em 2019, apenas em 12% dos casos existia “termination fees” (9% pagos pelo vendedor e 3% pelo comprador). Nestas operações, os montantes chegavam a mediana de 5.5% (média de 5.2%) do valor do negócio para aquelas pagas pelo comprador e 4% pelo vendedor (média de 5.8%).
<blockquote class="jota-article__eye">Tais diferenças parecem-nos especialmente significativas para países como o nosso, que espelham suas práticas de M&amp;A no modelo norte-americano e ora enfrentam o desafio de lidar com os problemas decorrentes, como a interpretação de termos e condições consoante seu próprio ordenamento.</blockquote>
Como se vê das pesquisas acima, há dois universos diferentes a se considerar para se refletir sobre a razoabilidade das “termination fees”, o das companhias abertas e o das fechadas, utilizando-se por comparação o cenário de M&amp;A norte-americano.
Os percentuais utilizados no Brasil são em muito superiores. Como explicar percentuais tão elevados? Em quais contextos estão os M&amp;As de companhias brasileiras que fixaram tais montantes? Por que houve a fixação de tais montantes em operações sujeitas à legislação norte-americana se lá já houve a sinalização de serem tais penalidades consideradas excessivas, se superarem 3%? Em havendo uma disputa, seriam tais cláusulas consideradas lícitas e razoáveis no ordenamento pátrio? À luz do caso concreto, poderia o juiz reduzi-las por “manifestamente excessivas” (art. 413 do Código Civil) ou por haver desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (art. 944)?
Sem dúvida, há um racional próprio para processos competitivos que justifica medidas protetivas. Mas seria esse racional aplicável a estruturas de capital que não fossem pulverizadas ou dispersas? A processos amistosos, não competitivos? Nos quais não há adquirentes de bolso fundo ou nos quais fundos de private equity já estejam no controle? Qual a estrutura de capital das sociedades envolvidas? Quais são os eventos que dariam ensejo ao direito de terminar o contrato? Quais são, em cada caso, os riscos alocados entre players tão sofisticados e que constam das “termination fees”? Em nosso entendimento, tais elementos hermenêuticos são fundamentais para se determinar a validade, a licitude e a eficácia de tais cláusulas.
Sabe-se que o elevado montante da “termination fee” busca sinalizar a seriedade e firmeza do acordo celebrado, ainda que sujeito a várias condições. Sabe-se também que há inúmeros impactos de difícil mensuração caso uma transação não seja realizada, como perda de capital humano, de clientes, e dados sigilosos.
Os elevados percentuais praticados no Brasil talvez representem nossas primeiras vivências em processos competitivos árduos, a serem testados nos tribunais e nas câmaras arbitrais. Cláusulas penais por término não representam novidade em contratos regidos pela legislação brasileira. Mas o universo de reiteradas aquisições hostis representa sim uma novidade, com todas as suas peculiaridades. Talvez tenha chegado a hora de conhecermos mais as características da nossa “selva”.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Freund, James C. Anatomy of a Merger – Strategies and Techniques for Negotiating Corporate Acquisitions. New York: Law Journal Press, 1975.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Freund, James C. A Turbulent Decade for Deals: Anatomy of a Merger Revisited. New York: Law Journal Press, 1975, supplement, p. 3 e ss.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Freund, James C. A Turbulent Decade for Deals: Anatomy of a Merger Revisited. New York: Law Journal Press, 1975, supplement, p. 7.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Ragazzi, Ana Paula. “Acordo chama atenção para multas elevadas”. Jornal Valor Econômico, 21.08.2020, disponível em: &lt;https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/08/21/acordo-chama-atencao-para-multas-elevadas.ghtml&gt;.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Wolf, Daniel E. “Undressing the No-Vote Fee”, Jan 5, 2020, disponível em: &lt;https://corpgov.law.harvard.edu/2020/01/05/undressing-the-no-vote-fee/&gt;.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Houlihan Lokey, 2012 Transaction Termination Fee Study, p. 6, disponível em: &lt;https://www.hl.com/email/pdf/2012-HL-transaction-termination-fee-study.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Schulte Roth &amp; Zabel, Private Equity Buyer/Public Target M&amp;A Deal Study 2015-2017 Review and Comparative Analysis, 2020, p. 2 e seguintes, disponível em: &lt;https://www.srz.com/images/content/1/5/v4/159733/PE-M-A-DealStudy-2017-FINAL-web.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> SRS Acquiom MarketStandard, 2020 M&amp;A Deal Terms Study, May 2020, disponível em: &lt;https://www.srsacquiom.com/resources/2020-ma-deal-terms-study/&gt;.

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Termination Fees: 'It’s a jungle out there!'

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