Giovani Trindade Menicucci

Ao longo dos anos, a atividade sancionadora da administração pública ganhou espaço e protagonismo no cenário brasileiro. Embalada por grandes operações de combate à corrupção, a Lei de Improbidade Administrativa passou a ser largamente aplicada e, nessa mesma proporção, questionada pela doutrina e jurisprudência<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Apesar disso, questões como a responsabilidade dos administradores de empresas estatais por decisões colegiadas ainda carecem de maior debate e aprofundamento.
<div id="pro-poder-c9be31516b66ee6ab567" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('pro-poder-c9be31516b66ee6ab567', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
Embora a tomada de decisões por parte da alta administração das empresas estatais seja feita de forma colegiada, a doutrina especializada ainda trata a questão da estrutura organizacional de forma lateral<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, sem se aprofundar na questão dos órgãos colegiados e a forma pela qual as deliberações plurissubjetivas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> são gestadas e conduzidas.
O tema ganha relevância porque o papel exercido pelos órgãos colegiados dentro da estrutura organizacional das empresas estatais, aliado ao regime jurídico aplicável, é fundamental para uma correta delimitação da responsabilidade desses agentes.
Embora as decisões individuais possam ser mais ágeis, há, no campo da colegialidade, espaço para o debate e o aperfeiçoamento de ideias, o que permite que múltiplas questões sejam suscitadas pelos seus integrantes. O emprego da dialética favorece a construção de soluções mais amplas, pois congrega conhecimentos e pontos de vista próprios de cada agente.
A colegialidade, contudo, não pressupõe que os membros colaborem de forma idêntica no processo de análise e decisão de determinado tema. Embora as posições funcionais de cada dirigente estejam equiparadas na estrutura colegial, em alguns casos é possível verificar a existência de heterogeneidade técnica inerente à complexidade da estrutura empresarial.
<blockquote class="jota-article__eye">Outro aspecto fundamental é a segregação de funções existente dentro de cada órgão colegiado. Somados, esses elementos podem influenciar diretamente na responsabilização dos seus integrantes.</blockquote>
Não podemos perder de vista que a correta delimitação da responsabilidade dos administradores por atos colegiados deve ser capaz de proteger o bom gestor, que atua de boa-fé em busca do melhor interesse da empresa<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Por outro lado, a conduta desonesta do agente público, qualificada pela má-fé, deve atrair a incidência das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Seria desproporcional que as sanções previstas na LIA fossem aplicadas a atos meramente irregulares ou de pouca relevância. Também seria incabível a responsabilização objetiva<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, em que não se indaga sobre as intenções e sobre a evitabilidade do fato, uma vez que isso impediria que o sujeito conhecesse antecipadamente a conduta proibida, tipificada em regras claras, gerais e abstratas.
Diante disso, o princípio da culpabilidade ganha substancial protagonismo no âmbito do Direito Administrativo Sancionador<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. A exigência de culpabilidade para a imposição de sanções permite ao agente não apenas evitar o seu cometimento, mas também mudar o seu comportamento, de maneira a se alinhar ao comando da norma jurídica.
É preciso que os administradores tenham clareza sobre os riscos aos quais estão sujeitos, o que só é possível a partir da definição de critérios delimitadores de sua responsabilidade.
Dentro de um contexto de segregação de funções e de estrutura empresarial complexa, a intenção do administrador da empresa estatal na tomada de decisões é crucial para a delimitação de sua responsabilidade, especialmente quando se trata de decisão colegiada. Do contrário, acabaríamos estimulando a criação de um efeito dissuasório aos administradores honestos, que poderiam ser responsabilizados pelo risco de falhar.
Nos casos em que o ato questionado decorre de uma deliberação colegiada, tomada por diversos agentes investidos na função pública e com competências e responsabilidades distintas, há que imperar o “realismo” e o “consequencialismo” trazidos pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Para isso, é necessária a individualização da conduta dos agentes envolvidos, sob pena de não se verificar adequadamente a culpabilidade, impondo-se responsabilidade objetiva aos agentes. Sem a adequada individualização das condutas, é possível que alguns administradores sejam responsabilizados tão somente em razão dos cargos que ocupam, e não de sua efetiva culpabilidade.
As alterações promovidas pela LINDB, voltadas à interpretação da Lei de Improbidade Administrativa, mostram-se em sintonia com a exegese das Leis 6.404/1976 e 13.303/2016. Dessa forma, mesmo no caso de decisão tomada de forma colegiada, a responsabilização deve ser realizada de forma individualizada e atenta à culpabilidade de cada agente.
&nbsp;
<hr />
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-administrativo-sancionador/direto-administrativo-sancionador-passado-presente-e-futuro-24092020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-administrativo-sancionador/direto-administrativo-sancionador-passado-presente-e-futuro-24092020</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BORDALO, Rodrigo. Op. cit., p. 152. Rodrigo Bordalo aponta que a Constituição de Portugal contempla diversos princípios de organização, sendo este tema palco de discussão por parte da doutrina daquele país.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 265. Patrícia Baptista ressalta que os as instâncias deliberativas pluripessoais surgiram como “alternativa à imperatividade e à unilateralidade”, buscando a ideia de consenso.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Segundo Juliana Palma, “a legislação não tutela o gestor público honesto. Gestores públicos honestos, que arrisco afirmar serem a maioria na Administração Pública, constrangem-se em tomar decisões inovadoras ou que contrariem orientações controladoras simplesmente porque discordam da interpretação dada pelos controladores” (PALMA, Juliana Bonacorsi. A Proposta de lei da segurança jurídica na gestão e do controle públicos e as pesquisas acadêmicas. Disponível em: &lt;http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2019/06/LINDB.pdf&gt;. Acesso em: 28 de dezembro de 2020).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> FERREIRA, Vivian Maria Pereira. O dolo da improbidade administrativa: uma busca racional pelo elemento subjetivo na violação aos princípios da Administração Pública. Revista de Direito GV [online], 2019, v. 15, n. 3, 2 dez. 2019. Disponível em: &lt;http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/80715&gt;. Acesso em: 03 de abril de 2020.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 370 e 372.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> DIONISIO, Pedro de Hollanda. O direito ao erro do administrador público no Brasil: contexto, fundamentos e parâmetros. 1. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2019, p. 34.

Caixa

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O desafio de individualizar condutas em um contexto de decisões colegiadas

Responsabilização de dirigentes de empresas estatais

O desafio de individualizar condutas em um contexto de decisões colegiadas