Luzardo Faria

Felipe Klein Gussoli

<p>Durante a pandemia da Covid-19 a importância de normas que tragam maior segurança jurídica para a aplicação do Direito Administrativo Sancionador tornou-se ainda mais evidente. Assim é que em 14/05/2020 foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 966, que dispôs <em>“sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da COVID-19</em>”. A MP preceituava que os agentes públicos seriam responsabilizados – seja na esfera cível, seja na esfera administrativa – por ações ou omissões relacionadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública ou no combate aos efeitos econômicos e sociais da COVID-19 se atuassem com dolo ou erro grosseiro.</p>
<p>Mas a MP não foi convertida em lei mesmo após prorrogação de sua análise no Congresso Nacional, e nos termos do art. 62, § 3º da Constituição Federal perdeu a eficácia em 10/09/2020.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Essa aparente lacuna para tema tão relevante tem gerado preocupações nas Administrações Públicas dos Estados, Municípios e na esfera federal. Afinal, elas têm sido o palco de grandes debates acerca dos impactos e das novidades trazidas pela Covid-19.<br />
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>É a função administrativa que decide sobre o exercício do poder de polícia (como, por exemplo, para impor o isolamento social e fechamento do comércio, escolas e igrejas), sobre dispensa de licitação, sobre as formas de reequilibrar a equação econômico-financeira de contratos administrativos, entre diversos outros temas de gestão pública fortemente impactados pela pandemia. Na ausência de lei específica, essas discussões florescem um ambiente de incerteza jurídica, especialmente para os agentes públicos quanto à sua eventual responsabilização pessoal pelas decisões que tomarem durante a pandemia.</p>
<p>Todavia, essas preocupações merecem ser atenuadas, pois parecem não ter respaldo. Primeiro, porque sem que o Congresso tenha expedido decreto legislativo para regular o que se passou durante a vigência da MP, suas regras se aplicam validamente para atos cometidos por agentes públicos entre 14/05/2020 e 10/09/2020. Segundo, porque para o período fora do lapso de vigência não há de fato lacuna no regramento de responsabilização, uma vez que a MP pouco (ou nada) inovou na ordem jurídica, limitando-se a repetir dispositivos e noções já previstas na legislação.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Quer dizer, a perda de eficácia da MP 966 não trouxe mudanças significativas na análise da responsabilização de agentes públicos por ilícitos cometidos durante a pandemia de COVID-19, que se alastra por 2021 com denúncias cada vez mais graves, como por exemplo a de recentes desvios de cilindros de oxigênio no Estado do Amazonas.</p></blockquote>
<p>À luz de outras normas vigentes atualmente e desde pelo menos 2018, a MP 966 não trouxe inovações substanciais ao sistema jurídico de responsabilização dos agentes públicos. Seu art. 1º era cópia pouco mais detalhada e contextualizada para a COVID-19 do art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), inserido pela Lei nº 13.655/2018: “<em>Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”</em></p>
<p>Mesmo a definição de erro grosseiro contida no já ineficaz art. 2º da MP era indiscutivelmente espelhada no art. 12, §1º do Decreto Federal nº 9.830/19, que regulamenta a LINDB. O art. 3º da MP, por fim, possuía a mesma essência do art. 22 da LINDB, regulado pelo art. 8º do Decreto nº 9.830/19: “<em>Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados</em>.”</p>
<p>Portanto, as recentes preocupações com o risco de insegurança para responsabilização de agentes públicos envolvidos com desmandos e corrupção durante a pandemia são descabidas, posto que do ponto de vista jurídico não havia sequer razões suficientes para a edição da MP 966. Talvez, apenas, a ideia de trazer uma proteção mais clara e específica para os agentes públicos que estão sendo obrigados a tomar decisões complexas durante a pandemia.</p>
<p>De todo modo, a perda de sua eficácia não gera reflexos negativos para responsabilização em ações criminais, de improbidade ou em processos administrativos. E, do ponto de vista político, encerra as críticas daqueles que discordavam da conversão da MP em lei sob o fundamento de que teria sido editada apenas para proteger certos políticos das repercussões das decisões que vêm tomando nesse tão tumultuado período de nossa história.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a></p>
<p>Ao final, retorna-se à LINDB. Espera-se que as normas nela introduzidas pela Lei nº 13.655/18 sejam observadas pelos órgãos controladores, com punição dos que agem com dolo e erro grosseiro, e separando-os dos gestores públicos bem intencionados.</p>
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}, 3000);
</script><br />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Diário do Congresso Nacional nº 41 de 2020, pág. 9.</p>
<p class="jota-article__reference"><a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Assim que publicada a MP, diferentes entidades e partidos públicos ingressaram com medidas judiciais no Supremo Tribunal Federal para ver declarada a inconstitucionalidade da norma. Trata-se das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6421, 6422, 6425, 6427, 6428 e 6431, que perderam o objeto.</p>


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JOTA

Perda de eficácia da MP 966 não trouxe mudanças significativas na responsabilização de agentes públicos

Responsabilidade de agentes públicos por atos praticados durante a pandemia

Perda de eficácia da MP 966 não trouxe mudanças significativas na análise da responsabilização de agentes públicos por ilícitos cometidos