Samantha Chantal Dobrowolski

<a href="applewebdata://B3B4434E-C35E-40C1-BE91-33200663C0D9#_ftn1" name="_ftnref1"></a>
A busca da eficiência que, há décadas, difunde-se pelo imaginário de cultores da boa gestão - especialmente na esfera privada, mas também crescente no discurso público -, tem alcançado notável impulso com a intensificação do reconhecimento, por questões pragmáticas, quando não propriamente conceituais, da imperiosa necessidade de adoção de mecanismos alternativos de solução de conflitos e controvérsias jurídicas, sobretudo os de caráter consensual, devido à excessiva judicialização, incapaz de fornecer maior celeridade resolutiva.
Neste cenário, a adaptação normativa crescente na última década no Brasil segue o rumo da valorização de soluções negociais para questões sensíveis, incluindo-se, neste rol, tanto os casos penais quanto as causas afetas a âmbitos antes intocados por acordos, como é o domínio sancionador da improbidade administrativa.
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Estabelecida esta premissa, para o restrito propósito do presente escrito, convém lembrar, de início, que o microssistema normativo pátrio que rege o âmbito de tutela da probidade administrativa ou anticorrupção engloba diversos diplomas legais, disciplinadores das consequências jurídicas de práticas corruptas, notadamente as sanções estatais produzidas em distintas esferas de responsabilização, na esteira da tradição brasileira, que confere a órgãos ou entes públicos, com diferentes atribuições, as tarefas de controle e apenamento de ilícitos, sob a forma de múltipla incidência punitiva. Assim, com trânsito desde o campo administrativo, passando por interesses regulatórios, avançando para medidas civis ou extrapenais, como os domínios fiscais, da improbidade administrativa e da responsabilização política de cunho não criminal, chegando ao âmbito penal mais gravoso, as distintas fórmulas de sancionamento jurídico devem ser aplicadas de forma harmônica e a sua coexistência racional, interdependente e equilibrada é o que permite a extração da máxima efetividade do regime legal de regência e da atuação estatal na matéria de repressão a desvios, abusos e irregularidades.
Neste cenário, com a ampliação normativa das hipóteses autorizadoras de celebração de acordos na esfera penal, não foi mais possível, por exigências de isonomia e coerência sistêmicas, desautorizar idêntica possibilidade na esfera do Direito Administrativo Sancionador, incluindo-se aí o domínio da improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992 e dispositivos aplicáveis da Lei nº 12.846/2013), o que foi enfrentado, de modo pioneiro, no interesse das investigações em curso e das defesas apresentadas no bojo da Operação Lava Jato, a partir de 2014, de modo a ensejar relevante impacto, nos anos recentes, na forma de atuação do Ministério Público – inicialmente no Federal, mas também nos demais ramos –,  alterando ainda iniciativas e prioridades dos variados órgãos de fiscalização e controle públicos, que puderam passar a se valer tanto dos resultados de colaborações premiadas lavradas em juízo, para repercussões extrapenais, quanto do uso direto de diferentes soluções alternativas legalmente previstas.
Especificamente em relação ao Ministério Público Federal (MPF), impende salientar que, além de sua configuração constitucional e orgânica própria, com o vasto alcance de suas atribuições típicas, sobretudo como titular exclusivo da ação penal pública e como colegitimado com fundamental papel na defesa do patrimônio público e social, tem sido agente essencial no enfrentamento das práticas de corrupção, ao zelar pela integridade do interesse público primário. E, nesta matéria, sua atuação também deve observar os ditames da Política Nacional de Incentivo à Autocomposição instituída pela Resolução nº 118, de 1/12/2014, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), visando a assegurar a promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e interesses que envolvem a atuação da Instituição, para o que lhe incumbe implementar e adotar mecanismos de autocomposição, como a negociação, além de métodos alternativos de resolução de conflitos. Destacam-se, no tema, os recentes acordos de não persecução penal (ANPP) e cível (ANPC) regulamentados na Resolução nº 179, do CNMP, anterior à lei própria; os acordos de leniência; e os acordos de colaboração premiada, que, para além de resolverem controvérsias através de consenso, prestam grande auxílio na esfera anticorrupção tão demandada atualmente.
Já em relação à tipologia extrapenal, ora tratada, e seu embasamento jurídico, mister também ressaltar que os acordos encabeçados pelo Ministério Público são celebrados com pessoas jurídicas e pessoas físicas, passíveis de responsabilização pela prática de atos lesivos contra administração pública nacional e estrangeira (Lei nº 12.846/2013) e de atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), na esfera extrajudicial e/ou judicial, com fundamento no artigo 16 da Lei nº 12.846/2013, artigo 5º, §6º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), artigo 3º, §2º e §3º, artigo 485, VI e artigo 487, III, alíneas b e cdo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), bem como nos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011, e artigo 37 da Convenção de Mérida (Decreto nº 5.687/2006) e artigo 26 da Convenção de Palermo (Decreto nº 5.015/2004), recorrendo-se, ainda, aos artigos 4º a 8º da Lei nº 12.850/2013, artigos 13 a 15 da Lei nº 9.807/1999 e artigo 1º, §5º da Lei nº 9.613/1998. Devem ainda ser observadas as determinações constantes das Resoluções próprias do CNMP (atualmente, as de nº 23/2007 e alterações posteriores, e 174 e 179, ambas de 2017) e do Conselho Superior do MPF, especialmente a que versa sobre inquérito civil público (Res. CSMPF n
º 87, de 06/04/2010).
Para os fins desta breve comunicação, serão realçados apenas os contornos adotados no âmbito do MPF para o desenvolvimento adequado do Acordo de Não Persecução Cível (ANPC), cujas diretrizes normativas institucionais básicas constam da Orientação Normativa nº 10/2020<a href="applewebdata://B3B4434E-C35E-40C1-BE91-33200663C0D9#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> (doravante ON 10/2020).
Positivados por meio da Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, os acordos de não persecução, tanto os de natureza cível quanto os de cunho penal, derivam da necessidade de adequação a soluções consensuais em detrimento das morosas ações litigiosas, buscando-se, ao lado da inafastável segurança jurídica para o particular que celebra avença com o Estado, investigações mais ágeis, otimizadas e desburocratizadas, com resultados mais céleres e certos - ou seja, mais efetivas e eficientes -, tendo em vista que abrangem como objeto, em geral, lesões de menor potencial ofensivo.
No âmbito do MPF, a ON 10/2020 volta-se a oferecer regramento preliminar à matéria, buscando estabelecer parâmetros formais e materiais para celebração de acordos extrapenais, cujas figuras centrais são os termos de ajustamento de conduta (TAC), os acordos de não persecução cível (ANPC) e os acordos de leniência, nas fases extrajudicial e judicial, antes e após a sentença judicial, o que oferece ao Membro do MPF ampla flexibilidade de atuação consensual, à luz de sua independência funcional e dos contornos específicos de cada hipótese, no âmbito do sistema de responsabilização geral e autônomo da improbidade administrativa, nos termos das Leis nº 8.429/1992 e nº 12.846/2013, fundadas no artigo 37, parágrafo 4º da Constituição Federal, no âmbito da atuação do Ministério Público Federal, submetida às atribuições da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), órgão revisor interno.
Citada ON 10/02020 aponta, conforme o momento e o objeto do acordo, as consequências jurídicas possíveis, observado o princípio da proporcionalidade, a ser levado em conta, assim como o atendimento do interesse público, a necessidade e a adequação de sanções e benefícios avençados.      Além disto, a ON busca, ainda, reforçar a segurança jurídica, estabelecendo obrigações das partes celebrantes (do próprio MPF, e das partes privadas e públicas celebrantes); as orientações para o procedimento de a ser observado nas fases do acordo; os pressupostos objetivos de cabimento e as cláusulas necessárias. Sob o aspecto procedimental, segue diretriz de detalhar as fases da negociação e celebração do acordo, quais sejam (i) fase inaugural da consensualidade; e (ii) fase de instrução e de deliberação; e o procedimento de homologação de acordos na 5ª CCR do MPF, tudo de modo a oferecer aos Membros do MPF um itinerário mínimo mais seguro e uniforme para lograr êxito nesta relevante forma de atuação no enfrentamento da improbidade administrativa. Finalmente, também inova ao garantir diretrizes gerais sobre a avaliação de programas de integridade e seus efeitos no domínio da improbidade administrativa, bem como regramento mínimo sobre a proteção de denunciantes de boa-fé de atos de improbidade administrativa.
<blockquote class="jota-article__eye">Importante anotar, ainda que em reiteração, que o ANPC se destina precipuamente aos atos de improbidade administrativa de menor gravidade, quando se o compara aos abrangidos pelo acordo de leniência, por exemplo, que se volta ao tratamento de situações complexas, detentoras de maior potencial lesivo e, em geral, com envolvimento de mais pessoas físicas e/ou jurídicas.</blockquote>
Para que não se banalize o instituto nem se fragilize o domínio sancionador da improbidade administrativa, é necessário ter em vista que o ANPC também deve perseguir ao máximo a viabilidade da solução consensual para o interesse público buscado na hipótese, o qual poderá ser aferido, dentre outros fatores, pela análise sobre a possibilidade de duração razoável do processo, da efetividade de aplicação de sanções proporcionais à gravidade dos fatos, da adequada responsabilização de agentes públicos e terceiros envolvidos, bem como do ressarcimento célere e integral de valores aos cofres públicos, não cabendo dar quitação, quando não houver adesão do ente político lesado. Deste modo, à míngua de diretrizes legais expressas, as sanções passíveis de serem pactuadas em ANPCs devem ser analisadas em cada caso concreto, respeitando-se a independência funcional do Membro celebrante, os direitos e limites da defesa, à luz das circunstâncias específicas da situação dada e com observância do princípio da proporcionalidade e suas máximas.
Neste contexto, cabe lembrar a propósito que, em razão do veto presidencial ao artigo 17-A da Lei nº 8.429/92, introduzido pela Lei nº 13.964/19, foi excluída a previsão legal dos requisitos de (i) ressarcimento integral do dano, (ii) reversão da vantagem indevida à pessoa jurídica lesada e (iii) pagamento de multa de até 20% do valor do dano ou da vantagem auferida para a celebração do ANPC. À falta de expressos condicionantes legais – que talvez ainda advenham com racionalidade, em eventual reforma da própria Lei de Improbidade Administrativa, tal como a fórmula já apresentada ao Parlamento pela comissão de juristas presidida pelo ministro Mauro Campbell para tal fim -, as regulamentações sobre o procedimento a ser adotado na celebração do ANPC ficaram a cargo de cada Ministério Público, a partir da autorização expressa contida no artigo 17, §1º, da Lei nº 8.429/92. Sobre este ponto, aliás, cabe mencionar que, na esfera federal, por exemplo, antes mesmo da edição da ON 10/2020, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região, atenta a demandas oriundas de processos em curso em segundo grau, instituiu, no artigo 5º do documento de “Orientações sobre a celebração de acordo de não persecução cível no âmbito do NIDCIN/PRR 1ª Região”, que a celebração do ANPC terá por finalidade ajustar com a parte interessada a imposição de sanções previstas em lei, assegurando-lhe como benefício atenuação no sancionamento (com redução ou isenção de sanções, observados os §§1º e 2º do artigo), servindo como instrumento para prevenir, reprimir e dissuadir atos de improbidade, bem como, conforme o caso concreto, para assegurar o ressarcimento de danos e a cessação da prática da improbidade pelo celebrante, ensejando a extinção do processo judicial. Além disto, estabeleceu que poderão ser objeto de isenção ou redução quaisquer das penalidades previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92, com exceção do ressarcimento de dano material causado ao erário, que deve ser recuperado integralmente, e do perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos na infração, que serão revertidos à pessoa jurídica interessada, o que foi também agasalhado, depois, pela normatização interna da 5º CCR.
Certamente este e outros pontos ainda levantarão dúvidas e desafiarão a adoção de soluções uniformes, consentâneas com os objetivos racionalizadores do ANPC e com a segurança jurídica buscada por quem dele se quer valer, sob a ótica defensiva. Contudo, não se deve olvidar, em momento algum, que o instituto oferece alternativa baseada em consenso, voluntariedade, boa-fé e comprometimento das partes com as condições e cláusulas, inclusive de caráter sancionador possíveis, que devem ser fielmente honrados, sob pena de total desvalorização desta fórmula consensual. À míngua de soluções legais claras para algumas questões complexas relacionadas a uma aplicação mais ampliada e extrajudicial, como se pode vislumbrar, eventualmente, em relação a algumas restrições aplicáveis por acordo, mas de exigência prática menos efetiva, em caso de descumprimento (por exemplo,  a “auto-suspensão” dos direitos políticos, com a renúncia voluntária a candidaturas), a boa-fé de todos os celebrantes, Estado e particulares, e a observância dos compromissos voluntariamente assumidos são a pedra de toque para a sobrevida do instituto.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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<a href="applewebdata://B3B4434E-C35E-40C1-BE91-33200663C0D9#_ftnref1" name="_ftn1">[*]</a> Este escrito contou com a colaboração de pesquisa de Beatriz Watanabe Silva.
<a href="applewebdata://B3B4434E-C35E-40C1-BE91-33200663C0D9#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BRASIL. Ministério Público Federal. Orientação nº 10 – 5ª CCR. Brasília, 2020. Disponível em: <a href="http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/">www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/</a>ccr5/orientacoes/orientacao-no-10-2020-anpc.pdf &gt;.

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JOTA

Os contornos adotados no MPF para o desenvolvimento adequado do ANPC

O acordo de não persecução cível no Ministério Público Federal

Os contornos adotados no MPF para o desenvolvimento adequado do ANPC