Marcus Peçanha

Como sócio-fundador da Verd Invest, uma consultoria ambiental, acompanho a crescente atuação das empresas nas questões de ESG (Environmental, Social and Governance ou Ambiental, Social e Governança). No que tange ao ambiental, minhas experiências profissionais prévias no setor público – CFO da Fundação Florestal e assessor especial no Ministério do Meio Ambiente – indicam que a capacidade de interação com múltiplos stakeholders é condição sine qua non para a efetividade da atuação de qualquer organização. Logo, o propósito deste artigo é demonstrar desafios e oportunidades no segmento ambiental para profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG).
Na última edição da revista Diálogos, do Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV), Fábio Rua publicou o excelente artigo “ESG em pauta: a importância da reinvenção dos profissionais de RIG”. Demonstrou que as organizações precisam de propósito forte e de compromissos com todos os seus stakeholders e com o bem-estar social. Ponderou também que, no mundo das RIG, a relevância dos profissionais está diretamente relacionada à capacidade de reinvenção. E cravou que, nas próximas décadas, ESG será essa reinvenção e trará uma ressignificação da forma como os profissionais de RIG pensam e atuam. Para demonstrar a aderência destes argumentos à área ambiental, faz-se necessário uma contextualização do seu histórico.
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Deixando de lado a politização atual em função do tema e analisando de forma pragmática, é possível afirmar que o Brasil tem bons exemplos na área de Meio Ambiente para mostrar. Nossa matriz energética é uma das mais renováveis em função de nossas hidrelétricas e do etanol. Nosso Código Florestal é um excelente produto de nossa jovem democracia e foi gerado por meio de um amplo debate, envolvendo pensamentos antagônicos. Em termos ambientais é tido como o melhor do mundo. É notório.
Em minha experiência profissional, entretanto, vivo uma perspectiva diferente e pouco difundida: do ponto de vista histórico, há uma ausência endêmica do setor privado nas políticas públicas ambientais.
A questão fundiária é um exemplo. O Jornal Ambiental O Eco mostrou, no dia 3 de março deste ano, que o Parque Nacional de São Joaquim, na Serra Catarinense, criado há 60 anos, até hoje não regularizou seus quase 50 mil hectares de terra. Há enorme pressão social da comunidade local para o encerramento do parque. Seria ótimo se fosse uma exceção pontual, mas infelizmente essa é a regra em todo o país. O Parque Nacional de São Joaquim é uma Unidade de Conservação (UC), administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em todo o país, o ICMBio é responsável por 334 UCs federais. Há, no Brasil, aproximadamente 3 mil UCs e infelizmente os problemas fundiários estão presentes em quase todas.
Para proteger ecossistemas, nossos governos (nos níveis federal, estadual e até municipal) criaram diversas UCs e não indenizaram os donos das terras. Produtores foram submetidos a novos regramentos muito mais restritivos e muitos foram simplesmente forçados a deixar de produzir sem qualquer indenização.
A proteção de ecossistemas é absolutamente necessária e a questão fundiária é complexa. É relevante, contudo, que o simples respeito à propriedade privada não foi prioridade nas políticas públicas ambientais. A iniciativa privada esteve alijada e as consequências estão aí.
O Instituto Semeia, que tem o propósito de desenvolver parcerias entre os setores público e privado no setor de parques naturais e urbanos, publicou em março o “Diagnóstico de Uso Público em Parques Brasileiros: A Perspectiva da Gestão”. A coordenadora Mariana Haddad, em entrevista ao mesmo O Eco em 6 de abril deste ano, afirmou que “nos Estados Unidos, o National Park Service [Serviço Nacional de Parques], órgão responsável por gerenciar 421 unidades que correspondem a 34 milhões de hectares, teve em 2019 um orçamento de USD 2,4 bilhões. O ICMBio, no mesmo ano, teve um orçamento de R$ 791 milhões, isto é, USD 142,6 milhões para gerir cerca de 170 milhões de hectares de áreas protegidas terrestres e marinhas”. Fiz as contas. Enquanto no ano de 2019 o orçamento do National Parque Services foi de USD 70,59/hectare, o orçamento do ICMBio foi de USD 0,84/hectare.
<blockquote class="jota-article__eye">Vivemos em um paradoxo ambiental. Contamos com inúmeras UCs e teoricamente nossos ecossistemas estão protegidos. Mas há diversos conflitos sociais e escassos recursos para administrá-las.</blockquote>
Adicione-se a isso outra contradição: apesar de historicamente afirmarmos que a floresta e a biodiversidade têm valor enorme, administramos com a lógica de obrigação (passivo) ao invés de administrá-las como ativo em função do enorme valor de mercado, seja do carbono, seja da biodiversidade. Na prática, há um descolamento entre o que se pretendeu e o que foi realmente implementado.
O exemplo das UCs não é o único: nossas condições vergonhosas de falta de saneamento básico compõem outro exemplo que agora pode vir a ser superado com o Novo Marco Regulatório e a chegada em escala de investimento privado. As consequências da ausência da iniciativa privada no meio ambiente estão presentes em todas as áreas.
E a que se deve a ausência da iniciativa privada nas políticas públicas ambientais?
Sejamos pragmáticos: nas décadas de 80 e 90, as questões ambientais não estavam entre as prioridades da agenda da iniciativa privada. Entretanto, já naquela época, elas passaram a constar entre as pautas prioritárias para diversos segmentos da sociedade civil. Ou seja, ainda que haja imperfeições, a sociedade civil tem todos os méritos por ter liderado a agenda ambiental no Brasil nas últimas décadas.
Competência vs Competência
Do ponto de vista jurídico, a competência da preservação ambiental cabe ao Estado. Logo, sob a liderança da agenda ambiental pela sociedade civil, os governos nos níveis federal, estadual e municipal passaram a traçar políticas públicas visando a preservação ambiental.
A experiência tem mostrado aos governos que o melhor aliado para a preservação ambiental é a sociedade local por meio da economia formal. Imaginemos um determinado ecossistema a ser protegido onde se proíbe a circulação de pessoas. Os turistas e os cidadãos locais deixam de circular por ali. Já o palmiteiro, o caçador, o garimpeiro e todos que praticam uma atividade ilícita não respeitam as regras. Simplificando, os órgãos ambientais estão aprendendo que a circulação ordenada de turistas espanta o palmiteiro. E que quando a população local tem renda atrelada ao ecoturismo ou a outras atividades econômicas dependentes da preservação daquele ecossistema, ela obviamente desencoraja atividades ilícitas naquela região.
Voltemos à palavra competência. Desta vez não mais associada à visão jurídica, mas às habilidades necessárias para cumprir uma função. Diversas competências necessárias para a preservação ambiental estão na iniciativa privada. A operação de um simples restaurante é um exemplo. E assim, pouco a pouco, a iniciativa privada tem sido incluída na execução das políticas públicas para o meio ambiente. No último dia 28 de maio, o presidente do Instituto Semeia, Fernando Pieroni, publicou excelente artigo no jornal Valor Econômico sobre o uso público em parques e mencionou, em seu primeiro parágrafo, que “nos últimos três anos foram assinados três vezes mais contratos de concessão em parques, naturais e urbanos, do que nos quase 20 anos que os antecederam”.
Se nas décadas de 80 e 90 a pauta ambiental não estava entre as prioridades da iniciativa privada, é fato que ela ganhou enorme tração e hoje é prioridade absoluta. Além da relevância do ESG para acesso a crédito, mercados e investidores, empresas estão começando a ponderar os resultados de ESG também para definir os bônus dos seus executivos. A iniciativa privada, historicamente ausente, será a nova protagonista da agenda ambiental.
Para aqueles que ainda acreditam que ESG é algo idealista, mas ainda longe das prioridades de suas organizações, sugiro pesquisarem sobre a Consulta Pública 85/21 do Banco Central, que vigorou entre 8 de abril e 5 de junho deste ano. Lá se propôs uma resolução que obrigará todas as entidades financeiras a estabelecerem uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática e – o mais importante – implementarem ações para perseguir a efetividade. A sinalização é forte.
Do ponto de vista socioambiental, a partir do propósito busca-se a efetividade dos investimentos. Analistas financeiros, que estavam acostumados a escrutinar os balancetes para avaliar o valor das ações das empresas, medem agora com a mesma régua os relatórios de sustentabilidade. E é aí que está a ENORME oportunidade para os profissionais de RIG.
Se para além do propósito é necessário efetividade, vale lembrar que o Brasil possui uma área 170 milhões de hectares de UCs federais, com orçamento de menos de USD 1,00/hectare. E que há também as mais de duas mil UCs estaduais e municipais. Existem diversas áreas de atuação que competem ao Estado, mas cujos governos são carentes de recursos e de competências presentes na iniciativa privada.
Organizações precisam ir além do investimento em eficiência ambiental de suas próprias cadeias de distribuição. Logo, os investimentos mais efetivos no segmento ambiental serão aqueles advindos de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Suponhamos um investimento de R$ 100.000,00 para a plantação de árvores e um segundo investimento dos mesmos R$ 100.000,00 em parceria com um órgão ambiental para o patrocínio de uma UC. O número de árvores plantadas no primeiro investimento será muito menor do que o número de árvores que deixaram de ser desmatadas no segundo. Além de maior ganho em carbono, o segundo investimento também trará maior ganho em biodiversidade e em impactos positivos sociais e econômicos para aquela região. Como as dificuldades do Estado são enormes, assim como as áreas sob sua competência, o impacto deste investimento também é muito grande.
As Parcerias Público-Privadas (PPPs) com órgãos públicos do Sistema Ambiental ocorrem em diversas ocasiões, e podem ser muito mais simples do que parecem. PPPs ambientais bem-sucedidas são as que geram resultados ganha-ganha-ganha. Ganham governo, sociedade e setor privado. Por consequência, quem mais ganha é o meio-ambiente! Como compete ao Estado a preservação ambiental, mas falta a ele as competências necessárias para implementá-la, seja patrocinando um parque, seja atuando em educação ambiental, seja desenvolvendo um projeto de economia circular ou em qualquer outro segmento ambiental, há inúmeras oportunidades para desenvolvimento de PPPs ambientais.
Compreendamos, portanto, alguns desafios e oportunidades gritantes para os profissionais de RIG no segmento ambiental para que possam ganhar relevância: entender as dificuldades e necessidades dos órgãos ambientais e desenhar e implementar estratégias nas quais as organizações possam atuar (em função do propósito e da cultura) de forma complementar e efetiva.
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JOTA

Capacidade de interação com múltiplos stakeholders é essencial para a efetividade da atuação de qualquer organização

Oportunidades e desafios para profissionais de RIG na área ambiental

Capacidade de interação com múltiplos stakeholders é essencial para a efetividade da atuação de qualquer organização