José Gabriel Assis de Almeida

Quando, em 1992, a convite da EPGE da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, fui a Porto Alegre dar uma palestra sobre “Lobby no Brasil”, uma parte da turma achava que eu ia falar sobre a área comum nos hotéis onde ficam a recepção e o concierge, outra parte não fazia a menor ideia do que se tratava e uma terceira (e menor) parte pensava que eu iria falar de corrupção...
Naquela época, tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei do então senador Marco Maciel – que depois foi vice-presidente da República – para regulamentar o lobby, que, infelizmente, nunca chegou a ser aprovado e promulgado como lei.
Em 28 anos o Brasil mudou e o lobby no Brasil também mudou. Tanto assim que, hoje, o título da palestra seria certamente “Relações governamentais no Brasil”, pois a palavra lobby, infelizmente, adquiriu uma conotação negativa no nosso País.
Por este motivo, o propósito deste texto é, precisamente, discutir a dimensão ética das relações governamentais no Brasil.
Para tal é necessário, primeiro, esclarecer que a atividade de relações governamentais consiste, basicamente, em procurar influenciar decisões políticas (seja na sua vertente legislativa, administrativa ou judicial) em favor de uma pessoa, de uma organização ou de um grupo, através do exercício do direito de petição junto aos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário.
A atividade de relações governamentais está expressamente prevista na Constituição da República, no art. 5º, inciso XXXIV, segundo o qual: 
“XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;”
Sendo a atividade de relações governamentais lícita e protegida constitucionalmente, nada tem ela a ver com a corrupção e outros crimes correlatos.
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Assim, antes de qualquer outra questão ética, é fácil separar o joio do trigo, pois basta ler, principalmente, os artigos 332 (solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função) e 333 (oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício) do Código Penal para compreender o que não são relações governamentais.
<blockquote class="jota-article__eye">Porém, há uma outra dimensão ética nas relações governamentais: até que ponto é moralmente lícito influenciar uma decisão política? </blockquote>
É possível argumentar que as relações governamentais alteram o jogo da democracia, pois aquela pessoa ou aquele grupo que é mais eficaz no exercício do seu direito de petição consegue influenciar as decisões políticas a seu favor, em detrimento de outros, desprovidos de igual capacidade de exercer o direito de petição. É fato que a proteção eficiente de um determinado interesse privado fere o equilíbrio social.
No entanto, a própria Constituição da República é fruto de intensa atividade de relações governamentais (que, naquela época, ainda se chamava lobby). Com efeito, cada grupo de interesses procurou incluir no texto constitucional um dispositivo para proteger o seu particular. O resultado é uma constituição extensa e que trata de assuntos tão específicos e díspares, como a carreira dos policiais militares de Rondônia (art. 89 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e a taxa de juros (art. 192, § 3º, revogado apenas em 2003, pela Emenda Constitucional nº 40).
A nossa vida cotidiana está repleta de exemplos similares: na área da saúde, os doentes acometidos por doenças raras que se organizam em associações e grupos de defesa dos seus direitos conseguem receber, individualmente, verbas mais elevadas do que aqueles que têm doenças comuns, mas muitas vezes incapacitantes.
Até o Ministério Público Federal fez lobby junto ao Congresso Nacional para tentar aprovar as “Dez medidas contra a corrupção”, por ele propostas em 2015.
Se existe, assim, uma certa inevitabilidade na atividade de relações governamentais, é importante que ela seja exercida da forma mais ética possível e para tal, existem algumas – poucas – regras fundamentais.
A primeira delas é transparência. A atividade de relações governamentais deve respeitar, no mínimo, os seguintes cânones: 
a) o mandante da atividade deve ser identificado e ser declarado pelo profissional de relações governamentais antes e durante os contatos com os agentes públicos ou privados; 
b) o financiador da atividade de relações governamentais deve igualmente ser identificado e declarado antes e durante tais contatos; 
c) os objetivos da atividade, ou seja, aquilo que é objeto do direito de petição, devem ser claramente enunciados. 
O profissional de relações governamentais deve fugir do cliente que não aceita essa transparência e o cliente deve ter um olhar crítico sobre o profissional que não a segue.
Infelizmente, no Brasil, ainda não existe a obrigação de divulgação para o público em geral das atividades de relações governamentais. Em vários outros países, esta maior transparência é obtida através de duas medidas: 
a) a obrigatoriedade do registro prévio do profissional de relações governamentais junto à autoridade pública por contatada; e 
b) a publicação, no site da autoridade ou do profissional de relações governamentais, de relatórios por este preparados a informar quais as autoridades contatadas, por conta de quem e os motivos de tais contatos. 
Na ausência de norma brasileira a respeito, nada impede o profissional de relações públicas de tomar a iniciativa de divulgar tais dados. 
A segunda regra diz respeito ao denominado “interesse coletivo”. Tal como os advogados defendem, juridicamente, o ponto de vista dos seus clientes, os profissionais de relações governamentais representam um lado da questão e defendem o ponto de vista econômico, social ou político, dos seus clientes.
No entanto, o bom profissional de relações governamentais, ao examinar um assunto e definir a estratégia para o mesmo, levará em consideração não apenas o objetivo e o interesse do seu cliente, mas também os interesses dos demais envolvidos e os da sociedade em geral. Esse limite ético tem também muitas semelhanças com a advocacia. 
O advogado não defende o crime, ele defende o criminoso. Na defesa do criminoso, o advogado deve ser honesto, ético e justo. De igual modo, o profissional de relações governamentais consciencioso não deve agir cegamente e sim levar em consideração os demais interesses que estão envolvidos na questão.
A terceira regra diz respeito à remuneração dos profissionais de relações governamentais. A forma mais simples e direta é remunerar o profissional através de sistemas fixos: por hora trabalhada, por períodos de tempo ou, ainda, por empreitada. 
A remuneração por êxito – que à primeira vista faz todo o sentido para o cliente – deve ser evitada por três motivos. Por um lado, este tipo de remuneração dá o incentivo errado ao profissional de relações governamentais que, em momento de fraqueza, pode sentir-se estimulado a atingir o resultado perseguido pelo cliente de qualquer maneira. 
Por outro lado, a remuneração por êxito acaba por associar o profissional de relações governamentais ao cliente, turvando o olhar imparcial e crítico que tal profissional deve ter sobre o interesse e o objetivo do cliente e as estratégias para alcançá-lo. Por fim, esta forma de remuneração cria um conflito de interesses em potencial entre o cliente e o profissional.
Respeitadas estas regras simples, a atividade de relações governamentais traz inúmeros benefícios ao Brasil, pois torna o debate político mais claro, arejado e profissional. Aliás, a atividade de relações governamentais está no DNA do Brasil, eis que o primeiro documento escrito sobre estas terras – a carta de Pero Vaz de Caminha – já trazia um pedido (público) do seu autor ao rei de Portugal, em benefício de um terceiro!

***As opiniões e posicionamentos relatados nesta coluna são de responsabilidade de seus autores e não correspondem, necessariamente, ao posicionamento do IRELGOV.

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JOTA

Até que ponto é moralmente lícito influenciar uma decisão política?

A dimensão ética das relações governamentais

Até que ponto é moralmente lícito influenciar uma decisão política?