Milton Seligman

Atribui-se ao filósofo francês André Comte-Sponville a afirmação de que a política é o debate sem violência, é o conflito sem armas e que sem política não há salvação para os problemas humanos.
Não parece que a sociedade brasileira estivesse muito convencida disto em 2018.
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As denúncias de corrupção envolvendo o mundo da política, associadas a uma grande crise econômica, fruto de decisões erradas tomadas pelo governo da presidente Dilma Rousseff, criaram um clima social em que o importante era derrotar os políticos. Chamaram a política de velha e buscaram alguém de fora desse mundo para dirigir o país. Bolsonaro foi o grande caudatário dessa vontade, mesmo que fosse ele parte da velha política.
A marca mais clara dessa opção foi a decisão presidencial de não fazer parte de nenhum partido político, dentre as dezenas existentes em nosso país.
Não poderia dar certo. Em períodos normais demoraria mais tempo para que a escolha bizarra de uma pessoa incapaz de dirigir um país enorme e complexo como o Brasil ficasse clara. Entretanto, a pandemia do coronavírus tornou tudo mais agudo, mais claro e muito mais urgente. A máscara caiu.
Uma crise política crônica começou a se instalar no país. Na prática essa crise trava o Estado, impede o avanço de temas centrais no Congresso, desarticula as políticas setoriais e a sociedade sofre as consequências. Cada vez mais, a população percebe o Estado como um prestador de serviços que deve ser competente e capaz de aumentar sua oferta de serviços de modo permanente.
Assim, chegamos nas eleições municipais de 2020 e o processo democrático exerceu a sua plenitude que é o momento quando chama a sociedade para escolher quem vai governar, nesse caso, os nossos municípios.
Ainda é cedo para dizer com precisão qual foi a síntese do desejo popular, mas alguns sinais já podem ser lidos e nos ajudam a prever o futuro, ou pelo menos as tendências que poderão definir esse futuro.
Do ponto de vista ideológico utilizo umas das divisões partidárias que começam a se consagrar entre analistas e acadêmicos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Considerando essa classificação, podemos observar que no primeiro turno das eleições desse ano, quando toda a população foi chamada a decidir, os resultados dão 10% dos votos para a esquerda, 11% para a centro esquerda, 5% para o centro, 31% para a direita liberal, 31% para o centrão e, finalmente,  13% dos votos foram para os partidos ligados ao presidente Bolsonaro.
Esse resultado deixa o quadro, matematicamente falando, bastante aberto para 2022.
Ninguém tem força suficiente para andar sozinho e as alianças serão absolutamente essenciais. Muitas vezes consideramos fácil – e nunca é – acordos entre partidos que são próximos na ideologia. Mesmo internamente, dentro de cada grupo, não serão fáceis os acordos, pois, além de pretensões pessoais, existem diferenças regionais, desejos de fortalecimento das siglas partidárias e a pressão dos grupos que cercam cada líder.
O primeiro grande desafio de um político para alcançar uma indicação com capacidade de vencer é conquistar essa coligação ampla que some segmentos sociais distintos e diversificados. Isso se dará nas esquerdas, nos centros e nas direitas, assim mesmo, no plural. Nada será fácil, mas quem não conseguir possivelmente não passará para o segundo turno, onde a liderança maior, dos estados e do Brasil são decididos.
Alguns sinais, claramente, indicam mudanças.
A esquerda foi renovada tanto nos nomes como nos partidos. O PSOL e o PCdoB foram mais relevantes que o PT. Guilherme Boulos sai dessa disputa como um nome importante dentro das lideranças de seu campo.
Na centro-esquerda duas vitórias são relevantes e podem ter reflexos para o próximo pleito. O novo prefeito do Recife, João Campos (PSB), será uma voz forte que não deve facilitar qualquer acordo com o PT, por conta da agressividade da campanha e da animosidade criada, inclusive com a presença de Lula na capital de Pernambuco. Em Fortaleza, por sua vez, a vitória do PDT de Ciro Gomes conseguiu unir esquerda e centro, mostrando uma capacidade aglutinadora importante.
Na centro-direita a situação não é distinta. Há muito a ser comemorado, em especial a quantidade de votos recebidos. Entretanto, as dificuldades para unir o centro são enormes e para superá-las vai depender muito de quem assumirá a liderança.
O certo é que em qualquer quadrante, ninguém saiu credenciado para assumir o papel de candidato favorito para o futuro e do mesmo modo, ninguém está fora do jogo.
O que chama atenção, ao término do segundo turno é o alinhamento dos vencedores em saudar a democracia e a vitória da política. Como exemplo, tanto Bruno Covas (PSDB) como Eduardo Paes (DEM), prefeitos eleitos em São Paulo e Rio de Janeiro, comemoraram suas eleições com a mesmas palavras: vitória da verdade, da ciência e do diálogo. Ambos salientaram a maravilha de viverem em cidades com grande diversidade e observaram que isso é uma fortaleza a ser valorizada.
A sociedade brasileira, com mais de 200 milhões de pessoas, está dividida entre diversas agremiações políticas. Isso não é bom e nem ruim, é assim que somos. Não nos dividimos somente por questões ideológicas. Nos separamos por inúmeras outras formas de ver o mundo e de diferentes vontades de construir nosso futuro.
Nos dividimos de forma a não dar a hegemonia para ninguém. Nossa voz, entretanto, deve ser lida como um chamamento aos que tem o talento para conduzir a sociedade. A sociedade deu-lhes a missão de fazer acordos capazes de criar maiorias que poderão encaminhar soluções a nossos inúmeros problemas.
Isso, é fazer política e sem política, não há solução.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PSTU, PCO e PCB), Centro Esquerda (PDT, PSB, REDE), Centro (AVANTE, CIDADANIA [ex-PPS]) e PV), Direita Liberal (PSDB, MDB e DEM), Centrão (PSD, PP, PL, PODEMOS, PTB, Solidariedade, PROS, DC, PTC, PMN e PMB) e Bolsonarismo (REPUBLICANOS, PSL, PSC, PATRIOTA e PRTB)

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JOTA

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