Thales Falek

Gabriel Hercos da Cunha

De acordo com os números apresentados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a participação do agronegócio nos indicadores do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro aumentou de 20,5% em 2019 para 26,6% em 2020, totalizando o expressivo valor de quase R$ 2 trilhões.[1]
As exportações brasileiras do agronegócio somaram o histórico valor de US$ 100,81 bilhões em 2020. Esse é o segundo maior valor já registrado em operações de exportação, com um crescimento de 4,1% em relação a 2019 .
A projeção do Valor da Produção Agropecuária (VBP) de 2021 é 12,4% maior do que os valores projetados para 2020. O valor absoluto previsto é de R$ 1,057 trilhão, o maior já obtido desde 1989.
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Os números acima demonstram a grandeza e a importância do setor considerando os impactos econômicos positivamente gerados desde o início da pandemia, e projeta uma franca abertura de mercado internacional, que dia após dia se interessa mais pelos produtos agroindustriais comercializados com os mais diversos agentes da cadeia.
Sem sombra de dúvida, um dos fatores preponderantes para que o setor tenha atingido números tão expressivos tem sido a desvalorização do real frente ao dólar, que por mais que eleve os percentuais absolutos dos indicadores econômicos mencionados, também gera um efeito (danoso) em diversos contratos futuros de compra e venda de grãos, se levarmos em consideração o preço ajustado inicialmente e o preço praticado nos dias atuais.
"Trading companies", cooperativas, agroindústrias, revendas de insumos e outros tantos agentes da cadeia agroindustrial, por mais que exijam alguns gatilhos contratuais para evitar essa instabilidade na segurança das relações comerciais estabelecidas com produtores rurais, permanecem apreensivos sobre a possibilidade de “quebra” em determinadas operações, a ponto de os grãos adquiridos em mercado futuro sequer serem entregues, conforme o acordado anteriormente, em razão de o negócio não ser mais tão vantajoso sob a ótica financeira. Não será foco do presente artigo a discussão contratual que esse fato pode gerar.
O assunto aqui abordado trará, em linhas gerais, aspectos relacionados aos efeitos tributários de um desses gatilhos praticados na comercialização de grãos em mercado futuro: a (não) tributação da cláusula de washout. O assunto pouco foi abordado pela doutrina e pela jurisprudência em âmbito administrativo e judicial, mas merece todo o cuidado, pois pode trazer nuances importantes acerca do aspecto fiscal de tais cláusulas.
Inicialmente, é importante fixar a premissa de que as cláusulas de washout visam reparar um possível dano ou prejuízo causado pelo inadimplemento ocasionado por algumas das partes do contrato de compra e venda futura de grãos. Além de indenizações, multas e penas estabelecidas em razão do inadimplemento das obrigações constantes em contrato, as partes poderão estabelecer novos prazos para pagamento, aquisição do produto de outros fornecedores ou até mesmo indicar novas garantias contratuais para a satisfação da operação.
Essas características são fundamentais para a análise do custo tributário que os gatilhos da cláusula de washout poderão gerar em determinadas operações. Conforme indicado, pouco se discutiu o tema em âmbito administrativo e judicial, mas o pouco que foi debatido merece uma atenção especial para que a jurisprudência seja construída caso a caso.
No âmbito administrativo, somente um precedente foi identificado recentemente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Referido precedente foi julgado pela Turma Ordinária de Câmara da 3ª Seção (acórdão nº 3401-008.979) e analisou a necessidade ou não de tributação da cláusula de washout. 
As premissas fáticas analisadas no caso dão a entender que, em razão do inadimplemento contratual de fornecimento de insumos anteriormente pago, foi necessário que o contribuinte realizasse a aquisição desses insumos no mercado, sendo reembolsado pela fornecedora inadimplente com a restituição do valor pago, acrescido de montante adicional denominado de washout.
Diante desse cenário, o contribuinte alegou que, por se tratar de valor de recompra, o adicional se referia a uma mera atualização do valor de mercado do bem contratado, levando em consideração o montante cobrado pelo mercado, e que estaria fora do alcance da tributação, por não ser considerado acréscimo patrimonial e, consequentemente, não configurar os conceitos jurídicos de renda e receita.
Essa premissa é importante, pois reforça a necessidade de se analisar o caso sob a ótica dos artigos 1º da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003, já que o contribuinte estava sujeito ao regime não cumulativo de apuração do PIS e da Cofins, os quais estabelecem, em apertada síntese, que as contribuições serão devidas em razão da existência de receita auferida no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua classificação contábil. Receita essa que deve ser nova e se incorporar ao patrimônio do contribuinte, e não meramente transitar em resultado, conforme amplamente discutido pela doutrina e jurisprudência.
Nesse sentido, o voto vencido entendeu que os valores em discussão dizem respeito à mera recomposição de receita e que não há que se falar em ganho a ser tributado. Esse entendimento parece fazer bastante sentido, pois, levando em consideração as premissas estabelecidas no caso, parece que estamos diante de um dano patrimonial (dano emergente), pois os valores da operação já haviam sido adimplidos pela parte, e o acréscimo do washout se deu unicamente porque os preços praticados no mercado superaram aquele anteriormente pactuado para a entrega dos insumos.
Ou seja, não há nenhum acréscimo patrimonial. Não há receita nova e permanente. E, portanto, não há razão para que tais valores sejam levados à tributação.
No entanto, o voto vencedor entendeu que a doutrina e a jurisprudência se alinham no sentido de que a natureza jurídica da cláusula de washout se inclina na direção de uma indenização por lucros cessantes. Por isso representam ingresso de patrimônio novo inexistente anteriormente na entidade, configurando, neste ponto, receita tributável nos termos da Lei n. 10.637/2002 e Lei n. 10.833/2003, bem como na jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos termos do Recurso Especial n. 1.922.452.[2]
A verdade é que voto vencedor e voto vencido partem de premissas distintas para fundamentar seus votos. No caso do voto vencedor, a premissa adotada é a de que a empresa revendedora precisou gastar para adquirir a mercadoria de outro vendedor, a um preço superior ao pactuado com o vendedor original, o que levou a uma redução do seu lucro indenizada por meio da cláusula de washout.
Essas premissas são extremamente importantes, pois identificam qual o real desenho jurídico a ser incorporado caso a caso. Em outras palavras, como afirmado anteriormente, além de indenização, pena e multa em caráter pecuniário, a cláusula de washout poderá estabelecer uma obrigação de entregar coisa certa ou até mesmo de novação de dívida ao indicar os novos contornos e garantias que deverão ser entregues para a realização da operação.
Até por isso, o precedente merece maior destaque, se analisarmos o fato de que o voto vencedor parte da equivocada premissa de que a doutrina se alinha no sentido de que a cláusula de washout possui natureza jurídica de indenização por lucros cessantes. A doutrina exemplifica alguns modelos jurídicos de cláusula de washout, mas em nenhum momento a classifica como indenização por lucros cessantes, até porque não necessariamente a cláusula de washout representará um novo e permanente acréscimo patrimonial.
Outro ponto que merece profunda atenção e reflexão está consubstanciado no fato de que a jurisprudência do STJ indicada no voto vencedor, qual seja, o Agravo em Recurso Especial nº 1.798.992 e EDcl no REsp nº 1.685.979, são inconclusivas, pois aplicam o enunciado da súmula 7 e portanto não reanalisaram fatos e provas para indicar que naqueles casos específicos a cláusula de washout possuía natureza jurídica de indenização por lucros cessantes.
O voto se baseou em conjecturas estabelecidas nos Tribunais de Justiça onde os casos indicados foram analisados, mas em nenhum momento o STJ chegou a afirmar que a natureza jurídica das cláusulas de washout representam indenização por lucros cessantes.
A verdade é que o Carf precisa se debruçar sobre o assunto para evitar “comoditizar” a discussão no sentido de aplicar para todo e qualquer caso que analise as implicações tributárias da cláusula de washout, que a sua natureza será de lucros cessantes. Em outras palavras, a análise deverá ser feita caso a caso a fim de identificar se o desenho dado à cláusula de washout representa acréscimo patrimonial ou recomposição de riqueza, para fins de incidência de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL.
O assunto merece atenção e destaque, ainda mais considerando a instabilidade do mercado e a flutuação dos preços praticados em mercado futuro de grãos. Já que o ambiente de negócios assusta, cuidamos para que haja, pelo menos, estabilidade na análise dos casos que versarem sobre a matéria.
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[1] Disponível em: <a href="https://www.cnabrasil.org.br/boletins/pib-do-agronegocio-alcanca-participacao-de-26-6-no-pib-brasileiro-em-2020">https://www.cnabrasil.org.br/boletins/pib-do-agronegocio-alcanca-participacao-de-26-6-no-pib-brasileiro-em-2020</a>. Acesso em 12.out.2021
[2] REsp n. 1.922.452. Rel. Ministra Assusete Magalhães. Publicado em 12.mar.2021

washout carf agronegócio

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JOTA

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