Thales M. Stucky

As regras de prescrição e decadência tributária ainda geram enormes controvérsias na doutrina e jurisprudência, geralmente envolvendo os artigos 150, §4 e 173, I do CTN, não obstante a relativamente recente publicação da Súmula 555 do STJ que firmou posicionamento no sentido de reconhecer a aplicação das regras de decadência previstas no art. 173, I, do CTN quando "não houver declaração do débito (...) nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa".
O artigo desta semana, embora tenha como ponto central a decadência em matéria tributária, abordará a questão sob o prisma do artigo 173, II do CTN e as implicações decorrentes das diferenças entre vícios materiais vs vícios formais do lançamento. Para tanto, nos valeremos do entendimento exposto pela Primeira Turma da CSRF no sentido de que "vício formal é aquele verificado de plano no próprio instrumento de formalização do crédito, e que não está relacionado à realidade  representada (declarada) por meio do ato administrativo de lançamento" (<a href="http://publicador.jota.info/wp-content/uploads/2017/05/VICIOS-FORMAL-E-MATERIAL-CSRF-.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Acórdão nº 9101-002.713</a>).
O acórdão em análise resulta de Recurso Especial da PGFN contra acórdão da 1ª Seção de Julgamento do CARF que havia reconhecido a decadência de lançamento efetuado após a declaração de nulidade do lançamento de ofício original, tendo em vista o lançamento original não ter providenciado a devida descrição dos fatos e enquadramento legal do lançamento. O acórdão desafiado pela PGFN decidiu que "o prazo estabelecido no art. 173, inciso II, do CTN, somente é aplicável quando a nulidade do lançamento de ofício original for declarada em virtude de vício formal. Neste caso o fisco deve retificar o lançamento de ofício antes do transcurso do prazo decadencial".
O lançamento original havia sido lavrado em 1996 para cobrança de CSLL apurada em relação ao ano-calendário de 1991. Posteriormente, em 21/09/1998 o lançamento foi julgado nulo pela DRJ, em função da violação ao direito de defesa e contraditório do contribuinte, na medida em que o lançamento original havia falhado na devida descrição dos fatos que deram origem ao lançamento. Em face de tal declaração de nulidade, o Fisco efetuou em 15/09/2003, ou seja, mais de doze anos após o fato gerador questionado, novo lançamento com a retificação de tais informações, entendendo aplicável a regra do art. 173, II do CTN que assim dispõe:
"Art. 173 - O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
(...)
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado."
No entender do Fisco, a ausência de correta descrição dos fatos, assim como a ausência do enquadramento legal constituir-se-iam em situação de vício formal do lançamento, dando azo à aplicação do artigo 173, II, CTN, permitindo, assim, um novo lançamento mais de dez anos após a ocorrência dos alegados fatos geradores (1991).
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Em seu Recurso Especial a PGFN alegou que a descrição dos fatos e enquadramento legal são temas tratados no artigo 10 do Decreto nº 70.235/72. Tal dispositivo seria o responsável indicação daqueles requisitos mínimos formais (extrínsecos) do auto de lançamento, ou seja, "os requisitos elencados nesses dispositivos legais, dentre eles, a descrição do fato gerador, possuem natureza formal, ou seja, determinam como o ato administrativo, in casu, o lançamento, deve exteriorizar-se".
Ainda, a fim de diferenciar o vício formais e vícios materiais que poderiam macular o lançamento, a PGFN alegou que o vício formal que pode gerar a anulação do lançamento é aquele verificado quando "não se obedece as formalidades necessárias ou indispensáveis  à existência do ato, isto é, às disposições de ordem legal para sua feitura", ao passo que eventual falha na descrição/apontamento dos fatos geradores não poderiam ser considerados como vícios de ordem material, "pois se assim fosse, estar-se-ia afirmando que o motivo do ato (fato jurídico) nunca existiu".
Portanto, a ausência de uma completa descrição dos fatos geradores que deram ensejo ao lançamento seria equivalente a uma "motivação deficiente do ato administrativo", de modo que o equívoco no auto de lançamento original estaria centrado na violação ao artigo 10, III do Decreto nº 70.235/72 que, em verdade, trataria apenas de um dos requisitos para "exteriorização do ato administrativo", ou seja, um vício formal e não material, pois que plenamente sanável a partir do que dispõe o art. 55 da Lei nº 9.784/99. Destarte, para fins de contagem do prazo decadencial do novo lançamento, aplicável seria o art. 173, II do CTN.
Não obstante as razões recursais, o voto condutor expôs que em muitas ocasiões a linha entre um vício formal e material é bastante tênue, de modo que ao se analisar eventual pleito de nulidade por alguma desatenção aos requisitos de forma do ato administrativo, deve-se considerar que "não há nulidade sem prejuízo da parte".
Em assim sendo, no entender do Conselheiro responsável pelo voto vencedor, para ser considerado um vício formal este "não pode referir-se à verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação, à determinação da matéria tributável, ao cálculo do montante do tributo devido e à identificação do sujeito passivo, porque aí está a própria essência da relação jurídico-tributária".
Os alegados vícios formais, portanto, estariam restritos àquelas situações não essenciais ao lançamento ou, ao menos, que não prejudicam o direito do contribuinte de exercer uma defesa plena de seus direitos. Deste modo, consignou o voto condutor que o "o vício formal a que se refere o art. 173, II, do CTN abrange, por exemplo, a ausência de indicação de local, data e hora da lavratura do lançamento, a falta de assinatura do autuante, ou a falta de indicação de seu cargo ou função, ou ainda de seu número de matrícula, todos eles configurando elementos formais para a lavratura de auto de infração, (....), mas que não se confundem com a essência/conteúdo da relação jurídico-tributária".
Logo, nos termos do acórdão trazido à análise, vícios formais em relação ao lançamento tributário seriam aqueles que não implicariam em quaisquer alterações no conteúdo fático-jurídico do lançamento, ou seja, aqueles vícios que podem ser sanados desde que o novo auto de lançamento contenha o mesmo "conteúdo concreto" do lançamento revisado, sendo possível apenas nestes casos a aplicar a regra do art. 173, II do CTN para fins de contagem do prazo decadencial do lançamento substitutivo.
Assim, com clareza solar foi firmado entendimento na CSRF que sempre que houver "inovação" no lançamento, em especial em relação aos fatos e motivação, inclusive nos casos em que tal inovação se der por "resultado de uma diligência", presente estará um vício de ordem material no lançamento, devendo o eventual novo lançamento ocorrer dentro do prazo de cinco anos da ocorrência do fato gerador e não de cinco anos a contar da data em que tornada definitiva a decisão que tenha anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

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JOTA

Regras de prescrição e decadência tributária ainda geram enormes controvérsias

Vícios formais e a decadência do lançamento substitutivo

Regras de prescrição e decadência tributária ainda geram enormes controvérsias