Thales M. Stucky

Obra do aclamado autor Dostoiévski, "O Duplo" foi pouco compreendida à época da publicação pela crítica em face da novidade do tema e a experimentalidade nela contida. O romance trata do drama "do pequeno funcionário que, oprimido pelo contraste entre a imagem que faz de si mesmo e a realidade, passa a enxergar e conviver com seu próprio duplo que o persegue e ameaça levá-lo à loucura (...)." [1].
Nos tempos contemporâneos o renomado escritor José Saramago também resolveu enfrentar tão complexo tema em seu "O homem duplicado", obra que retrata a descoberta - pelo protagonista do romance - de um sósia e a inquietude que lhe causa a perda de identidade na sociedade atual.
Curiosamente, na esfera do processo administrativo tributário fiscal, ao menos no Brasil, também identificamos situação análoga àquelas retratadas no âmbito da ficção literária, em particular nos textos acima apresentados. E tal identidade por analogia se verificou por ocasião de julgamento realizado no âmbito do CARF e por então Turma Especial da Terceira Seção daquele tribunal, no qual verificou-se a solução ad hoc tanto para o voto vencedor, quanto para o voto vencido, sendo o signatário designado para ambos os votos o mesmo conselheiro!
O debate de fundo que lá se encerrou foi o enfrentamento de exigência do "Imposto de Importação, PIS, COFINS e multas  que decorreram do desenquadramento da mercadoria em ex tarifário." (<a href="http://publicador.jota.info/wp-content/uploads/2017/07/JBS.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">acórdão 3802-001.809</a>).
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Causa espécie, entretanto, mesmo que amparado em norma regimental observável à época (artigo 17, II, do RICARF), o fato de que a redação "ad hoc", assunto já debatido neste coluna ("<a href="https://jota.info/colunas/coluna-do-carf/a-relatoria-ad-hoc-e-requisitos-para-sua-aplicacao-30052017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">A relatoria ad hoc e requisitos para sua aplicação</a>", publicada em 30 de maio de 2017) , deu-se na modalidade duplicada, ou seja: tanto para a apresentação do voto vencido, como para a redação do voto vencedor.
E tal se pôs diante do colegiado julgador pela relatoria "ad hoc", em preliminar momento e para a corrente vencida, sob a indicação de "que o relator original, ..., apresentou a minuta de seu voto, que, todavia, ficou com pendência de assinatura."; sendo que, em face da renúncia ao mandato do conselheiro original verificada, não foi possível promover "a formalização de decisão" no processo então "reexaminado" pelo colegiado.
Deu-se, então, a formalização do voto vencido pela relatoria "ad hoc", frisamos, com adoção do "voto entregue pelo relator original." Em outras palavras, o relator "ad hoc" acolheu na íntegra os argumentos lançados originalmente e providenciou a devida assinatura para fins de formalização do acórdão.
Já para o voto vencedor diferente não foi o posicionamento adotado pela relatoria "ad hoc" designada, pois, em sede inicial e como esclarecimento aos demais integrantes do colegiado, aquela relatoria destacou que "o redator do voto vencedor, ..., entregou a minuta do voto vencedor, mas o acórdão ficou com pendência da assinatura do relator original, que renunciou ao mandato."
Assim, informando que adotava "o voto vencedor entregue pelo redator designado", consignou ao fim a relatoria "ad hoc" que com "base nestes fundamentos, o redator designado para o voto vencedor deu provimento ao recurso voluntário, sendo acompanhado pela maioria do Colegiado."
Temos então e de modo pouco usual para a processualística administrativa tributária, o reconhecimento de um primeiro caso de duplicidade em relatoria por designação "ad hoc", donde um mesmo julgador exerceu o papel simultâneo de vencido e vencedor, sem sabermos exatamente, por conta da redação adotada, a fim e a cabo, qual seria o posicionamento próprio e "ad hoc" para a matéria analisada.
Tal situação sui generis, observamos, poderia suscitar questionamento sobre uma possível perda de identidade daquele colegiado julgador, assim como da própria possibilidade de se questionar se o relator/redator ad hoc estaria vinculado a seguir estritamente com o entendimento expressado pelos conselheiros relator (vencido) e redator do acórdão (vencedor) quando da sessão de julgamento.
Não obstante, embora sui generis, nos parece correta solução dada à situação em exame, pois deve-se considerar encerrado o julgamento quando da conclusão da sessão em que presentes os conselheiros originais da turma, sendo o período compreendido entre o encerramento da sessão e a formalização dos votos para fins de publicação, necessário apenas para eventuais ajustes nos votos para refletir a decisão tomada na sessão. Caso houvesse qualquer mudança no entendimento firmado na sessão quando da formalização dos votos via ad hoc, então poder-se-ia levantar questionamentos acerca da violação do juízo natural da causa o que, certamente, não contribuiria pela busca da segurança jurídica que visa ser alcançada quando da conclusão de qualquer litígio.
 
Referência
[1] <a href="http://www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=690">http://www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=690</a>

homemduplicado

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JOTA

O mesmo conselheiro foi designado signatário para voto vencedor e também para voto vencido

O duplo posicionamento decisório e a solução ad hoc

O mesmo conselheiro foi designado signatário para voto vencedor e também para voto vencido