Thales M. Stucky

Ainda parece longe de estar encerrada a discussão, tanto no meio acadêmico, quanto em órgãos julgadores, acerca dos limites da liberdade dos Contribuintes em se organizarem da maneira que lhes permita alcançar a menor carga tributária em suas operações. Nesta discussão, vários conceitos e teorias acabam se entrelaçando, tais como simulação, dissimulação, substância sob a forma, propósito negocial, etc., de modo que cada negócio jurídico que acabe por resultar em menor carga tributária enseja, quase que imediatamente, um exercício de futurologia quanto ao risco de tal operação ser considerada abusiva pelo Fisco.
Nesta seara, merece destaque recente entendimento adotado por Turma Ordinária da Primeira Seção de Julgamento do CARF que, por maioria de votos, afirmou que "o legislador tributário não desconsidera o fato de o contribuinte buscar uma maneira menos onerosa de conduzir seus negócios, seja por motivos tributários, societários, econômicos ou quaisquer outros (...), sendo ele livre para organizar-se da forma que, licitamente, lhe oferte menor oneração". (<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/01/decisao_10920723414201496.pdf" target="_blank" rel="noopener">Acórdão nº 1302-002.389</a>).
O caso em destaque tratou das consequências advinda de reorganização societária empreendida por pessoa jurídica em antecipação à venda de uma das linhas de negócios por ela explorada.
Vamos aos fatos.
De acordo com o relatado, em meados de 2010 a Contribuinte autuada (pessoa jurídica), um de seus sócios-administradores (também sujeito passivo da autuação - responsável solidário) e um terceiro (pessoa física) constituíram uma nova empresa (Newco). Nesta nova empresa, os sócios pessoas físicas integralizaram seu capital em espécie, enquanto que a pessoa jurídica integralizou sua parcela mediante cessão de direitos sobre a titularidade de determinados produtos devidamente averbados no IBAMA e INPI.
Posteriormente, a Contribuinte cedeu de forma não-onerosa a sua participação societária para os outros sócios da Newco, o que foi seguido de redução de capital de capital da própria Newco. Assim, a partir desse momento (quatro meses após a constituição da Newco), a Contribuinte não mais participava do capital social da Newco.
Por fim, nove meses após a constituição da Newco houve a alienação das cotas da Newco para pessoa jurídica não-relacionada. Como o alienante da participação societária acabou sendo uma pessoa física e tendo a operação ocorrido antes de 31/12/2016 (Lei nº 13.259/2016), foi apurado ganho de capital calculado à alíquota de 15% e recolhido imposto de renda correspondente.
Quando tal operação foi objeto de análise pelo Fisco, este se manifestou pela ocorrência de simulação de modo que a operação deveria ser entendida como sendo uma venda de participação societária realizada pela Contribuinte pessoa jurídica que originalmente participava da Newco e não pelo acionista remanescente (pessoa física). Isso porque os principais ativos da Newco eram justamente aquele ativos contribuídos pela Contribuinte (pessoa jurídica) para integralização de capital na Newco. Tal situação teve como consequência atração da alíquota combinada de 34% (IRPJ e CSSL) sobre o ganho de capital apurado. Em outras palavras, mesmo que a Contribuinte já não estivesse no quadro social da Newco no momento da venda, o Fisco a considerou como responsável pela alienação societária sob exame.
Para tanto, alegou o Fisco que desde o início a intenção única e exclusiva das partes envolvidas era a venda das linhas de produtos cujos direitos haviam sido integralizados na Newco pela Contribuinte. Alegou que tal situação restou evidenciada pelo fato da Newco não ter emitido qualquer nota fiscal entre a data de sua constituição e as alienação das cotas para terceiros, de modo que seria inconcebível sustentar que uma empresa sem qualquer tipo de movimentação pudesse valer mais de quatro mil vezes o seu capital social menos de um ano após a sua constituição.
A fim de sustentar tal posição, invocou a aplicação do art. 167, §1º, inciso I do Código Civil, de modo que a série de operações deveria ser considerada nula por tratar-se de negócio jurídico simulado. Ou seja, o objetivo primeiro sempre teria sido a venda de linhas de negócios da Contribuinte tendo o Fisco classificado (i) a transferência destas linhas para uma Newco, mediante integralização de capital; (ii) a cessão não-onerosa da participação societária na Newco para sócio pessoa física; e (iii) a alienação das cotas da Newco pelo sócio pessoa física remanescente, como sendo operações simuladas para aparentar que venda tivesse sido realizada diretamente por pessoa física.
Em primeira instância tal entendimento fiscal foi mantido na íntegra pela DRJ, inclusive no que tange à responsabilidade tributária solidária do Contribuinte (pessoa física) que realizou a alienação, assim como em relação à penalidade agravada lançada.
Em seu recurso voluntário, a Contribuinte em preliminar arguiu a sua ilegitimidade passiva, pois a operação questionada envolvia apenas Newco e seu sócio remanescente. No mérito, sustentou que em nenhum momento foi ocultado o fato que a partes tinham como objetivo a devolução de ativos aos seus acionistas a valor contábil, pois tal situação seria a "forma menos onerosa e em conformidade com a legislação de regência" em caso de futura venda de tais ativos. Destacou a Contribuinte que tal opção de tributação pela forma menos onerosa não caracterizaria qualquer espécie de simulação, ainda mais considerando que todos os atos praticados até a efetiva transferência dos ativos para o sócio pessoa física da Newco foram realizados de acordo com as exigências legais.
Contra tais argumentos, a corrente vencida salientou que uma evidência da ocorrência da simulação teria sido a cessão não-onerosa pela Contribuinte das cotas da Newco para os outros sócios daquela empresa, tendo em vista a diferença entre o valor contábil e de mercado de tais cotas. Ademais, foi referido no voto vencido que para ser correta a afirmação de que a intenção sempre foi restituir os ativos a valor contábil aos acionistas, a redução de capital ocorrida na Newco deveria ocasionar a devolução dos ativos integralizados pela Contribuinte, pois a maior parte do capital social da Newco decorria, justamente, do ativo por ela integralizado (direitos sobre determinados produtos) e não pelos sócios pessoas físicas, não obstante essas pessoas físicas (ao menos uma delas) também constarem no quadro de acionistas da Contribuinte.
Já o voto que consolidou a corrente vencedora, manifestou que o principal fundamento da autuação deu-se pela "ausência de propósito negocial na operação levada a cabo pela autuada, pois, segundo a fiscalização, a intenção da contribuinte sempre foi vender as marcas pertencentes pela Newco encobrindo a tributação mais gravosa de 34% (IRPJ e CSSL)".
A esse respeito, o voto vencedor discorreu sobre o "primado da legalidade", filiando-se à corrente que a Administração está "aprisionada aos quadrantes da lei", não sendo devido à autoridade tributária perquirir sobre a "motivação do particular em proceder conforme os ditames legais". Nesta linha, colacionou julgados do próprio CARF que afirmaram que a existência de propósito negocial se constituiria em apenas um "plus" a demonstrar a validade dos negócios jurídicos em exame. Ou seja, tendo sido o negócio jurídico realizado de acordo com os preceitos estabelecidos na norma, não caberia ao Fisco fazer qualquer exigência adicional para atestar a validade da operação.
Seguindo nesta linha, foi ressaltado que não há qualquer restrição legal a impedir o contribuinte em organizar-se da forma que lhe cause a menor tributação possível, exceto, por óbvio, em situações de fraude, dolo ou simulação. Assim, estando livre o contribuinte para se organizar, dentro dos parâmetros legais, da maneira que lhe for menos onerosa tributariamente, não haveria que se falar em simulação tendo em vista a "liberdade de iniciativa e auto-organização que dispõe a iniciativa privada".
Por fim, arrematou afirmando que ante a permissão legal de que a venda de ativos ocorra via pessoa física ou jurídica, não haveria que se considerar os negócios jurídicos sob exame como simulados, restando refutada a alegação fiscal, até então acolhida pela DRJ, de que "o direito de auto-organização não existe para que os contribuintes paguem menos impostos, devendo ser exercido com algum propósito extratributário, a fim de que eventual supressão de tributos seja oponível ao Fisco".

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Economia tributária e o direito de "auto-organização"

Quando a reorganização societária não se confunde com simulação