Thales M. Stucky

Abordaremos na coluna de hoje a discussão envolvendo a apresentação de provas por parte do sujeito passivo após a notificação do lançamento<a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a>. Por sua recorrência e relevância, este tópico processual merece destaque sempre que nos deparamos com decisões que abordem a questão de forma a fazer valer princípios como o da verdade material e formalismo moderado, justamente o que ocorreu no Acórdão nº 2402-009.242<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, que hoje trazemos em destaque.
De acordo com as disposições legais aplicáveis ao processo administrativo, notadamente o art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72, as provas do sujeito passivo devem ser apresentadas juntamente com a impugnação, exceto se (i) demonstrada a impossibilidade de apresentação por motivo de força maior; (ii) refira-se a fato ou direito superveniente; ou (iii) seja necessária para contrapor fatos ou razões trazidas posteriormente aos autos. 
<a href="https://conteudo.jota.info/carf-previsivel" rel="attachment wp-att-291208"><img class="aligncenter wp-image-291208 size-medium" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/carf-previsivel-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Se comparadas com as regras a elencadas na Lei Geral do Processo Administrativo Federal - Lei nº 9.784/99, as disposições do Decreto nº 70.235/72, inseridas pela Lei nº 9.532/97, são mais rígidas no que tange ao momento de apresentação das provas. Isso porque o artigo 3º, III da Lei nº 9.784/99 admite a possibilidade de apresentação de documentos e alegações novas enquanto não prolatada decisão administrativa, ou seja, não há regra específica que determine a apresentação de todas as provas junto com a impugnação ou defesa administrativa, ao contrário do previsto no Decreto nº 70.235/72.
Assim, se de um lado o regramento aplicável ao processo administrativo federal tributário é bastante rígido no que tange à apresentação de documentos pós-impugnação, elencando taxativamente as suas possibilidades, a lei geral do processo administrativo mostra-se mais flexível a tal respeito, permitindo a apresentação de provas até que prolatada decisão final administrativa.
Neste aspecto, lembramos que o processo administrativo-tributário tem como objetivo principal confirmar a legalidade do lançamento tributário, ou seja, verificar se o lançamento atendeu aos seus requisitos formais de validade, assim como avaliar se a materialidade da cobrança refletida no lançamento efetivamente ocorreu de acordo com legislação aplicável e nos termos em que descritos pela Fiscalização.
Por tais razões, entendemos que as limitações temporais impostas pelo art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72, não nos parecem as mais apropriadas para processo administrativo-tributário, posto que a mais ampla defesa e produção de provas deve ser oportunizada para alcance da decisão mais adequada na esfera administrativa, mesmo que tal implique na apresentação de provas após a impugnação, especialmente pelo fato de que sempre será possível ao Contribuinte buscar amparo no Judiciário em caso de decisões desfavoráveis na esfera administrativa.
Portanto, advogamos o entendimento de que ao Contribuinte, respeitado o contraditório, deve ser assegurado ampla liberdade para produção de provas até que proferida decisão final administrativa, não apenas para que a decisão administrativa seja a mais adequada possível (mais próxima da verdade material), mas especialmente como uma ferramenta a evitar a rediscussão da matéria na esfera judicial e os custos que tal disputa adicional ocasiona.
Assim, a regra mais flexível colocada pela Lei nº 9.784/99 quanto à produção de prova na esfera administrativa, nos parece estar mais alinhada aos princípios próprios do processo administrativo, entre eles os princípios da ampla defesa, formalismo moderado, interesse público, economicidade, eficiência e finalidade, os quais, sem dúvida, também alcançam os processos administrativos de cunho tributário.
Não obstante a possibilidade de invocação dos princípios da verdade material e formalismo moderado para fins de flexibilização das disposições do art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72, a jurisprudência majoritária do CARF não vem acolhendo a interpretação mais flexível quanto ao momento de apresentação de provas.
A esse respeito, em um resumo bastante acurado sobre o tema, Maria Rita Ferragut<a href="#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a> explica que no âmbito do CARF verifica-se a existência de três correntes quanto ao momento para produção de provas, verbis:
(i) a que não aceita a apresentação de provas após a impugnação; (ii) a que aceita, desde que apresentadas até o julgamento em primeira instância (se as informações forem complementares); e (iii) a que aceita a apresentação de documentos em qualquer fase do julgamento administrativo, inclusive em segunda instância.
A primeira corrente, favorável à aplicação do prazo de preclusão estabelecido pelo Decreto n. 70.235/72, entende basicamente que a busca da verdade material não se presta a suprir a inércia do contribuinte que, regularmente in­timado, deixe de apresentar provas em seu favor. Esta posição é a hoje predominante e leva em consideração as exceções previstas neste ato legal, se requerido ao julgador e regularmente comprovada sua ocorrência. Nesse sentido, os Acórdãos n. 101-96.926/2008 e n. 201-81.000/2008.
Para a segunda corrente, as provas e documentos podem ser aceitos excepcionalmente em prol da verdade material, mas desde que caracterizem informações complementares à impugnação, principalmente quando se referirem à matéria originalmente contestada e forem apresentados antes da decisão de primeira instância, tais como pareceres jurídicos e perícia técnica. Como exemplo, os Acórdãos n. 103-22500/2006, 107-08825/2006 e 103-22241/2006.
A terceira corrente é mais flexível e entende que as provas podem ser aceitas a qualquer tempo até decisão administrativa final, por força da ampla defesa, da estrita legalidade tributária e da busca da verdade material. Exemplos desta corrente são os Acórdãos n. 108-09622/2008 e CSRF/03-04.981/2006"
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, não obstante a existência de decisões que admitem uma maior flexibilidade em relação às regras do art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72, ainda hoje essa linha interpretativa ainda é minoritária no âmbito do CARF, sendo as decisões que a admitem bastante específicas quanto aos fundamentos para flexibilização de tais regras.</blockquote>
Essa rigidez no que tange à interpretação do art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72, não nos parece atender aos princípios que regem o processo administrativo em geral, assim como o administrativo-tributário conforme acima colocado. Com efeito, os julgadores administrativos, ainda mais em procedimentos que visam alcançar parcelas de patrimônio dos administrados/contribuintes, devem atuar de maneira cautelosa e sempre visando alcançar a maior certeza possível quanto à materialidade do lançamento, de modo que ampla liberdade probatória sempre deve ser oportunizada mesmo isso implique no reconhecimento no direito de apresentação de provas após a impugnação ou, mesmo ainda, após a decisão de primeira instância.
O fato de ser assegurado aos Contribuintes o direito de recorrer ao Judiciário, em caso de derrota na esfera administrativa, não é suficiente para não se adotar uma interpretação mais flexível, ou mais em linha com o disposto na Lei nº 9.784/99, com relação ao momento da apresentação de provas. Isso porque a busca da via judicial implica em ônus adicionais graves aos Contribuintes, tendo em vista a necessidade de apresentação de garantias (bens imóveis, seguro-garantia, fiança-bancária, etc.) para o devido exercício do direito de defesa.
Portanto, não temos dúvida que na esfera administrativa o princípio da verdade material, em linha com os preceitos da Lei nº 9.784/99, seja pelo fato de se tratar de norma posterior, seja pela possibilidade aplicação subsidiária de tal lei (embora aqui se reconheça que o próprio art. 69 da norma estabeleça que processos administrativos específicos devem reger-se por lei própria), deve ser valorizado ao máximo pelos julgadores, mesmo que tal implique em uma flexibilização das disposições do art. 16, §4º do Decreto nº 70.235/72.
Por tais resumidas razões, entendemos extremamente adequado, mesmo que por decisão proferida por voto de qualidade na sistemática do art. 19-E da Lei nº 10.522/02, o recente entendimento exposto por turma da 2ª Seção de Julgamento do CARF que decidiu por admitir a juntada de "documentação que objetive comprovar direito subjetivo de que são titulares os recorrentes, ainda que acostada a destempo" (Acórdão nº 2402-009.242).
O caso em questão decorreu de lançamento tributário que não reconheceu o direito à isenção em relação a rendimentos auferidos por pessoa física recebidos a título de indenização a asilados políticos. De acordo com a Fiscalização, o Contribuinte não teria comprovado o pedido de substituição do regime aplicável aos rendimentos recebidos por anistiados políticos, conforme determinava o art. 19 da Lei nº 10.559/2002.
Com efeito, conforme se verifica pelo acórdão em comento, os anistiados com "fundamento tanto na Lei n.º 6.683, de 1979 quanto na ordem constitucional estabelecida no art. 4º da EC n.º 26, de 1985, continuariam recebendo o benefício excepcional que já lhes vinha sendo pagos", mas "já que a indenização continuada instituída na Lei nº 10.559, de 2002, é infinitamente mais generosa do que as aposentadorias e pensões excepcionais de que se falou, a nova ordem legal facultou ao beneficiário requerer a substituição destas por aquela". Isso porque a Lei nº 10.559/02, expressamente consignou a natureza indenizatória de tais valores recebidos por anistiados políticos, daí a aplicação da regra de isenção quanto ao IRPF e Contribuição Social.
Ocorre que para fazer valer a aplicação de tal regime mais benéfico deveria o Contribuinte manifestar a adesão ao novo regime dentro do prazo de dois anos de edição da Lei nº 10.559/02, o que, no entender da Fisco não foi comprovado durante o procedimento de fiscalização, entendimento este confirmado pela decisão de primeira instância, não obstante o Contribuinte ter juntado com a impugnação cópia da "petição inicial referente ao processo que solicitou substituição de regime previsto no art. 19, da Lei nº 10.559/02".
Em sede recursal, o Contribuinte tratou de juntar aos autos comprovantes de rendimentos mensais recebidos da pensão da Marinha do Brasil, o que comprovaria o direito à isenção, posto que relacionada à condição de anistiado político do Contribuinte. Destarte, ao juntar a cópia do pedido de alteração do regime em impugnação e a prova superveniente, agora em sede recursal, que os valores até então recebidos correspondiam aos valores objeto do pedido de substituição, deveria a isenção ser reconhecida.
Considerando o fato de a alegação já ter sido veiculada em sede de impugnação, restou assegurado o direito à apreciação como prova de documento acostado aos autos em sede recursal, tendo sido consignado que "tratando-se da última instância administrativa, não parece razoável igual situação ser novamente enfrentada pelo Fisco, caso o contribuinte busque tutelar seu suposto direito perante o Judiciário".
Entendemos importante destacar esse excerto da decisão, pois são poucos os precedentes que levam em consideração este aspecto "consequencialista", ou seja, a conclusão de que ao não se admitir a juntada de prova que, mesmo a destempo, fulmine o lançamento, o Contribuinte certamente irá recorrer ao Judiciário, gerando ainda mais ônus à Administração Tributária sem que tais custos impliquem em maior arrecadação.
De igual maneira, o conselheiro designado para redigir o voto vencedor tratou de realçar a importância do princípio da verdade material como princípio norteador de decisões em litígios administrativos.
A esse respeito, expôs que a verdade material trata-se de "princípio implícito, decorrente dos princípios da ampla defesa e do interesse público, asseverando que, quanto ao alegado por ocasião da instauração do litígio, deve-se trazer aos autos aquilo que, realmente, ocorreu", não obstante destacar que o "documento extemporâneo deve guardar pertinência com a matéria controvertida na reclamação, sob pena de operar-se a preclusão". Ou seja, estando o documento juntado a posterior relacionado à matéria impugnada, possível a sua admissão em prol da verdade material.
Por fim, alinhado com o exposto nesta coluna, destaca-se a menção feita no acórdão em relação às disposições da Lei nº 9.784/99, ao referir ao formalismo moderado para justificar a possibilidade de acatamento "daqueles atos praticados de modo diverso do exigido em lei, quando suprido o desígnio legal", sempre que respeitado a segurança jurídica-processual, notadamente, o contraditório, em casos de juntada de documentos de forma extemporânea.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Acórdão nº 2402-009.242, Rel. Cons. Francisco Ibipiano Luz, 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara - 2ª Seção de Julgamento, julgado em 06/11/2020.
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i]</a>Por sua relevância ao processo administrativo-tributário, tal tema já foi objeto de comentários em outras ocasiões neste espaço:
<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/meios-de-prova-contribuicao-previdenciaria-27102020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/meios-de-prova-contribuicao-previdenciaria-27102020</a>
<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/formalismo-busca-verdade-material-06102020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/formalismo-busca-verdade-material-06102020</a>
<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/juntada-de-provas-em-sede-recursal-21042020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/juntada-de-provas-em-sede-recursal-21042020</a>
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[ii]</a> FERRAGUT, Maria Rita, As Provas e o Direito Tributário - Teoria e prática como instrumento para construção da verdade", 2ª Edição, 2018, p. 64

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JOTA

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