Cassio Sztokfisz

Sarah Rodrigues da Cunha Oliveira

<p>A polêmica em torno da definição do conceito de insumos para fins da tomada de créditos de PIS e de COFINS é de longa data e, pasmem, não terminou com o julgamento do REsp n.º 1.221.170/PR pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). Com efeito, naquela oportunidade restaram definidas as seguintes teses: “(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.”</p>
<p>Da leitura das teses fixadas, extrai-se que a avaliação da essencialidade ou relevância de determinado bem ou serviço adquirido deve ser feita em face da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte e não do chamado “processo produtivo”.<br />
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<p>Ora, as noções de atividade econômica e de processo produtivo são bastante distintas, não se podendo cogitar, nem remotamente, a sua equivalência. Enquanto a primeira contempla todo o processo de geração de valor econômico de um empreendimento, ou seja, abrange o objetivo do negócio como um todo, a segunda refere-se apenas à etapa diretamente relacionada com a produção ou materialização de um bem ou serviço.</p>
<p>Essa diferenciação é de importância fulcral, já que muitos dispêndios são essenciais ou relevantes para a atividade econômica de um contribuinte, porém não fazem parte do processo produtivo propriamente dito. Como exemplo, pensemos nas despesas com <em>marketing</em> para uma empresa prestadora de serviços ou que industrialize e venda seus bens. Trata-se de dispêndio de grande e inegável relevância para a atividade econômica dessas empresas, porém não faz parte do “processo produtivo”.</p>
<p>Como não poderia deixar de ser, o CARF não passou ao largo dessa discussão e, por vezes, aplicou fielmente o conceito de insumo definido pelo STJ. De outro lado, em outras ocasiões afastou-se da noção fixada por tal tribunal, restringindo indevidamente o direito ao crédito por parte dos contribuintes. O objetivo desse breve texto é expor algumas decisões em que esse fenômeno tem se verificado.</p>
<p>De plano, podemos tomar como base as decisões da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) sobre frete entre estabelecimentos da mesma empresa de produtos acabados. Até o início de 2020, o Colegiado entendia pela possibilidade de creditamento de PIS e COFINS sobre as despesas incorridas com frete de produtos acabados, seja por se enquadrar no conceito de insumo, seja por ser considerado como etapa de venda, nos termos do artigo 3º, inciso IX, da Lei n. 10.833/2003.</p>
<p>Como exemplo, no acordão 9303-009.867, a CSRF analisou situação em que o contribuinte, empresa que exerce a atividade de produção de derivados de leite, realizava a transferência de produtos acabados entre os seus estabelecimentos e tomava o crédito dos gastos com frete. Entenderam os Conselheiros que referidos dispêndios seriam passíveis de gerar créditos pois são relevantes para a conclusão da atividade da empresa, devendo ser considerando como insumo. Esse entendimento também pode ser verificado em diversos acórdão como, por exemplo, os de ns. 9303-010.123, 9303-009.747 e 9303-010.009.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Surpreendentemente, depois da formação de jurisprudência consolidada, em meados de março de 2020 a Turma passou a decidir que os gastos com frete de produtos acabados entre estabelecimentos não são passíveis de creditamento por não se enquadrarem na definição de insumo.</p></blockquote>
<p>Isto pode ser verificado, a título exemplificativo, no acórdão 9303-010.724, em que os Conselheiros consideraram que o contribuinte, empresa que exerce a atividade produção de álcool e açúcar, não poderia apropriar créditos de PIS/COFINS referentes aos fretes de transferência de produto acabado, uma vez que, por ser empregado após o encerramento do processo produtivo, não se enquadraria no conceito de insumo.</p>
<p>Assim, após um longo período aplicando o conceito de insumo conforme decisão vinculante do STJ, isto é, considerando a relevância para atividade econômica dos contribuintes, a CSRF voltou a aplicar uma definição restritiva, como é possível verificar também nos acórdãos de n. 9303-010.249 e 9303-011.184.</p>
<p>Seguindo a mesma tendencia de retrocesso na aplicação do conceito de insumo, podemos citar as decisões que discutem a possibilidade de creditamento sobre despesas com capatazia.</p>
<p>Após a decisão do STJ que, como explicado, ampliou o conceito de insumo, o CARF proferiu diversas decisões reconhecendo o enquadramento da capatazia como item essencial e relevante para a atividade das empresas que importam insumo ou exportam mercadorias.</p>
<p>Como exemplo, no acórdão 9303-008.645, os Conselheiros entenderam que a capatazia seria apta a gerar créditos de PIS e COFINS pois “<em>Tais custos/despesas são necessários e imprescindíveis às suas atividades econômicas</em>”. É o que se pode verificar também nos acórdãos n. 3201-007.882, 3301-005.131 e 3201-004.920, dentre outros.</p>
<p>Posteriormente, o Conselho passou a proferir diversos acórdãos com o equivocado entendimento de que a capatazia não se enquadra no conceito de insumo por ser uma despesa utilizada fora do processo produtivo, ignorando por completo o critério de relevância para a atividade econômica das empresas – vide acórdãos n. 9303-011.000, 9303-010.218 e 3402-007.175.</p>
<p>Nesse contexto, verifica-se que o CARF, a despeito de ter aplicado o conceito de insumo nos moldes definidos pelo STJ durante um período, é dizer, considerando a noção de atividade econômica ou mesmo um processo produtivo mais amplo, vem proferindo diversas decisões que ignoram por completo o critério de relevância para atividade econômica do contribuinte, em interpretação descabida e desarrazoada do quanto decidido pelo STJ, o que configura também desacato ao Regimento Interno do CARF, que determina como obrigatória a aplicação das decisões proferida pela sistemática de recursos repetitivos no âmbito do STJ.</p>
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