Thales M. Stucky

Thaís Amaral

Na coluna de hoje analisaremos recente decisão proferida pelo Carf em que foi examinada a natureza jurídica e suas implicações tributárias em relação às remessas de valores realizadas por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil em favor de empresa coligada no exterior a título de reembolso de despesas pela remuneração paga a expatriados cedidos pela empresa estrangeira à pessoa jurídica no Brasil e, portanto, aqui residentes para fins fiscais.
Tal situação julgada pelo Carf é cada vez mais comum tendo em vista a maior facilidade de fluxo de capitais e investimentos estrangeiros, mesmo em situações de crise como a atual enfrentada no Brasil. De igual maneira, considerando a nova realidade nas relações comerciais e empregatícias impulsionadas pela pandemia de Covid-19, possivelmente teremos mais e mais situações de empregados morando em países diferentes daqueles em que localizada a sede principal do seu empregador, razão pela qual é legítimo se esperar que a situação abordada neste artigo venha a se repetir de forma mais frequente, o que demandará um posicionamento firme e consistente do órgão julgador máximo da esfera administrativa tributária federal.
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Considerando as diversas peculiaridades da situação apresentada, trataremos de abordar a discussão sobre, em que medida e ressalvadas as particularidades de cada estrutura, esse entendimento deveria refletir um avanço na interpretação dada aos contratos de compartilhamento de custos celebrados por grupos transnacionais.
Não é novidade que o Carf proferiu algumas decisões para afastar a tributação incidente sobre as remessas ao exterior a título de reembolso de despesas pela remuneração paga no exterior a expatriados cedidos por coligada estrangeira à pessoa jurídica no Brasil, em linha com o quanto já manifestado, inclusive, pelas autoridades fazendárias nas Soluções de Consulta Cosit nºs 378/2017<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e 469/2017.
Por meio da Solução de Consulta nº 378, de 2017, a RFB concluiu que não incidem imposto de renda retido na fonte e PIS/Cofins-importação quando os valores remetidos por pessoa jurídica domiciliada no Brasil se refiram exclusivamente reembolso pela remuneração de expatriados no Brasil e paga pela empresa não residente.
Na oportunidade, reconheceu-se a situação fática do reembolso à matriz ou a empresas do grupo empresarial de despesas relativas ao rendimento auferido por sócio administrador ou funcionário expatriado residente no país para fins tributários, concluindo-se que as remessas efetuadas estariam caracterizadas como mero retorno de capital à empresa no exterior, não passíveis de retenção a título de IRRF, desde que os valores a serem reembolsados não excedessem o limite do valor percebido no exterior pelo sócio administrador ou pelo funcionário da consulente.
Nesse mesmo sentido, em dezembro de 2020, a 2ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do Carf<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, por maioria de votos, deu provimento ao recurso voluntário do contribuinte para afastar a exigência do IRRF sobre reembolso de despesas realizado por empresa residente no Brasil à sua controladora situada na Itália, quando o valor pago decorrer de ressarcimento de despesas com empregados expatriados da controladora estrangeira. Aplicou-se, por analogia, a Solução de Consulta Cosit nº 378, de 2017.
No caso em apreço, a matriz estrangeira havia cedido funcionários para prestar assistência administrativa à controlada brasileira que, por força de contrato de compartilhamento de despesas, ressarciu a controladora pelas despesas com a remuneração dos funcionários, creditando e remetendo os valores respectivos então suportados pela matriz estrangeiros.
Ao analisar os termos do Recurso Voluntário e provas apresentadas, os julgadores consideraram que as remessas tinham natureza de reembolso de despesa, ou seja, eram efetivo retorno de capital. Para chegar a tal conclusão, levou-se em consideração, especialmente, a inexistência de finalidade lucrativa das remessas, uma vez que os valores remetidos não ultrapassaram as despesas incorridas pela controladora com a remuneração dos expatriados.
No entender da Corte, receita e despesa teriam transitado dentro de empresas do mesmo grupo e, portanto, não haveria acréscimo patrimonial de uma em razão da receita paga pela outra. Inexistindo acréscimo patrimonial, não haveria que se falar em fato gerador do imposto sobre a renda de que trata o art. 43, II do CTN.
A esse respeito, o Conselheiro responsável pelo voto condutor da decisão em comento consignou que a "a empresa controladora cedeu empregados à controlada brasileira no ano calendário de 2010 e os remunerou, tendo ajustado por meio de contrato, que a coligada brasileira ressarciria tais custos por razões de política interna da empresa. Receita e despesa transitaram dentro de empresas do mesmo grupo, não havendo acréscimo patrimonial de uma em razão da receita paga pela outra". Ademais, tratou de explicitar em seu voto as cláusulas do contrato firmado entre a controladora no exterior que indicam a ausência de qualquer remuneração além daquela necessária para reembolsar os custos da empresa estrangeira com os profissionais deslocados ao Brasil, de forma a concluir que não haveria que se falar em  natureza de importação de serviços na operação em debate.
Por fim, mas não menos relevante, o conselheiro-relator tratou de afirmar a liberdade negocial das partes envolvidas para definir a estrutura jurídica do negócio, não havendo que se acolher a pretensão da fiscalização em recaracterizar como prestação de serviços uma operação que desde sua concepção foi estabelecida como um reembolso de despesas, mesmo envolvendo pagamentos ao exterior.
E nessa mesma direção já haviam caminhado outras decisões que abordaram especificamente o tema.
É o caso do acórdão 3201-003.152, de setembro de 2017, em que a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara afastou a incidência da CIDE em situação idêntica e que tratava do mesmo contribuinte.
Para o relator, os reembolsos de custos ou despesas têm nítidos fins não econômicos, ou seja, não objetivam lucro e, portanto, não se revestem da natureza de contraprestação por serviços prestado, razão pela qual não se sujeitam à CIDE. Realizadas sob um “acordo para reembolso de custos e despesas” e sem qualquer margem de lucro, as remessas autuadas seriam simples reembolso entre empresa do mesmo grupo econômico.
Já no acórdão 3301-004.633, de abril de 2018, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara, por maioria de votos, decidiu por afastar a incidência do PIS/Cofins-importação sobre as referidas remessas e adotou como razões de decidir os fundamentos já aduzidos naquela decisão que havia afastado a incidência da CIDE sobre essas mesmas remessas.
As três decisões acima trataram da mesma autuação pelo não recolhimento de CIDE-remessas, IRRF PIS/Cofins-importação de serviços e incidência de multa de ofício de 75%. Na época, a empresa foi fiscalizada em relação a remessas de valores que teria realizado para pessoa jurídica coligada situada na Itália e argumentou que essas remessas, que decorreram de contrato de compartilhamento de despesas, não tinham o intuito de remunerar outra empresa ou qualquer intuito mercantil ou finalidade lucrativa.
Com efeito, a empresa domiciliada no exterior não poderia ser remunerada porque não prestou qualquer serviço em favor da pessoa jurídica brasileira, agindo tão-somente como intermediária dos pagamentos feitos a pessoas físicas residentes, para fins fiscais, no Brasil.
E em que pese o reembolso da remuneração das pessoas físicas não se confunda, na essência, com a estrutura de compartilhamento de custos, inclusive porque trata-se de pagamento por serviço exclusivamente à empresa brasileira, chama atenção o fato de que o Carf se socorreu dos fundamentos adotados para caracterização do cost-sharing agreement – em especial, a ausência de margem - para justificar sua conclusão pela não incidência de tributação sobre aquelas remessas.
No voto proferido no acórdão 1302-005.075, o relator expressamente consignou que: “seja com fundamento na Solução de Consulta Cosit nº 378, de 2017, seja em razão da inocorrência de acréscimo patrimonial na relação jurídica que ora se descreve, não houve a ocorrência do fato do imposto de renda, sendo, pois, descabida a sua retenção na fonte.”
E nesse contexto é que sugerimos colocar em reflexão por que a caracterização das remessas ao exterior como mero reembolso no âmbito do contrato de compartilhamento de custos e despesas ainda encontra resistência pelo Conselho e pela fiscalização.
Sem querer esgotar a análise sobre os requisitos usualmente exigidos para o reconhecimento de uma estrutura de cost-sharing ou fazer um estudo extenso da jurisprudência sobre o tema, o que se pretende aqui é evidenciar o fato de que, nos precedentes acima, os julgadores se apegam a conceitos da estrutura de compartilhamento de custos e despesas para aceitar a natureza de reembolso na hipótese de remuneração de expatriados, mas ainda se verifica a existência de posições que insistem em caracterizar as remessas ao exterior como efetiva remuneração quando diante de contratos de compartilhamento de custos.
Como sabido, mesmo que o compartilhamento de despesas seja aceito pelas autoridades fiscais, que entendem ser possível a concentração, em uma única empresa, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizado, para posterior rateio dos custos e despesas administrativos comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada, quando a estrutura envolve pagamentos para o exterior, a jurisprudência dominante considera tais remessas como contraprestação por serviços prestados – em que pese, como dito, reconheça a validade dos contratos .
E assim, para os parâmetros atualmente adotados pela fiscalização, reembolsos feitos ao exterior por empresa localizada no Brasil têm natureza de importação de serviços, estando sujeitos ao IRRF, CIDE e PIS/Cofins-importação,
O que pontuamos, contudo é que, nos dois cenários tratados, não há preço e não há serviço. Tanto a entidade centralizadora quanto a entidade estrangeira que pagou a remuneração do profissional expatriado não auferem renda por ocasião do reembolso. Cobra-se apenas o custo incorrido, sem a adição de qualquer margem. Não há, em nenhuma das duas estruturas, a prestação de serviços – mas tão-somente a centralização de atividades administrativas/back office ou a intermediação para o pagamento da pessoa física residente no Brasil.
O paralelo feito entre as duas situações visa a demonstrar a análise distorcida dada aos contratos de compartilhamento de custos celebrados entre empresas brasileiras e estrangerias. E o que se espera, em verdade, é que a jurisprudência, que já vem avançando para reconhecer a possibilidade da centralização de despesas por uma única empresa do grupo econômico deixe de restringir a natureza de reembolso apenas às operações locais, e reconheça que o mesmo se aplica à empresa centralizadora sediada em jurisdição estrangeira, porque a jurisdição em nada altera a essência de tais contratos.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE – IRRF
REEMBOLSO DE DESPESAS A MATRIZ OU EMPRESA DO GRUPO EMPRESARIAL DOMICILIADA NO EXTERIOR. REMUNERAÇÃO PAGA NO EXTERIOR DE SÓCIO- ADMINISTRADOR OU PROFISSIONAL EXPATRIADO RESIDENTE NO BRASIL. INCIDÊNCIA.
Quando da remuneração por pessoa jurídica domiciliada no Brasil a sócio-administrador ou profissional expatriado residente no País, com pagamento no exterior realizado por sua matriz ou por empresa do mesmo grupo empresarial domiciliada no exterior, as remessas ao exterior a título de reembolso não deverão sofrer retenção de imposto de renda na fonte (IRRF), até o limite do valor percebido no exterior pelo sócio-administrador ou pelo profissional expatriado da pessoa jurídica domiciliada no Brasil, por não se caracterizarem rendimentos da empresa domiciliada no exterior.
Dispositivos Legais: Regulamento do Imposto de Renda, Decreto no 3.000, de 26 de março de 1999, alínea “a” do art. 685.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Acórdão nº 1302-005-075, Sessão de 8 de dezembro de 2020.

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JOTA

Carf examinou situação cada vez mais comum tendo em vista maior facilidade de fluxo de capitais e investimentos estrangeiros

Empregados expatriados e pagamentos ao exterior

Carf examinou situação cada vez mais comum tendo em vista maior facilidade de fluxo de capitais e investimentos estrangeiros