Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

<blockquote class="jota-article__quote">“O diabo na rua, no meio do redemoinho...”
<footer class="jota-article__quote-cite">João Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas"[1]</footer>
</blockquote>
O ano de 2020.2 teve início. Explicamos a afirmativa esdrúxula no compasso a seguir. Estava tudo pronto para a plena, eficaz e efetiva retomada da humanidade em 2022, mas eis que uma nova variante do coronavírus tomou o mundo de assalto e, cá estamos, assim como em 2020, mas melhor agora no Brasil com parte considerável de sua população vacinada.
Não foi diferente para as atividades do Carf, suspensas não em razão de uma preocupação com questões sanitárias, mas, sim, com uma controversa decisão de governo sobre política salarial dos servidores públicos, possivelmente eivada de inconstitucionalidade (princípio da isonomia), mas reverberada pelos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil para outro tema não menos controverso: o recebimento de bônus atrelado à produtividade da fiscalização.
Mas, desde a invenção de Gutenberg em 1430[2] o conhecimento não pode ser deixado de ser continuamente compartilhado, e, dessa forma, deitamos pena para apresentar ao leitor acórdão[3] de turma ordinária da Segunda Seção do Carf que, ao analisar questão relativa à exigência de contribuições previdenciárias, concluiu pela possiblidade de desconsiderar a escrituração contábil manifestadamente contrária à situação patrimonial da contribuinte fiscalizada, reconhecendo a legitimidade do arbitramento por aferição indireta pelo exame de notas fiscais de serviços e de área construída.
Em apelo voluntário ao tribunal administrativo, a contribuinte sustentou, em apertada síntese, que promoveu, sim, a escrituração de todas as notas fiscais de serviços ao Livro Caixa apresentado à fiscalização, daí que o equívoco na exigência reside no fato de que essas “não foram localizadas no Livro Caixa pelo fato de o auditor fiscal ter procurado o lançamento na data correspondente ao dia da emissão da nota, e não no dia em que ocorreu efetivamente o pagamento”.
E sobre o arbitramento por aferição indireta levado a efeito, a contribuinte apresentou sua inconformidade alegando que essa somente poderia ser adotada pela fiscalização quando “os vícios eventualmente existentes na escrituração contábil a torne infidedigna, de forma que não seja possível aferir adequadamente: i) a remuneração dos segurados; ii) o faturamento da empresa; iii) o lucro da empresa”, o que não será a hipótese espelhada no processo administrativo levado a julgamento no Carf.
A relatoria do recurso voluntário decidiu, acompanhada à unanimidade, pelo provimento parcial do apelo “para alterar a metragem utilizada nos cálculos de aferição indireta realizada pelo CUB”, exclusivamente.
E assim o fez realizando a demonstração das inconsistências de ordem probatória apontadas pela fiscalização, pois restou comprovada “que a escrituração contábil não espelha a realidade econômico-financeira da empresa”, o que obrigou os auditores fiscais a adotar — com amparo legal e no Regulamento da Previdência Social — modalidade do arbitramento por aferição indireta.
Ou seja, por meios legais analisou a fiscalização outros documentos — da própria contribuinte — que demonstraram as inconsistências nos registros contábeis feitos em seu Livro Caixa, o que, consequentemente, levou à conclusão de ter havido recolhimento a menor das contribuições reclamadas em sua integralidade.
Ainda do julgamento realizado pelo tribunal administrativo foi determinada a adoção de metragem específica para cálculo de uma obra civil, como demonstrado por um "expert", bem como consignaram os julgadores “que eventuais pagamentos feitos indevidamente devem seguir o rito próprio para o processamento da restituição” e não debate dessa matéria em impugnação a lançamento previdenciário.
Em conclusão, temos que o julgamento do caso em concreto, que concluiu pela possibilidade da adoção do arbitramento por aferição indireta em contraposição à escrituração contábil apresentada pela contribuinte, deu-se pela análise de termos de legislação que autoriza tal proceder, mas, também, e não menos importante, pelo exame das provas dos serviços prestados e das áreas construídas.
E sobre o introdutório feito neste expediente, abraçamos a tão atual observação feita por Lima Barreto[4]:
<blockquote class="jota-article__citation">"O mais interessante é que a minha letra, além de me ter emprestado uma razoável estupidez, fez-me arranjar inimigos. Não tenho a indiferença de que toda a gente tem pelos inimigos; se não tenho medo, não sou neutro diante deles; mas isso de ter inimigos só por causa da letra é de espantar, é de mortificar".</blockquote>
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[1] ROSA, Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. 1ª ed. — São Paulo: Companhia de Bolso, 2021
[2] “Quando se estuda o período do Renascimento, geralmente se destaca o advento de algumas invenções, tais como o telescópio e o relógio de precisão. Uma dessas invenções que provocaram uma verdadeira revolução no terreno da escrita e da leitura foi a imprensa, isto é, a máquina de impressão tipográfica inventada pelo alemão Johann Gutenberg no século XV.” ‘in’ Brasil escola — <a href="https://brasilescola.uol.com.br/historiag/invencao-imprensa.htm%20acessado%20em%2016/01/2022">https://brasilescola.uol.com.br/historiag/invencao-imprensa.htm acessado em 16/01/2022</a>
[3] <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/01/construcao-civil-prova-decisao-10640002228200907.pdf">acórdão nº 2301-009.573</a>
[4] BARRETO, Lima / seleção e prefácio Beatriz Resende. — São Paulo: Global, 2005 — (Coleção melhores crônicas / direção Edla van Steen), p. 181

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Cabe ao contribuinte apresentar escriturações em boa ordem, do contrário outros meios de prova devem ser usados

Arbitramento por aferição indireta para se chegar à verdade material

Cabe ao contribuinte apresentar escriturações em boa ordem; do contrário outros meios devem ser usados, como o arbitramento por aferição indireta