Alisson Julian Rhenns

Uma questão sempre sensível na atuação fiscal da advocacia pública é a recuperação de créditos tributários face a empresas que tiveram a sua falência decretada.
Conceitualmente, a falência consiste no processo de execução concursal do devedor empresário. A partir do momento em que se verifica que o patrimônio do devedor não é suficiente para a liquidação da integralidade do seu passivo, a regra da individualidade do processo de execução cede em prol do concurso de credores. Isso porque o prosseguimento das execuções individuais passa a configurar situação violadora da isonomia, uma vez que determinados credores, com iguais situações jurídicas dos seus créditos, são privilegiados uns frente aos outros, em virtude da insuficiência do patrimônio do devedor para liquidação da integralidade dos seus débitos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Dentro do concurso de credores, o ordenamento jurídico concretiza o princípio igualdade em seu espectro material, garantindo tratamento paritário para créditos na mesma situação ao mesmo tempo em que concede determinados privilégios para créditos com maior necessidade de satisfação frente aos demais, ao que, no âmbito do Direito Falimentar, dá-se o nome de par conditio creditorum. Assim, os créditos decorrentes da relação do trabalho, tributários ou com garantia real, possuem preferência na ordem de liquidação frente aos quirografários, conforme a ordem de classificação estabelecida pelo art. 83 da Lei 11.101/05. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Nesse sentido, o crédito tributário também ostenta especial privilégio, dada a sua centralidade enquanto instrumento de concretização das prestações determinadas pelo pacto constitucional. Por isso, no âmbito do concurso de credores instaurado contra a massa falida, o crédito tributário figura na terceira posição da ordem de satisfação, preterido apenas em relação aos créditos trabalhistas até 150 salários-mínimos e aos créditos com garantia real, notando-se a intenção originária do legislador em atrair referidos créditos para a execução concursal.
Em que pese a previsão do art. 83, III, da Lei de Falências, o art. 187 do CTN e o art. 29 da Lei de Execuções Fiscais resguardam a cobrança do crédito tributário por meio da execução fiscal, ao dispor que a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não se submete ao concurso de credores. À luz dessa tessitura normativa, houve forte debate jurisprudencial, com posições dissonantes das 1ª e 2ª Turmas do STJ, consolidando-se o entendimento, notadamente a partir do julgamento do REsp 1.831.186/SP pela 1ª Seção do STJ, de que a habilitação dos créditos tributários no concurso de credores consiste em faculdade do fisco, resguardada a prerrogativa de prosseguimento da execução fiscal. Não obstante, restringiu-se a continuidade de atos constritivos contra a massa falida, o que, pela via de consequência, obriga o fisco a escolher o caminho pelo qual pretende a recuperação do ativo tributário: ou pelos atos constritivos na execução ou pela habilitação no concurso de credores.
Em razão desse entendimento, a eleição do meio pelo qual o fisco dá sequência à tentativa de recuperação do ativo tributário consiste em ponto de fulcral importância, uma vez que, face à relevância do crédito tributário, o meio empregado deve ser o que com melhor eficiência traga ao erário o ressarcimento do tributo que deixou de ser adimplido no tempo oportuno pela massa falida. A tônica, portanto, passa a ser a da eficiência, ou seja, a que com menor dispêndio atinja o resultado desejado: a recuperação do crédito tributário inadimplido.
A análise empírica da atuação das procuradorias estaduais, realizada na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo a partir de Grupo de Trabalho específico instituído pela Resolução nº 30/2020, demonstrou, contudo, que, salvo raras exceções, a opção da advocacia pública repousa na manutenção dos atos constritivos na execução fiscal, face à salvaguarda concedida pelos art. 187 do CTN e 29 da LEF. No âmbito da PGE/SP, inclusive, a Resolução nº 44/2019 estabelecia, em seu art. 82, IV, que recebida a intimação da decretação da falência, cabia ao Procurador do Estado requerer a intimação do administrador judicial acerca da penhora no rosto dos autos, procedimento que demonstra a clara opção de prosseguimento da execução fiscal em detrimento da habilitação no concurso de credores. Como padrão, a opção adotada foi o prosseguimento dos atos constritivos em prejuízo da habilitação do crédito na falência.
<blockquote class="jota-article__eye">A prática forense demonstra, todavia, que a recuperação de créditos tributários por meio da penhora no rosto dos autos normalmente é pouco eficaz, notadamente pela insuficiência de patrimônio da massa falida, que acaba sendo destinado ao pagamento de credores em melhores condições do que o fisco estadual no concurso de credores.</blockquote>
Para além disso, a morosidade e complexidade do processo falimentar, do qual participam inúmeros credores, com apenas o requerimento de penhora no rosto dos autos por parte do fisco, coloca a atuação da advocacia pública em posição passiva, aguardando que se proceda a reserva de numerário pelo administrador judicial em montante suficiente para encaminhamento ao juízo do executivo fiscal.
Por outro lado, a análise da atuação da advocacia pública por meio da habilitação de crédito no concurso de credores apresentou melhor ganho de resultado quando cotejado com o prosseguimento da execução fiscal, a partir de uma atuação participativa no procedimento falimentar. Esse modo de participação por meio da habilitação no concurso de credores permite o melhor acompanhamento da liquidação do patrimônio da massa falida para pagamento dos seus credores.
A recente Lei 14.112/20 lançou novas luzes sobre o tema, fazendo a nítida opção de priorizar que a liquidação de créditos tributários se proceda no bojo do processo falimentar e não na execução fiscal. A partir do acréscimo do art. 7º-A na Lei 11.101/05, passou a ser determinada a instauração, de ofício, de incidente de classificação de crédito público para cada Fazenda Pública credora, momento no qual é definido o montante e a posição dos créditos fazendários no concurso de credores. Instaurado o incidente, o §3º, V, do dispositivo, estabelece a suspensão das execuções fiscais contra o devedor até o encerramento da falência. Por fim, segundo o §5º do dispositivo, a não apresentação dos créditos pela Fazenda Pública no prazo previsto implica no recebimento de créditos posteriormente habilitados como retardatários.
Além das previsões acerca da habilitação de créditos inscritos em dívida ativa, a Lei 14.112/20 também previu a possibilidade de restituição em dinheiro às fazendas públicas de tributos arrecadados pela massa falida e não repassados aos cofres públicos (art. 86, I). Por definição, a restituição consiste na entrega do bem não pertencente ao patrimônio do devedor ao seu legítimo proprietário, sem que integrem o ativo da massa falida sobre a qual se processará a liquidação. A rigor, no caso dos tributos elencados pelo dispositivo, a previsão legislativa apenas explicita uma consequência necessária da natureza dos tributos ali descritos arrecadados e não pagos, na medida em que, quando enquadrados nessa condição, foram descontados do contribuinte de fato e não repassados ao fisco. Os tributos descontados não integram o patrimônio da massa falida e, por via de consequência, devem ser entregues aos seus legítimos proprietários, e não destinados à liquidação para entrega ao concurso de credores<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Em síntese, o que o legislador pretendeu proceder foi determinar que a Fazenda Pública habilite seus créditos no bojo do concurso de credores ou requerer a sua restituição em dinheiro, em detrimento da execução fiscal, como usualmente ocorre. No ínterim do processo falimentar, as execuções fiscais ficam suspensas. Por sua vez, em não o fazendo no prazo previsto, os créditos fazendários serão recebidos como retardatários, com as consequências do art. 10 da LFRJ.
De outra parte, fato é que os arts. 187 do CTN e 29 da LEF passaram incólumes pelas alterações legislativas promovidas pela Lei 14.112/20, circunstância que consiste num forte argumento para resguardar a opção do fisco no prosseguimento dos atos constritivos por meio do executivo fiscal. Não apenas isso, tratando-se de aspecto concernente à classificação e execução do crédito tributário, é razoável argumentar que a lei ordinária não poderia ter tratado do tema, face ao que dispõe o art. 146, III, da Constituição, cabendo ser rememorado que a atual redação do art. 187 do CTN foi conferida pela Lei Complementar 118/05.
A par dessa discussão, da qual poderá emergir um polêmico ponto de contencioso, o procedimento estabelecido pela Lei 14.112/20, além da constatação do melhor aproveitamento da recuperação de ativos por meio de pedidos e restituição e habilitação no concurso de credores, demandam a adequação da atuação da advocacia pública estadual, notadamente quando estes se mostrarem mais eficazes frente à manutenção da execução fiscal e ao risco de que a massa falida tenha seu patrimônio esgotado para satisfação dos créditos devidamente habilitados no concurso de credores.
Logo, diante das alterações promovidas pela Lei 14.112/20 e das conclusões apresentadas pelo Grupo de Trabalho instituído pela Resolução PGE nº 30/2020, as Rotinas do Contencioso Tributário-Fiscal da PGE/SP passaram a prever a habilitação e o pedido de restituição de créditos na falência como procedimento a ser observado na falência, em consonância com o procedimento estabelecido pela nova legislação. Reforça-se, com isso, o papel proativo da advocacia pública estadual, conferindo meios e segurança jurídica na atuação que tenha por intuito a recuperação de créditos de obrigações tributárias que não foram adimplidas no tempo oportuno pela massa falida.
<div id="teste3-99b6e4ed7825b47581be" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm();</script> 
<script type="text/javascript">
setTimeout(function(){
 const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n")
 const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c")
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 check.addEventListener("click", function() {
 if (check.checked){
 btn.disabled = false;
 btn.style.opacity = 1;
 } else {
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 }
 });
}, 3000);
</script>
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de falências e de recuperação de empresas. 14ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 287-288.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nesse sentido, de rigor observar que o STF reconheceu no RE 574.706, que o ICMS declarado não se incorpora ao patrimônio da empresa. Trata-se de ingresso, e não de receita, o qual é descontando do terceiro (adquirente), lançado por autodeclaração pelo contribuinte, e destinado ao Estado. Assim, por força dessa sistemática, o ICMS, por não consistir em patrimônio empresarial, não compõe a base de cálculo da PIS/COFINS.

imóvel

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O papel ativo da advocacia pública na recuperação de créditos tributários

Análise do papel ativo da advocacia pública na recuperação de créditos tributários à luz da Lei 14.112/20

O papel ativo da advocacia pública na recuperação de créditos tributários

Análise à luz da Lei 14.112/2020