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Advocacia Pública em Estudo

Isenção de IPVA para condutores com deficiência no estado de São Paulo

A juridicidade dos novos critérios da Lei nº 17.293/2020  

CTN
Crédito: Pixabay

No estado de São Paulo, o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) vem previsto na Lei nº 13.296/2008, cujo art. 13, na redação que vigorou de julho de 2017 até outubro de 2020, estabelecia ser isento do recolhimento do tributo o condutor de um único veículo, desde que com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista.

Com a edição da Lei nº 17.293, de 15 de outubro de 2020, que objetivou estabelecer medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas, o dispositivo supracitado passou a limitar a isenção de IPVA aos contribuintes condutores cuja deficiência física severa ou profunda somente permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para a situação individual do motorista.

Ou seja, para os fatos geradores de IPVA posteriores ao advento da lei, as pessoas com deficiência (PCDs) aptas a dirigir somente estarão isentas do imposto caso o impedimento de natureza física demande adaptações estruturais individualizadas no automóvel, a fim de permitir sua condução pelo proprietário.

Tal alteração legislativa vem sendo objeto de judicialização em massa, inclusive com prolação de decisão desfavorável ao Fisco, no agravo de instrumento em ação civil pública nº 2006269-89.2021.8.26.0000, na qual se afirmou que a nova regulamentação cria “discriminação indevida entre os motoristas portadores de deficiência, em prejuízo daqueles que possuem deficiência grave ou severa mas que não necessitam de veículo adaptado, em aparente violação ao princípio constitucional da isonomia”.

Cabe ressaltar, contudo, que o princípio constitucional da isonomia vem ao encontro dos novos critérios para obtenção do benefício fiscal.

Com efeito, a modificação legislativa ocorreu em um contexto de aumento desproporcional dos casos de concessão dessa modalidade de isenção de IPVA em relação ao número de paulistas com deficiência. Isso porque, de 2016 a 2019, o número de veículos aos quais foi concedida a referida isenção cresceu de 138 mil para 351 mil, caracterizando um aumento de mais de 150%, enquanto a população com deficiência no Estado cresceu apenas 2,1% - de 3.156.170 para 3.223.594 -, segundo dados da Secretaria da Pessoa com Deficiência.

Os dados, portanto, indicam que pessoas que não se enquadravam tecnicamente como PCDs se aproveitavam das regras pouco precisas então vigentes para deturpar a lógica que moveu a previsão do benefício, em clara subversão do objetivo norteador da isenção sob análise. Com isso, nos últimos quatro anos, subiu de R$ 232 milhões para R$ 689 milhões o volume de receitas que deixou de ser recolhido em benefício da população paulista.

Desta feita, as alterações empreendidas apenas tiveram por objetivo adequar os requisitos para gozo do benefício à realidade, evitando o deferimento desproporcional e desmedido de isenções e a consequente ausência injustificada de ingresso de recursos nos cofres públicos, especialmente no presente momento de crise fiscal e sanitária.

Anote-se que os parâmetros adotados contam com o respaldo da análise técnica da pasta competente, sendo, assim, critérios justos, razoáveis e proporcionais, que visam coibir abuso de direito e o desvirtuamento do espírito da lei.

Nessa senda, os novos critérios de isenção de IPVA guardam estreita relação com a inclusão e acessibilidade das PCDs - objetivos constitucionalmente reconhecidos pela incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na forma do art. 5º, § 3º, CF -, pois prestigiam exatamente aqueles que somente estarão aptos a dirigir se efetivadas modificações estruturais nos veículos.

Decerto - e aqui analisamos unicamente o espectro de condução de automóveis -, os contribuintes cujos impedimentos físicos não demandem adaptações dos veículos tem acesso aos automóveis nas mesmas condições que os motoristas sem qualquer deficiência, razão pela qual não se justifica, no âmbito da tributação da propriedade automotora, tratamento diferenciado.

Ainda, aqueles cuja deficiência torne impositiva a alteração estrutural dos veículos incorrem em maiores custos de aquisição, adaptação e manutenção do automóvel, justificando-se, também por este prisma, a redução do encargo tributário sobre o bem, a fim de compensar o dispêndio com a adaptação veicular e, sob mais um aspecto, promover a inclusão das pessoas com deficiência.

Neste cenário, nos parece que não houve supressão da isenção de IPVA para PCD, mas verdadeira adequação das condicionantes do benefício à realidade, na medida em que os novos critérios buscam promover a inclusão dos condutores com deficiência que efetivamente se veem em desvantagem quando da aquisição e manutenção da propriedade automotora, em concretização da igualdade material.

Entender pela impossibilidade de revisão de critérios de isenção, mesmo nos casos em que passem pelos filtros da isonomia e da proporcionalidade, implicaria em eternização de todos os benefícios fiscais uma vez concedidos. Tal cenário, além de cercear o princípio democrático, impondo à diferente vontade popular manifestada em cada ciclo eleitoral a observância estrita das escolhas tributárias feitas em governos antecessores, pode acabar por desestimular a adoção de medidas protetivas no âmbito tributário, em razão do elevado risco de sua perpetuação, em efeito contrário à máxima efetividade dos direitos fundamentais enunciada pelo constituinte.

Outrossim, no que pertine aos objetivos elencados pelo constituinte, cabe ressaltar o dever de observância de responsabilidade fiscal por parte do legislador quando da concessão de benefícios fiscais.

Nesse sentido, o STF julgou inconstitucional a isenção de IPVA a PCDs no Estado de Roraima (Lei Estadual 1.293/18), em virtude da ausência de estimativa do impacto orçamentário e financeiro (ADI 6074), o que demonstra a importância deste limitador.

E a lei que modificou a isenção aqui debatida tinha por objetivo exatamente o ajuste fiscal e o equilíbrio das contas públicas, por meio de, dentre outros, aumento da arrecadação tributária pela redução de isenções. E o impacto orçamentário da suspensão das novas regras não foi considerado pelo TJSP, o que reforça o caráter questionável da intervenção do Judiciário paulista na escolha político-tributária do legislador estadual.

A Lei 17.293/20 contempla, portanto, a um só tempo a isonomia e a responsabilidade fiscal, que vinham sendo conjuntamente negligenciadas na vigência das condições anteriores para gozo do benefício; assim, ao revés do afirmado pelo Judiciário, a readequação dos critérios isencionais, em verdade, acaba por promover a principiologia constitucional, prestigiando uma tributação mais justa.


O episódio 55 do podcast Sem Precedentes discute a crise militar e seu impacto no Supremo Tribunal Federal. Ouça: