Daniel de Oliveira Pontes

As múltiplas propostas de Reforma Tributária trazem à tona discussões das mais diversas matizes, incluindo alguns desafios à luz do federalismo brasileiro tal como instituído pela Constituição da República.
No presente texto, pretende-se abordar especificamente a repartição de competências das procuradorias dos entes públicos de diferentes níveis federativos, em especial a prerrogativa de inscrição em dívida ativa, além da defesa e da cobrança em juízo da exação a ser criada que, à luz da proposta de emenda constitucional (PEC) nº 45/2019, seria o imposto sobre bens e serviços (IBS), gerenciado pelo chamado Conselho Gestor. As reflexões, em princípio, também poderiam ser feitas quanto à PEC 110/2019 que, todavia, traz um cenário um pouco menos complexo por excluir a União de sua proposta (vide art. 156-A da proposta).<a href="applewebdata://0FAD90A2-1EC4-4DA6-9FD8-C076A53F1229#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Optou-se, por ser mais ampla, pela análise da PEC nº 45/19.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Como sua principal alteração, a PEC nº 45/2019 traz a instituição do imposto sobre bens e serviços como um tributo nacional, uniforme e regrado em todo o território nacional por lei complementar.<a href="applewebdata://0FAD90A2-1EC4-4DA6-9FD8-C076A53F1229#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Tal característica lhe confere um caráter único em nosso sistema, escapando às ideias comumente colocadas em nossa ordem tributária, em geral, e na atuação das procuradorias, em específico.
A PEC ora analisada, vale ressaltar, não traz em si qualquer regramento minudenciado voltado a tal ponto, limitando-se, no artigo 152-A, §6º a consignar que caberá à lei complementar dispor sobre quem irá “representar, judicial e extrajudicialmente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas matérias relativas ao imposto sobre bens e serviços” e que isso ocorrerá “de forma coordenada pelos procuradores da Fazenda Nacional, dos Estados e dos Municípios” (PEC 45/19, art. 152-A, §7º).
Diante desse cenário, pode-se aventar algumas soluções possíveis. Um primeiro modelo seria o de concentração de tal prerrogativa na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), como feito no âmbito do SIMPLES nacional (LC 123/06, art. 41, caput), em que se fixou que as ações deveriam ser ajuizadas em face da União, com diversas exceções, além da possibilidade de convênio com Estados e Municípios (art. 41, §§3º e 5º).
Não se entende adequada tal resposta. A Constituição (art. 131) é clara em delimitar a atuação da PGFN às ações fiscais de créditos da União, além de promover a inscrição em dívida ativa dos créditos federais. No mesmo sentido, veem-se as previsões de sua lei orgânica (artigo 12 da LC 73/1993).
<blockquote class="jota-article__eye">Ainda, não é demais se ressaltar que a PEC extingue os principais impostos estadual (ICMS) e municipal (ISS), o que longe de legitimar a exclusão desses entes da gestão do IBS traz, pelo contrário, a necessidade de promover sua participação da forma mais ampla possível, sob pena de afronta à auto-organização e, em última análise, ao federalismo.</blockquote>
O próprio artigo 152-A, §7º, mencionado acima, parece assegurar algum grau de atuação às procuradorias regionais e locais.
Uma segunda solução possível seria a criação de uma carreira de procurador do Comitê Gestor do IBS. Todavia, não se vislumbra autorização, no texto constitucional proposto, para criação de tal carreira interfederativa, além de não serem desprezíveis os inconvenientes práticos de sua instituição, como o regime jurídico aplicável, sua subordinação, o foro competente para dirimir conflitos e a aplicação da lei de responsabilidade fiscal (LC 101/01).
Uma terceira possibilidade seria a constituição de um corpo de procuradores a partir da cessão dos ocupantes dos cargos a nível federal, estadual e municipal. Essa alternativa não seria de todo estranha ao nosso sistema, já existindo tal faculdade no âmbito dos consórcios públicos (lei 11107/05, art. 4º, §4º). Contudo, igualmente não nos parece oportuna, vez que traria algum grau de incerteza ao ocupante do cargo quanto à sua manutenção na função, ante o caráter mais precário da cessão. Além disso, haveria de se equacionar o manifesto problema que surgiria da ausência de isonomia de regime jurídico entre os exercentes da mesma função. Por fim, levaria ao esvaziamento das procuradorias das fazendas estaduais e municipais, vulnerando o modelo constitucionalmente estabelecido de lhes conferir protagonismo na cobrança da dívida ativa do respectivo ente.
A quarta possibilidade aventada é trabalhar a relação de coordenação pretendida pela PEC a partir de um órgão central de representação paritária no âmbito do Comitê Gestor, sem retirar a autonomia técnica e jurídica dos órgãos de execução de cada procuradoria. Em algum grau, é necessário que haja a possibilidade de estabelecimento de orientações uniformes no âmbito do IBS. Tal constatação, entretanto, não impede que, a partir de critérios prévios e objetivos, seja determinado um campo de atuação autônoma de cada procuradoria.
Pensa-se, por exemplo, em um sistema que distribua de forma automática e aleatória a inscrição da dívida ativa a partir de critérios como o domicílio do contribuinte e o percentual de receita destinado a cada ente. Assim, se a lei complementar regulamentadora destinar aos Estados x% dos débitos, o sistema criado pelo Comitê Gestor deverá ser capaz de distribuir o percentual mais próximo possível disso para que a PGE daquela unidade federativa realize a inscrição em dívida ativa e promova a execução fiscal e a defesa dos interesses fazendários em juízo. A mesma ideia seria aplicável à PGFN e às PGMs.
Não é, claro, uma configuração imune a críticas. Seria difícil o estabelecimento da atribuição para as ações anulatórias ou mandados de segurança ajuizados anteriormente à inscrição em dívida ativa. Ademais, há algum risco de atuação contraditória das procuradorias, o que exigiria um maior esforço do Comitê Gestor para promover a uniformização de teses e rotinas.
Seja como for, é certo que a criação de uma figura inédita no sistema tributário nacional envolverá esforços e buscas por soluções igualmente novas que, necessariamente, devem tentar resguardar o maior campo possível de atuação das Procuradorias, eis que representam aspecto da autoadministração constitucionalmente assegurada a cada um dos entes federativos.
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O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=1062owtx9o4
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<a href="applewebdata://0FAD90A2-1EC4-4DA6-9FD8-C076A53F1229#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens, tangíveis e intangíveis, serviços, cessão e licenciamento de direitos, locação de bens e outros direitos, que será uniforme em todo o território nacional, cuja regulamentação compete aos Estados, Distrito Federal e Municípios por meio de Comitê Gestor Nacional.
<a href="applewebdata://0FAD90A2-1EC4-4DA6-9FD8-C076A53F1229#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 152-A, caput. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas

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PEC nº 45/2019 traz a instituição do imposto sobre bens e serviços como um tributo nacional

A Reforma Tributária da PEC 45/19 e a atuação das procuradorias

PEC nº 45/2019 traz a instituição do imposto sobre bens e serviços como um tributo nacional