Gig Economy

Gig economy dispara e gera oportunidades na crise

A economia sob demanda, que preza pela flexibilidade, favorece o empreendedorismo e impulsiona geração de renda

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São Paulo / Crédito: Unsplash/Sérgio Souza

Ser contratado com carteira assinada, receber salário fixo todos os meses, possuir um expediente definido e construir uma carreira de muitos e muitos anos na mesma empresa. Esse modelo de trabalho, cada vez mais, perde espaço. A chamada gig economy (ou economia sob demanda) envolve uma forma dinâmica e flexível de atividades. Os colaboradores, neste caso, são independentes e realizam serviços pontuais em diversas áreas. Há professores, médicos, motoristas, esteticistas, advogados, garçons…

O sistema de freelancers e tarefas temporárias está longe de ser algo novo, mas a tecnologia dissolveu barreiras e tornou mais acessível a conexão entre clientes e prestadores de serviço e vendedores. O que antes costumava integrar uma cultura de quebra-galho ou bico ganhou corpo e um peso cada vez maior no mercado brasileiro. A gig economy se popularizou no país há menos de uma década, quando as principais empresas do setor se difundiram de vez por aqui, caso da 99. 


Neste formato, há sempre uma plataforma on-line que fomenta e organiza a oferta e a demanda e gera confiança extra para consumidor e colaborador. Além disso, o modelo favorece um ambiente competitivo e o desenvolvimento da infraestrutura nas cidades. O cliente se beneficia de serviços mais em conta, eficientes e certeiros para suas necessidades. 

Na pandemia, com a febre da digitalização e a crise financeira, esse sistema disparou. “Se antes as pessoas encontravam um serviço no vizinho ou iam até a esquina vender algo, agora, por meio de uma tecnologia simples, conseguem expandir sua atuação e gerar recursos para garantir o sustento de suas famílias”, afirma Vitor Magnani, presidente da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) e do Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP. “Com essa aproximação dos clientes, há um efeito multiplicador em toda a economia.” 

O setor é dominado por aqui por motoristas e entregadores – 1,4 milhão de pessoas utilizam apps de transporte de passageiros ou mercadorias no Brasil para se conectar a seus clientes, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A companhia de tecnologia 99 se tornou uma das gigantes da área no Brasil. Na gig economy, uma parte não funciona sem a outra e um sistema em equilíbrio beneficia a todos. Para impulsionar o ecossistema de uma maneira geral, a companhia lançou recentemente um pacote de medidas que pretende impactar o PIB em mais de R$ 500 milhões. Em meio às iniciativas que favorecem os condutores parceiros, estão o reembolso mais rápido, taxa da plataforma zerada em dias ou horários específicos e pacotes de bônus para as viagens. 

Com o aumento recente de corridas na plataforma, principalmente entre a classe C, e dificuldades a exemplo do alto preço da gasolina, a ideia é favorecer o mercado e apostar em uma visão global do que pode ser aperfeiçoado. Empresas como a 99 têm ainda a possibilidade de investir em mecanismos que ajudem usuários e colaboradores, caso da inteligência artificial. Entre outras medidas, a marca conseguiu a redução de 20% de crimes contra motoristas no primeiro semestre e a queda de 45% em ocorrências sexuais contra passageiras mulheres em quatro meses, graças à tecnologia.

Em momentos de recessão, as companhias da gig economy se mostram importantes motores de crescimento, fornecem renda praticamente instantânea e trazem grande leque de opções. De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva de março deste ano, cerca de 20% da população brasileira adulta, na faixa de 32,4 milhões de pessoas, utilizam algum tipo de aplicativo para trabalhar. O salto foi notável: em fevereiro do ano passado, essa porção era de 13%. “Não pode haver resistência ou preconceito ao formato. Deve-se entender que ele existe e trabalhar para aprimorá-lo. Com relações balanceadas, será mais seguro fomentar esse tipo de negócio no Brasil”, explica Cesar Pasold Junior, coordenador trabalhista do Marcelo Tostes Advogados. 

E engana-se quem acha que se trata apenas de uma via de emergência. Cada vez mais, colaboradores escolhem a economia sob demanda como estilo de carreira ou mesmo complemento de renda junto a um trabalho formal. Essa opção pode, inclusive, se tornar o início de uma trajetória ao empreendedorismo – por exemplo, a manicure independente que engorda a poupança e consegue abrir o próprio salão de beleza.

Um estudo deste ano, também do Instituto Locomotiva, com entregadores de comida via app, mostrou que 66% deles preferem o atual modelo de trabalho do que a carteira assinada. Entre os motivos, citam flexibilidade de horário, liberdade para recusar serviços, ausência de patrão e possibilidade de conciliar a atividade com outra ocupação. Vale dizer, entretanto, que os interessados na economia de freelance devem sempre ter em vista um cronograma de atividades em ordem e a organização financeira.

A gig economy é uma tendência mundial – nos Estados Unidos, por exemplo, os ‘gig workers’ consistem em um pilar importante e contribuíram com US$ 1,2 trilhão à economia americana em 2020, de acordo com a plataforma Upwork. Celeiro de startups, o estado da Califórnia, no ano passado, presenciou um movimento de grandes empresas do setor, como Uber, Lyft e DoorDash, contra uma norma que tratava motoristas e entregadores de apps como funcionários com vínculo empregatício. A população participou de uma votação popular a respeito da chamada Proposta 22 e decidiu que os colaboradores deveriam ser considerados “contratados independentes”. As companhias, em contrapartida, incluíram na proposta um piso de ganhos e benefícios aos condutores.

Na Europa, negócios que viraram líderes da área, como Glovo, Delivery Hero, Wolt e Bolt, criaram o European Purpose Project com o objetivo de pensar em regulamentações adequadas para os apps e discutir melhores condições de trabalho e direitos para os colaboradores. O grupo se concentra em um código de conduta, de práticas regulatórias e de recomendações, que pretende apresentar ao governo europeu. A ideia é reconhecer a situação única desse setor e participar da formação de novas normas.

No Brasil, também ocorrem mudanças e debates sobre o assunto, a exemplo da possibilidade de os entregadores e motoristas se formalizar como MEI (microempreendedor individual), o que envolve uma série de direitos e deveres, a reforma trabalhista de 2017 e a decisão do Supremo de validar o transporte individual de passageiros, entre diversas outras. Porém, as decisões trabalhistas na Justiça ainda se mostram conflitantes. 

“Essa discussão ainda está em construção em muitos países, inclusive aqui. Pela experiência internacional, vemos uma tendência de se buscar o equilíbrio, que não seja nem a aplicação das figuras do Direito Trabalhista tradicional – que pode inviabilizar o modelo de negócio da gig economy e prejudicar a economia -, nem a total ausência de benefícios aos colaboradores”, afirma Patricia Pessôa Valente, advogada especialista em regulação e que estuda o assunto. “Trata-se algo que deve ser debatido no nível federal. O tema já está em pauta, avançando cada vez mais.”