CONTEÚDO PATROCINADO

Aumento da população e crise do clima motivam busca por alternativas à proteína animal

Com alta nas vendas de produtos plant-based e potencial econômico da carne cultivada, setor demanda atuação do governo para ampliar investimentos

Salsicha de carne cultivada da Ivy Farm. Foto de Ivy Farm na Unsplash

As proteínas vegetais análogas a carne e frutos do mar somaram cerca de R$ 821 milhões em vendas no Brasil em 2022, o que representa um aumento de 42% em relação ao ano anterior, segundo pesquisa da Euromonitor. E essa tendência de alta vem se acumulando nos últimos anos – de 2020 para 2021, o mercado já havia crescido outros 30%. 

Esses números podem surpreender quem ainda acredita que a busca por alternativas à carne animal nas gôndolas dos supermercados se restringe a consumidores identificados com as causas do vegetarianismo ou do veganismo.

“A realidade é que não haverá proteína animal suficiente para alimentar a população crescente do planeta. As alternativas são essenciais”, explica Pricila Veiga, professora da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). 

Segundo a professora, que é líder do Grupo de Estudos em Ensino e Tecnologia de Alimentos (Geteca CNPq), muito mais do que uma escolha ideológica, a opção por fonte proteica além da animal virou uma questão de sobrevivência – especialmente diante da crise climática enfrentada pelo planeta. 

Questão de sobrevivência

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), um quarto do território do planeta é, hoje, utilizado para agropecuária e um terço das terras cultiváveis são usadas para produzir alimento para animais de abate.

No caso da água, a situação é ainda mais grave: 70% do consumo é destinado à criação de animais. São cerca de 15 mil litros de água para cada quilograma de gado. 

Com a população mundial prevista para aumentar em mais de um bilhão nos próximos sete anos e mais de três até 2050, não fica difícil entender o porquê da ciência estar correndo atrás de alternativas –  segundo a ONU, até o meio do século, será preciso aumentar em 70% a produção de proteína se quisermos alimentar todo mundo.

“O consumo de carne animal não vai acabar, longe disso. Ela ainda é rica em aminoácidos valiosos para nós e seu consumo provavelmente irá se manter. No entanto, para saciar o número suficiente de pessoas, novas fontes devem ser introduzidas ao longo do tempo”, explica Veiga.

De acordo com uma pesquisa divulgada pelo projeto Our World in Data, comandado por professores universitários britânicos e pesquisadores da Universidade Oxford, enquanto alimentar uma pessoa com fonte animal gasta cerca de 3 hectares de cultivo, uma dieta baseada em proteínas vegetais garantia esses mesmos nutrientes com uma área terrestre 75% menor.

O estudo chegou a esse cálculo com base em dados de 40 tipos de produtos de 38 mil fazendas em 119 países. Os pesquisadores estimaram que, na média dos dados analisados, o rebanho bovino ocupava 163,6 metros quadrados de terra para produzir 100 gramas de proteína, enquanto a criação de frango ocupava em média 7,1 metros quadrados para entregar essa mesma quantidade de nutrientes e plantações de ervilhas exigiam 3,4 metros quadrados de área.

Outro ponto relevante para a sobrevivência da vida no planeta – e que demanda ações para reduzir a dependência da proteína animal – é o peso que a agropecuária e as mudanças no uso da terra associadas a ela têm nas emissões de gases do efeito estufa. 

Para o Brasil, lidar com essa situação pode ser crucial na capacidade de o país atingir as metas fixadas a partir do Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento do planeta em 1,5ºC até 2030.

Só atividades agropecuárias brasileiras, principalmente a emissão de metano na digestão do rebanho bovino, despejaram 600,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera em 2021.

O popular “arroto do boi”, assim como as demais atividades agropecuárias, foram considerados a segunda maior fonte de poluição ambiental no país – só atrás do desmatamento florestal e de outras mudanças semelhantes no uso da terra, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima. 

A emissão de metano pelo rebanho crescente de bois, algo involuntário na atividade digestiva dos animais,  ilustra o tamanho do desafio do setor em reduzir suas emissões. Pelo tamanho atual desse rebanho, o Brasil ocupa a quinta posição global entre os maiores emissores de metano, aponta o Observatório do Clima.

A questão é que não há como diminuir esse tipo de emissão sem reduzir o tamanho desse rebanho: uma tonelada desse gás tem quase 30 vezes mais potencial de aquecer o planeta em cem anos do que a mesma quantidade de CO2.

Evolução do setor

As mudanças no consumo de proteínas podem ajudar a lidar com o problema – e os números já indicam essa virada. “O que vem acontecendo é que o público em geral parece estar aceitando melhor essa realidade. Não só por conta de uma maior consciência ambiental, mas também porque o gosto desses alimentos melhorou muito”, diz a professora da Unesp.

Ela explica que quando o leite de soja, por exemplo, chegou às prateleiras dos supermercados na década de 1990, o sabor do produto era considerado ruim pela maior parte dos consumidores em potencial. 

“Ao longo do tempo, com mais pesquisas, mais avanços tecnológicos, não só esse leite melhorou como novas fontes foram sendo descobertas”, conta Veiga.

Além do sabor, no entanto, as pesquisas são importantes para entregar proteínas de origem alternativa que tenham o mesmo nível de alcance nutricional que as animais. “Não é simplesmente ver o quanto de proteína tem em um bife e substituir isso pelo que há no feijão, por exemplo”, conta a professora. 

A capacidade de absorção protéica também é importante: enquanto algumas carnes são facilmente sintetizadas pelo nosso corpo, o metabolismo humano pode exigir uma quantidade maior de nutrientes vegetais para alcançar essa mesma conversão.

“É preciso muita pesquisa não só para melhorar a produção como também para informar o público, que ainda apresenta dúvidas sobre isso”, aponta Veiga. Segundo ela, houve um salto nesse sentido nos últimos anos.  

Demanda por avanços

No ano passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgou a intenção de elaborar um Plano Nacional de Proteínas Alternativas, com o objetivo de fomentar estudos no setor, além de estabelecer diálogo entre centros de conhecimento e vetores da indústria.

Além disso, o Mapa realizou um levantamento de subsídios em 2021 para verificar os principais anseios da indústria de alimentos plant-based e de seus consumidores. 

A ideia é preparar diretrizes de uma regulamentação para o setor, que atualmente não conta com regulamentação própria e atualizada. Uma minuta de portaria chegou a ser apresentada no final de junho, com prazo de 75 dias de consulta pública. O texto estabeleceu o conceito de produto análogo de base vegetal, requisitos de qualidade e regras para embalagem.

Contudo, ainda não foi apresentado o texto final da regulamentação para avançar nesse assunto. O governo ainda vai realizar eventos para debater a incorporação das sugestões feitas nessa consulta pública.

O setor considera necessário que a regulamentação entregue definições claras sobre quais seriam os produtos plant-based, análogos vegetais à proteína animal, especialmente ao tratar de mercadorias que não se enquadram nas atuais definições de carnes do Mapa, e que trate também, por exemplo, de autorizações regulatórias necessárias para garantir a produção em escala. 

Até 2035, a expectativa do setor é que as proteínas alternativas representem até um quinto do mercado global de carnes (com e sem origem animal, portanto). 

Apesar desse potencial, o avanço desse tipo de produção deve enfrentar resistências, sob a perspectiva de que os novos produtos seriam prejudiciais à produção agropecuária nacional. 

Nessa toada, foi apresentado o Projeto de Lei 4.616/2023, na Câmara dos Deputados, para prever a proibição da pesquisa e comercialização de carne animal cultivada no Brasil. O autor do projeto, deputado Tião Medeiros (PP-PR), disse na justificativa do projeto que essa proibição era “necessária para proteger a indústria pecuária nacional”.

Para Alysson Soares, especialista em políticas públicas do Good Food Institute Brasil (GFI Brasil), o projeto pode “interromper o caminho para o futuro” no país. 

“O maior exportador de carne do mundo hoje é aquele que aplicou ciência por 50 anos. O maior exportador de carne do mundo no futuro, seja animal, vegetal ou cultivada, será aquele que souber pavimentar o caminho para a nova ciência”, diz.

A organização destaca que a carne cultivada não busca ocupar o mercado de carne tradicional, mas oferecer maior diversificação ao mercado brasileiro. O setor de carne cultivada já conta com um investimento superior a US$ 2,8 bilhões. 

“Proibir que as empresas desenvolvam pesquisas em solo nacional não impedirá que as mesmas o façam em outro país, apenas inviabilizará o desenvolvimento da cadeia de produção da carne cultivada e a geração de novos empregos no Brasil”, diz Soares, da GFI.

Carne cultivada

Apesar de os produtos plant-based serem os representantes mais antigos da prateleira de proteínas alternativas, as proteínas cultivadas têm sido alvos de embates, como resultado do desconhecimento sobre os processos e o espaço a ser ocupado por elas. 

O biólogo Marcelo Szpilman, fundador da Sustineri Piscis, a primeira foodtech dedicada ao cultivo de carne celular de pescado no Brasil, espera que políticas públicas e regras claras deem segurança aos empreendedores e investidores que começam a explorar o mercado de proteínas alternativas. 

“Estados Unidos, Holanda e Israel já estão investindo há tempos nesse setor porque ele compensa não só no lado ambiental, mas também econômico”, conta Szpilman. 

No mundo todo, estima-se que pelo menos 156 empresas se dediquem ao desenvolvimento de carne cultivada, com investimento de quase US$ 3 bilhões até o ano passado – número que pode ultrapassar os US$ 20 bilhões em 2030, a depender dos incentivos a esse mercado, segundo levantamento da consultoria McKinsey. 

A empresa Sustineri Piscis desenvolve o cultivo celular de pescado há três anos. Para isso, os pesquisadores separam células do músculo do animal e as reproduzem em laboratório. 

“Depois de alguns meses conseguimos uma linhagem celular capaz de ser cultivada em escala”, explica Szpilman. O material é, então, transportado para tonéis de biorreator, onde a carne é, ao fim, produzida.

A partir da matéria-prima – que, segundo ele, se parece com uma carne moída –, o produto é desenvolvido. A empresa criou os primeiros bolinhos de peixe congelados e, com a mesma tecnologia, é possível construir carnes de corte iguais aos filés bovinos comprados em supermercados.

“Não é uma imitação. É carne animal de verdade. Ela só é produzida de uma forma diferente: sem abate, sem crueldade animal, sem gastos com criação, pesca, armazenamento, transporte ou descarte de carcaça”, diz ele.

A empresa já possui linhagem celular de cinco espécies diferentes, entre elas o robalo, o linguado e a garoupa. 

“O peixe que pescamos há mais de 500 anos no mar está acabando. Milhares de espécies já são ameaçadas de extinção, a garoupa é uma delas. É uma questão de tempo até não termos mais esse tipo de carne na natureza”, afirma Szpilman.

Além disso, o biólogo cita a intoxicação por metais pesados que a maioria dos frutos do mar vem passando. “A carne produzida dessa forma possui garantia. Não tem parasita, não tem espinhas e é possível certificar sua origem”, acrescenta. 

Perspectivas

O empreendedor destaca o equívoco em chamar pejorativamente esse produto de “carne de laboratório”. “A carne não é feita em um laboratório. Ela é preparada em uma instalação tecnológica, muito parecida com a produção de cerveja: vários tonéis produzindo carne de cultivo celular em larga escala”, exemplifica Szpilman.

A professora da Unesp ressalta como, na prática, esse mercado pode criar uma “picanha de forma controlada”. “No início, as pessoas podem apresentar repulsa ao ouvir o termo ‘carne de laboratório’, mas existe toda uma indústria que vem se desenvolvendo a ponto de criar uma picanha de forma controlada, sem abate nenhum”, diz Veiga, da Unesp.

Justamente em função dos investimentos em pesquisa e inovação, o custo de produção desse tipo de produto ainda é elevado. Mas o fomento ao setor pode facilitar os preços, ao viabilizar o acesso às tecnologias necessárias. 

“O primeiro hambúrguer bovino produzido dessa forma custou 300 mil dólares. Hoje, ele custa 10 dólares. Ainda é caro, mas o tempo e o investimento vão abrindo as possibilidades”, diz o fundador da Sustineri Piscis.

Com convites para fornecer carne de peixe para alguns restaurantes no Rio de Janeiro, Szpilman conta que ainda levará mais um ano para seu lançamento, quando a empresa deve pedir autorização de venda para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Ninguém está procurando substituir a proteína animal. A carne tradicional sempre irá existir. Só estamos buscando alternativas, e elas existem”, conclui ele.