

O investimento no setor de infraestrutura se caracteriza pela aplicação de recursos em um curto espaço de tempo com retorno em longo prazo – perfil compatível com o de investidores institucionais.
É para atrair esse tipo de investidor, como os fundos de pensão, que governo, representantes do Legislativo e de entidades representativas estão se empenhando para destravar o trâmite Projeto de Lei das Debêntures de Infraestrutura (PL 2646/2020), parado no Senado desde o ano passado.
Rafael Magalhães Furtado, secretário substituto de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, é quem está à frente do assunto em nome do governo federal.
Em entrevista ao JOTA, Furtado afirmou que o Ministério da Infraestrutura tem, em média, apenas 10% do recurso necessário para manutenção e para realização de novos investimentos, segundo o planejamento para os próximos 15 anos.
“Os outros 90% nós precisamos obter de outras fontes. A evidência que se tem, e aí não é só no Brasil, é no mundo todo, é que esse recurso tem que ser originário da iniciativa privada. É por esse motivo que o Ministério tem conduzido um processo muito amplo de transferência de ativos para a iniciativa privada, com o objetivo de atrair esses investimentos”, afirma.
E este tipo de investimento, avalia Furtado, é “mais compatível com o perfil dos investidores institucionais, que são os fundos de pensões bilionários, gestores de ativos bilionários, e que são capazes de apoiar o financiamento da infraestrutura, principalmente para projetos mais maduros, que já estão operando, porque aí esses fundos têm uma previsibilidade de receita e de pagamento dessas dívidas”.
“Essa é uma questão que, particularmente, eu venho tratando semanalmente, com todo empenho. O nosso desejo é que ele seja aprovado neste ano, essa é uma meta nossa”, afirma o secretário substituto.
Leia a entrevista completa.
Para o Ministério e para o governo federal, qual é a importância do PL 2646/2020?
Eu vou contar uma historinha um pouco mais longa para contextualizar porque acho que é importante. No Ministério, nós fizemos um planejamento, um trabalho nacional de logística, e esse planejamento traz uma série de dados, uma série de informações a respeito, para direcionar a política de transporte. E o levantamento feito pelo Plano Nacional de Logística, com orientação para 2035 indica que para os próximos 15 anos são necessários, só em manutenção, entre R$ 350 e R$ 380 de bilhões de recursos, de investimento. Para nova infraestrutura, entre R$ 370 e R$ 798 bilhões. Isso significa, fazendo uma média desses valores, que nós precisaríamos ter entre R$ 50 e R$ 75 bilhões de investimentos por ano nos próximos 15 anos.
Qual o orçamento hoje do Ministério?
A realidade que nós temos no orçamento do Ministério da Infraestrutura hoje é de R$ 6 bilhões por ano. Ou seja, nós temos em média 10% do recurso necessário para manutenção e para realização de novos investimentos, segundo o planejamento. De maneira que os outros 90% nós precisamos obter de outras fontes. A evidência que se tem, e aí não é só no Brasil, é no mundo todo, é que esse recurso tem que ser originário da iniciativa privada. É por esse motivo que o Ministério tem conduzido um processo muito amplo de transferência de ativos para a iniciativa privada, com o objetivo de atrair esses investimentos. De 2019 para cá, nós já contratamos cerca de R$ 110 bilhões de investimentos, isso por meio de contratos de concessão, autorizações, e se espera que a gente termine esse ano, com as novas licitações que estão em andamento, fechando em cerca de R$ 200 bilhões de recursos, investimentos e manutenção. Mas é um caminho longo a trilhar ainda pra atingir os objetivos traçados.
Como é feito hoje o investimento na área de infraestrutura?
Existe o financiamento feito pelos bancos e também os investimentos feitos via mercado de capitais, especialmente por meio das debêntures. Há cerca de 10 anos foi feito todo um programa com o objetivo de incentivar o uso dessa ferramenta, que é um investimento privado, uma dívida que permite que o recurso seja tomado pelo setor privado, pelo concessionário, por exemplo, junto com o mercado de capitais, junto a pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Em 2016, no setor de infraestrutura como um todo – transporte, energia, saneamento, telecomunicações, etc. – as debêntures incentivadas foram responsáveis por cerca de R$ 4 bilhões de recursos tomados pelo setor privado. Em um ano só. Em 2021, cinco anos depois, esse número saltou para R$ 46 bilhões. Há também financiamento via BNDES para o segmento de infraestrutura, que saiu de R$ 34 bilhões em 2016 para R$ 27 bilhões em 2021. Então, a gente tem um crescimento significativo do financiamento do setor e também um crescimento significativo – em mais de 10 vezes – no financiamento via debênture incentivada.
Como funciona o instrumento da debênture incentivada?
A debênture incentivada incentiva a tomada de recursos especialmente junto aos bancos e, também, junto às pessoas físicas. Não há incentivo para o investidor institucional, por exemplo, os fundos de pensão, os gestores de ativos e as seguradoras, que são gestores que têm perspectiva de longo prazo, o que é mais compatível com a natureza do investimento em infraestrutura.
O investimento em infraestrutura tem características específicas por precisar de recursos na casa dos bilhões de reais, certo?
Isso, são cifras muito grandes. O investimento de infraestrutura se caracteriza por investimentos que acontecem muitas vezes em um curto espaço de tempo, e com retorno em longo prazo. Isso é mais compatível com o perfil dos investidores institucionais, que são os fundos de pensões bilionários, gestores de ativos bilionários, e que são capazes de apoiar o financiamento da infraestrutura, principalmente para projetos mais maduros, que já estão operando, porque aí esses fundos têm uma previsibilidade de receita e de pagamento dessas dívidas. Enquanto que os bancos e as pessoas físicas têm uma perspectiva, geralmente, voltada para o curto prazo e não conseguem financiar 20, 30 anos de investimento. Por isso, entendemos que o investidor institucional é o que temos que mirar e o que será atingido diretamente com o PL das Debêntures de Infraestrutura, dado que o incentivo desse projeto é voltado para o emissor que consegue emitir debêntures pagando uma taxa mais alta e, pagando essa taxa mais alta, consegue atrair o investidor institucional.
O PL 2646/2020 foi aprovado ano passado na Câmara, tem relator no Senado, mas ainda não foi colocado em pauta. Há um impasse por conta do PL que altera o Imposto de Renda que também está no Senado. O senhor tem se reunido com representantes do setor para negociar uma saída porque há preocupação em perder uma janela de oportunidade de aprovação do PL. Como está essa negociação?
A visão geral do Ministério da Infraestrutura e do governo é que o projeto é relevante e tem uma prioridade, existe um alinhamento de entendimento sobre a importância de ter o projeto aprovado.
Além disso, temos dialogado com as associações setoriais, tanto do setor do mercado de capitais, o setor bancário, associações setoriais do segmento de transportes, ferroviário, de rodovias, setor aéreo, portuário, ou seja, temos conversado com todos os atores para entender essas dificuldades, onde estão eventuais entraves, para eventualmente subsidiar a posição do governo no prosseguimento do projeto ou propor algum tipo de alteração. A ideia é verificar que tipo de ajuste é possível que seja feito ainda no Senado, de maneira que esse ajuste não implique no retorno do projeto à Câmara.
Não posso passar um cenário específico com relação a prazo para aprovação porque o prazo do Congresso é bem mais complexo. O que eu posso falar é que a gente tem prioridade e essa prioridade tem sido repassada, não só para dentro do governo, mas também para os parlamentares. Essa é uma questão que, particularmente, eu venho tratando semanalmente, com todo empenho. O nosso desejo é que ele seja aprovado neste ano, essa é uma meta nossa.
Por quê?
Porque se tem um projeto que tem um reflexo, uma correlação com o projeto de reforma tributária, enquanto não decidido, não definido qual vai ser o texto, ele traz uma insegurança jurídica ao segmento. A nossa expectativa é que o PL 2646/2020 seja aprovado, naturalmente com os ajustes que impliquem em segurança jurídica ao setor.
E eu posso entrar um pouco mais em detalhe em relação a isso, que traga exatamente um modelo que seja adequado para o financiamento da infraestrutura. Qual a nossa visão, agora entrando especificamente na correlação com a reforma tributária?
Existe sim um reflexo, existe inclusive já uma proposta de solução dada por nós em relação a isso que faz com que o projeto, mesmo que aprovando a reforma tributária, não haja nenhum desincentivo para a utilização das debêntures. Esta questão da correlação ou eventualmente o reflexo negativo que a reforma tributária possa ter, nós entendemos que temos já uma proposta de solução que já foi apresentada ao setor. Então, não é o ponto hoje que nos preocupa, dado que existe a solução.
O senhor poderia explicar o que seria essa solução?
Sim. Digamos que hoje a situação é mais ou menos o seguinte, para a pessoa jurídica, hoje, o pagamento da debênture, o pagamento de juros de imposto de renda sobre as debêntures incentivadas, é de 15%. Enquanto que para debênture comum é de 25%. Então, existe um delta de 10 pontos entre a debênture incentivada e a debênture comum. A nossa ideia é, em vez de colocar o número exato na Lei, ou seja, 15%, 25%, colocar o delta, o referencial. A proposta nossa é sempre que a debênture incentivada será x%, ou um valor específico, inferior à debênture comum. Porque aí sempre que houver alteração da legislação tributária referente à debênture comum, automaticamente é ajustado o incentivo para a debênture incentivada. É bem simples, não implica em nenhum passo tributário adicional e mantêm o benefício da incentivada.
Então, hoje, qual seria o maior problema no texto? Existe uma questão com o mercado de capitais também?
Hoje, o setor bancário tem o mesmo benefício que as pessoas jurídicas. Ou seja, os bancos, no lugar de pagar 25% de imposto de renda, eles pagam hoje 15%, atualmente essa é a alíquota aplicada. O projeto originalmente aumentava gradualmente de 15% pra 25%, então tinha um aumento da carga tributária para o setor bancário.
Qual foi a avaliação feita posteriormente pelo Ministério da Economia ouvindo o segmento? O banco é um importante ator no processo de emissão de debêntures porque normalmente ele é o primeiro a adquirir essas debêntures e, depois, é ele que difunde, que repassa, faz uma segregação das debêntures e vende no mercado secundário, vende para as pessoas físicas ou para as pessoas jurídicas.
Se houvesse esse aumento tributário de 15% para 25% logo de partida para os bancos, isso poderia desincentivar o uso dessas debêntures e ter um prejuízo para o mercado. Nesta reavaliação feita pelo governo, incluindo o Ministério da Economia, nós vimos que essa medida não era adequada para o objetivo que a gente quer atingir, que é ampliar a utilização da ferramenta e não reduzi-la.
De maneira que o entendimento do governo é por não ter esse aumento. Então, houve uma reversão e o desejo nosso é de que esse aumento não ocorra, de maneira que não prejudique a utilização das debêntures atuais e também não haja nenhum prejuízo às debêntures que serão criadas pelo PL novo.
E tem alguma solução sendo conversada para essa questão específica dos bancos?
A posição está dada pelo governo, a técnica, digamos, legislativa, é uma decisão a ser tomada dentro do Congresso, juntamente com o governo, para saber qual é a maneira mais apropriada para que essa solução seja implantada. Eu não tenho essa resposta de qual é a solução porque depende muito mais de uma avaliação do próprio Congresso, do próprio Senado, para saber qual é a medida legislativa apropriada, se faz alguma alteração da redação.
A bola, agora, está com o Senado, então.
Exato. Agora, não podemos esquecer que o ótimo é inimigo do bom. Se a gente for pensar num projeto perfeito, não se aprova nada, porque todo projeto aprovado no Congresso é objeto de consenso, ele tem que ter uma maioria para ser aprovado, não tem que ter unanimidade. É óbvio que sempre vai ter algum tipo de melhoria que pudesse ser feito em um texto de projeto de lei, nós mesmos achamos que ele pode ser melhorado, mas se ele for melhorado ao ponto de retornar para a Câmara, e daí voltar à estaca zero em relação à discussão, já não acho que seja a alternativa melhor para o caso. É preferível ter um projeto bom, que vai trazer recursos aprovados já esse ano, ano que vem, do que não ter um projeto aprovado e a gente ter uma carência de recursos para o setor. Essa é a nossa preocupação.
Tem uma outra questão sobre os green bonds (títulos verdes), que constava no projeto inicial e que tinha uma expectativa, principalmente do setor de saneamento, que não tivesse sido retirado do texto. O governo tem algo em vista especificamente para isso?
Sim. Nós já incentivamos os green bonds, inclusive. O decreto de debêntures atualmente já traz isso, inclusive, então não há nenhuma posição contrária do governo quanto ao green bond. Pelo contrário, nós temos total interesse, inclusive nós, particularmente o Ministério da Infraestrutura, já certificamos o nosso serviço junto ao CBI (Climate Bonds Initiative).
Todas as ferrovias nossas são passíveis de emissão de green bonds. E os projetos de green bonds já possuem uma priorização dentro do Ministério. Isso é uma realidade. O que tinha no projeto e foi desconsiderado era um benefício adicional, e este benefício adicional não tinha referência sobre compensação tributária.
Então, havia uma preocupação nossa em, por causa desse dispositivo, o projeto ser prejudicado. Mas não há nenhuma posição divergente com o Congresso em relação à priorização de green bonds, só não temos hoje uma possibilidade de aumentar o benefício.