O Marco Legal das Startups foi sancionado no dia 1º de junho de 2021 sob a alcunha de Lei Complementar 182/2021. Dentre seus dezenove artigos, houve modificação da Lei das S/A e da Lei da Micro e Pequena Empresa, regras para licitações especiais envolvendo startups ou soluções inovadoras, sandbox regulatório, investimento, fomento à inovação e o detalhamento do que vem a ser startup para a lei.
Entretanto, o Marco Legal perdeu a chance de inovar em outros regramentos importantes para o benefício das startups, as quais entendemos que é necessária futura correção.
Primeiramente, o Marco Legal pecou em não trazer regra tributária própria para a startup, ainda que para as micro e pequenas empresas. A Constituição Federal permite a redução ou eliminação de burocracias e a simplificação tributária para micro e pequenas empresas (artigo 179), bem como o incentivo, por parte do Estado, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação (artigo 218).
Ademais, a Constituição determina o estímulo, por parte do Estado, à formação e fortalecimento da inovação nas empresas (Parágrafo Único do artigo 219). Ou seja, cumprir-se-ia mandamento constitucional.
Entretanto, as startups devem escolher os regimes próprios de tributação já existentes, sendo que a única benesse tributária existente atualmente é o Simples Nacional. E, a depender do produto ou serviço que realizar, não poderá ter o referido benefício – uma vez que a Lei Complementar 123/06 veda expressamente que determinados segmentos sejam beneficiados pela simplificação tributária (artigo 17), mesmo que incipiente no mercado.
A segunda questão que deveria ter sido modificada era a retirada das regras envolvendo investidor-anjo da Lei da Micro e Pequenas Empresas e ter trazido para o Marco Legal. Ora, não faz qualquer sentido o Marco Legal trazer o conceito de investidor-anjo (artigo 2º, I) e permanecer as regras em outra lei (artigo 61-A da LC 123/06).
Atualmente, o artigo 61-A da LC 123 esculpe que somente micro e pequenas empresas podem receber investimento por investidores-anjo; porém, o artigo 2º, I do Marco Legal não traz a mesma restrição. Em contrapartida, o artigo 5º, VI da mesma lei determina que a startup pode receber investimento-anjo “na forma da Lei Complementar nº 123” – ou seja, em tese, somente sendo micro e pequenas empresas.
Criou-se, dessa forma, uma dúvida se o investimento-anjo pode ou não ser aplicado a toda e qualquer startup ou somente às micro e pequenas empresas. E certamente, mais cedo ou mais tarde, irá para o Poder Judiciário decidir sobre a correta aplicabilidade da lei.
Entretanto, a ideia do Marco Legal era exatamente criar mecanismos de segurança jurídica, para obedecer os interesses das partes contratantes. Indo para o Poder Judiciário decidir sobre a possibilidade ou não de existência de investidor-anjo para startups que não sejam micro e pequenas empresas, gera insegurança jurídica até que a questão seja devidamente resolvida – se assim o for.
Bastasse, para tanto, que o Marco Legal das Startups revogasse o artigo 61-A da LC 123/06 e trouxesse a mesma redação para a nova lei, permitindo-se a aplicação das regras do investidor-anjo para as micro e pequenas empresas que não sejam startups – como atualmente é permitido.
O Marco Legal deveria ter regras claras e que não gerassem duplas interpretações, não o contrário.
Em terceiro lugar, deveria o Marco Legal ter igualmente retirado as regras do Inova Simples da LC 123 e ter trazido para a nova lei. Ora, novamente cria-se a dúvida se empresas que não sejam designadas como microempresas ou empresas de pequeno porte podem ser beneficiadas pelo Inova Simples. E outra, a manutenção do § 10 do artigo 65-A[1] feriu a isonomia agora que a startup não está mais abarcada pelo referido artigo.
A ideia do § 10 é permitir a comercialização experimental do produto ou serviço até o valor de R$ 81 mil/ano (oitenta e um mil reais ao ano). Porém, agora esse teto servirá apenas para as empresas de inovação que integrarem o Inova Simples. Mas se ela não integrar o Inova Simples, ela não tem mais esse teto.
E o artigo 4º, inciso III do Marco Legal determina que seja startup a empresa que: a) Seja cadastrada no Inova Simples ou b) Autodeclare em seu ato constitutivo ou alterador e efetivamente utilize modelo de negócio inovador e efetivamente.
Ou seja, para as startups optantes do Inova Simples terá um teto para comercialização experimental do produto; para que autodeclarem em seu ato constitutivo ou alterador, não. Uma enorme ferida na isonomia que é inaceitável.
A conversa entre o Marco Legal das Startups e a Lei Complementar 123/06, a nosso ver, ficou confusa e geradora de debates que não era o foco da legislação. Um dos pilares da nova lei é a criação de um ambiente seguro para as startups e para os investidores, trazendo regras claras sobre direitos e deveres de todos. E essa conversa confusa acaba por gerar insegurança jurídica em um ambiente que, em tese, não busca – ou não deveria buscar – o Judiciário para sanar suas dúvidas sobre a correta aplicação da lei ou para anular a vontade das partes.
Por fim, deveria o Marco Legal das Startups ter corrigido uma imensa falha existente no Inova Simples. O § 7º da legislação determina a facilidade de comunicação das informações da empresa do Inova Simples ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para facilitação do registro de marcas e patentes, trecho parcialmente mantido pela nova redação pelo Marco Legal.
Entretanto, a legislação não fala nada de registro de software, descrito na Lei 9.609/98. Software não se patenteia, se registra. Portanto, em tese, não cabe na facilidade do § 7º do artigo 65-A. Mesmo que a maioria esmagadora das soluções inovadoras sejam através de softwares. Portanto, o § 7º do artigo 65-A deveria vir descrito marcas, patentes e registros de software, visando assim atender a todas as modalidades de registro de propriedade intelectual das startups.
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BRASIL. (2006). Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte […]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>.
_______. (2021). Lei Complementar 182, de 1º de junho de 2021. Institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador; […]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp182.htm>.
[1] § 10. É permitida a comercialização experimental do serviço ou produto até o limite fixado para o MEI nesta Lei Complementar.