João Busin

Victor Cabral Fonseca

Nação Inovadora

<p>Após mais de dois anos de debates, em junho deste ano foi sancionada a Lei Complementar nº 182/2021, também conhecida como Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (MLS). Apesar de trazer em seu conteúdo algumas inovações importantes para o mercado, a publicação da norma também pode ser vista como o desfecho de um processo que uniu todo o ecossistema de inovação em prol de objetivos comuns.<br />
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No tocante a seu conteúdo, a Lei Complementar nº 182/2021 se destaca ao não criar uma definição restritiva de startups, permitindo um enquadramento mais flexível para que empresas possam assim ser consideradas. Para determinar quais empresas se configuram como startups, a norma foca em características como a inovação e o desenvolvimento de novos produtos/serviços como cerne de seus negócios, independentemente do tipo societário adotado, desde que cumpridos alguns requisitos de faturamento e tempo de constituição, por exemplo.</p>
<p>Além disso, também são pontos centrais da Lei Complementar as disposições sobre compras públicas, ao criar uma nova forma de licitação específica para testes com soluções inovadoras, a previsão expressa de sandboxes regulatórios como uma forma de prototipação de novos projetos em setores regulados, e o reconhecimento de diversas modalidades de investimento em startups, como mútuos conversíveis e opções de compra ou subscrição de ações, por exemplo.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Outro avanço relevante para o mercado foi a flexibilização quanto às exigências de publicações e a possibilidade de criação de livros digitais, tais como livros de registro de ações, de registro de transferências de ações, entre outros.</p></blockquote>
<p>Apesar de parecerem temas relativamente “mundanos”, a exigência de livros físicos, bem como de publicações em jornais de grande circulação e diário oficial, é um anacronismo de nosso sistema que onera substancialmente o dia a dia de qualquer empresa, em especial a rotina daquelas empresas que se encontram em seus estágios iniciais de desenvolvimento.</p>
<p>É importante lembrar que muitos dos dispositivos ainda dependerão de posterior regulamentação infralegal por órgãos competentes, conforme a matéria.</p>
<p>A Lei Complementar, no entanto, foi sancionada com vetos que atingiram dois pontos da proposta aprovada no Congresso Nacional. Foram eles: o art. 7º, dispositivo que tratava da possibilidade de que as perdas nas operações com startups na forma da lei pudessem compor custo de aquisição para apuração de ganhos de capital para investidor pessoa física, e parte do art. 16, especificamente a que alterava o art. 294-A, V, da Lei nº 6.404/1976, no qual figurava a possibilidade de dispensar ou modular as obrigações relativas à apuração do preço justo no acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais. É necessário frisar que, no momento do fechamento deste artigo, os vetos presidenciais ainda poderão ser rejeitados no Congresso Nacional, o que seria algo bastante aprovado pelo ecossistema.</p>
<p>Contudo, a principal contribuição do MLS para o ecossistema de inovação brasileiro não está elencada em seus artigos. Quando observamos todo o processo de construção do MLS, percebemos que os agentes que dele participaram juntaram forças em prol de pautas comuns, revelando claramente quais são as principais dores jurídicas do setor. Estamos falando de investidores, advogados, empreendedores, aceleradoras, universidades, entidades representativas, etc., todos em uníssono levando ao poder público quais temas são prioritários para o dia a dia de nossas startups. Essa união, por si só, é histórica e inédita.</p>
<p>Para entender esse caminho, é preciso lembrar de todo o processo de construção do MLS. A Lei Complementar nº 182/2021 é resultado da junção, principalmente, de dois Projetos de Lei Complementar: o PLP nº 146/2019, de iniciativa do Legislativo, e o PLP nº 249/2020, de iniciativa do Executivo, posteriormente apensado ao primeiro para que tramitassem em conjunto. Em todas as etapas, houve extensa oitiva do mercado e seus agentes, o que permitiu ao ecossistema uma série de oportunidades para se manifestar sobre o que gostaria de – e precisaria – ver no MLS.</p>
<p>Podemos citar, por exemplo, os vários debates organizados pelo Ministério da Economia em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações ao longo de 2019; a Consulta Pública que sucedeu a realização desses encontros; as audiências públicas organizadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em todas as fases da tramitação, entre outras inúmeras aberturas de diálogo que os relatores do PLP nº 146/2019 proporcionaram ao longo do processo legislativo. Essas iniciativas demonstram a nova forma de construção de políticas públicas e, como dito, permitiram que diversos agentes do ecossistema concordassem e se unissem em prol de pautas comuns.</p>
<p>Dessa organização dos agentes do ecossistema, emergiram quatro demandas principais. São elas: (1) caráter não remuneratório das stock options, amplamente utilizadas por startups; (2) benefícios fiscais para investimentos em startups, que já são arriscados por natureza; (3) possibilidade de startups constituídas como S.A. aderirem ao regime tributário do Simples Nacional; e (4) dispensa de publicações e livros digitais para startups constituídas como S.A., independentemente do número de sócios. Apesar de toda a união do mercado e da quantidade de vezes que foram abertos canais de comunicação, contudo, apenas o último pedido foi, de fato, incorporado ao texto final.</p>
<p>E é isso que torna a união do ecossistema tão relevante, neste momento. É preciso aproveitar o consenso para seguir trabalhando, em projetos futuros, para que de fato as dores jurídicas dos empreendedores brasileiros sejam resolvidas em um ambiente regulatório mais favorável à inovação.</p>
<p>A atenção dos stakeholders está voltada para o que vem a seguir, e o cenário político dá sinais de esperança para próximos passos. O Poder Legislativo já sinaliza que as pautas que ficaram de fora serão incluídas e debatidas de forma mais ampla e prolongada em novas propostas, o que indica que novos pleitos e desafios estão no horizonte do setor de inovação. Por este motivo, os diálogos sobre essas pautas comuns não podem – e não devem – arrefecer tão cedo.</p>
<p>O Marco Legal das Startups, desse modo, representa apenas o início de uma série de novas iniciativas que devem surgir para a construção de um ecossistema de inovação mais maduro e seguro juridicamente para os empreendedores brasileiros. Quanto mais avançarmos nessa pauta, mais poderemos desenvolver nossa economia por meio da inovação e menos perderemos investimentos, talentos e recursos para o exterior. Esperamos que o consenso conquistado pelos agentes produza novos e frutíferos diálogos com o poder público, trazendo resultados cada vez melhores ao Brasil que já é, e ao que virá pela frente.</p>
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Norma pode ser vista como o desfecho de um processo que uniu todo o ecossistema de inovação em prol de objetivos comuns

Marco Legal das Startups e a história que se constrói em conjunto

Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)