Luciano Padua

Liberdade de Expressão

Advogados, magistrados e acadêmicos temem que o excesso no combate à disseminação das chamadas fake news pode colocar em risco a liberdade de expressão no Brasil. Em debate no evento “Liberdade de expressão na internet –<a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/liberdade-expressao-internet-stj-07052018"> um olhar sobre a jurisprudência do STJ e suas interações com outros direitos fundamentais</a>”, organizado pelo JOTA.
Advogado e professor de Direito Constitucional, Eduardo Mendonça destacou que o Brasil não é um “campeão” da liberdade de expressão. Ele citou um relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa, lançado no ano passado, no qual o país ocupou a 103ª posição num ranking que media o risco para a segurança de jornalistas em 180 países.
Para ele, ao se discutir novos modelos normativos sobre remoção de conteúdo, <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/fake-news-stj-07052018">como sugeriu o ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva</a>, por exemplo, esta realidade precisa ser levada em conta. “Não temos tradição de deferência à opinião crítica. Há um déficit da liberdade de expressão como elemento constitutivo da cultura", disse Mendonça.
+JOTA:<a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/stj-remocao-conteudo-08052018"> STJ: em 85% dos acórdãos ofensa é o motivo para pedido de remoção de conteúdo</a>
Para a juíza Carolina Munhoz Rossi, da 1ª Vara Cível de Santo Amaro, é preciso fazer, caso a caso, a dosagem dos princípios para respeitar o limite do direito individual e da liberdade de expressão. "Posso dizer que 20% das questões que chegam até mim dizem respeito ao conflito de onde começam e terminam os direitos à privacidade e à liberdade de expressão", afirmou.
Segundo ela, permitir que o direito de expressão seja absoluto não deixa de ser um desrespeito aos direitos individuais. “É preciso analisar caso a caso, não posso partir de uma verdade que será sempre a mesma”, avaliou a magistrada.
Eleições e expressão
Tendo em vista a aproximação das eleições gerais de outubro, Mendonça argumentou que o campo do Direito Eleitoral é desequilibrado na forma de tratamento da liberdade de expressão.
Ele citou que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido clara em não permitir mensagens que possam afetar campanhas em prol de buscar manter a igualdade no pleito. Somado a isso, Mendonça vê um risco do "uso retórico" do combate às fake news minar a circulação de ideias.
"No ambiente eleitoral, deveria haver o debate mais amplo possível. As pessoas que são objeto do debate têm plena opção de colocar a opção contrária para que o eleitor faça sua opção", afirmou. "No Brasil, ainda não chegamos a um consenso se há déficit da Previdência Social. Então, dizer que haverá remoção de fake news é perigoso. O que é fake news? As notícias falsas são um perigo no mundo todo, mas com nossa cultura restritiva isso tende a ser um antídoto pior do que o veneno."
Clarissa Gross, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, concordou com a posição sobre a dificuldade de haver igualdade nos pleitos. "Uma definição mais adequada do que significa igualdade na disputa do pleito talvez tenha a ver com o manejo dos recursos", ponderou.
Ela ressaltou a dificuldade de definição de fake news, que não pode ser caracterizada como qualquer falsidade que circule no debate. Segundo ela, as notícias falsas são aquelas produzidas de forma deliberada com propósito econômico.
Para a juíza Carolina Rossi, na hora de julgar um caso envolvendo notícia falsa, só é possível determinar a retirada de conteúdos depois de uma análise minuciosa de que eles sejam falsos e têm objetivo de prejudicar alguém ou desinformar. "Isso vai analisado no caso concreto. Mas não dá para colocar uma fórmula. Preciso que se prove que é uma mentira ou que tem intuito de prejudicar", avaliou.
O diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Hamilton dos Santos, apontou que dentro das empresas a liberdade de expressão tem ficado em xeque diante do aumento do ativismo dos funcionários. Além disso, a preocupação com as fake news deve crescer no ambiente corporativo.
Levantamento da Aberje sobre fake news com 52 companhias mostrou que 67% não considera o tema como estratégico. Mas 24% já montaram ou estão montando uma estrutura formal em seus departamentos de comunicação para acompanhar e gerir a publicação de notícias falsas. "Acreditamos que isso poderá crescer", disse Santos.
Para ele, diante do acirramento da disputa sobre a liberdade de expressão, a imprensa tem arriscado menos em suas publicações. No âmbito das empresas, a questão das eleições está entre os assuntos das organizações. "Estamos fechando o espaço para a sátira. Todos parecem ter um certo receio de fazer sátira, que era muito natural".
Algoritmos para fake news
No evento, o ministro Cueva havia levantado a hipótese de que o uso de algoritmos que consigam identificar as notícias falsas pode ser essencial. Já os debatedores têm dúvidas quanto à capacidade técnica para tanto e desconfiam do fato de não haver um julgador humano para determinar o que é falso e o que não é.
A magistrada Carolina Rossi considerou "complicado" prescindir de um juiz e avaliou que há uma diferença entre ter uma opinião e divulgar essa opinião. "A partir do momento que se divulga isso, somos responsáveis. Todos somos chamados hoje para nos autorregulamentar".
Segundo Clarissa, da FGV, é preciso também integrar os cientistas da computação a este debate, uma vez que não se tem clareza de como funcionam os algoritmos. "Ainda não sabemos qual o nível de sofisticação conceitual que a inteligência artificial é capaz", disse.
Ela citou o pensamento do historiador Timothy Garton Ash, da Universidade de Oxford, de que os usuários de internet precisam se tornar gestores de fontes e se responsabilizar pela gestão das fontes.
Segundo Mendonça, a percepção do mercado é a de que tecnicamente é possível fazer isso, mas a multiplicação das vozes na internet dificulta "carimbar" uma licitude ou ilicitude nas mensagens. Em sua avaliação, é necessário ser cuidadoso com a dicotomia "binária do válido ou não-válido".
"Quando se fala em terceirizar para um algoritmo, se está matando a liberdade de expressão. Alguém alimentará este algoritmo para dizer como interpretar o que é válido e o que é inválido", disse. "Vamos terceirizar isso para o dono do algoritmo ou para o Estado. A verdade é que quando outorgamos ao poder público o que pode ou o que não pode nunca dá certo". Neste contexto, a sociedade estaria, segundo ela, submetida a um mecanismo de controle da informação

Mesa_JOTA

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JOTA

Em debate, advogados e magistrados avaliaram o cenário deste direito fundamental no Brasil

Combate às fake news pode ser um risco à liberdade de expressão

Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)

JOTA Discute

Advogados, magistrados e acadêmicos temem que o excesso no combate à disseminação das chamadas fake news possa colocar em risco a liberdade de expressão no Brasil. Em debate, eles ponderaram que a liberdade de expressão ainda está em disputa no Judiciário.