Luciano Padua

Liberdade de Expressão

"Excesso de linguagem". Este foi um dos argumentos que levou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a aplicar uma pena de censura num  processo administrativo disciplinar (PAD) contra um membro do Ministério Público. Assim como neste caso, vários outros promotores e procuradores estão sendo processados por possíveis excessos em suas manifestações, principalmente em redes sociais.
Um levantamento do CNMP obtido pelo JOTA mostra que até maio deste ano o número de PADs que chegaram ao órgão é 66% maior do que o registrado durante todo o ano de 2017. Um deles, que envolve o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, membro da Força Tarefa da Lava Jato, deve ser julgado nesta terça-feira (29/5).
No ano passado, foram distribuídos aos conselheiros do CNMP seis processos deste tipo. Até 8 de maio deste ano, 10 PADs que discutiam o "excesso de linguagem" de membros do MP passaram a tramitar no plenário. Em 2016, o órgão recebeu apenas um processo desta natureza.
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<li>+Leia mais: <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/procurador-fora-temer-pad-27042018">Procurador de Justiça diz ‘Fora, Temer’ e vira alvo de processo no Conselho Nacional do Ministério Público</a></li>
<li>+Leia mais: <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/liberdade-de-expressao-mpf-14052018">Mais de 400 membros do MP e juízes assinam manifesto pró-liberdade de expressão</a></li>
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O aumento dos PADs expõe o conflito entre a liberdade de expressão de procuradores e promotores e as exigências funcionais dos cargos. Membros do MP têm ampliado sua presença em redes sociais e comentam casos de corrupção e da aplicação da lei no país.
No Twitter, por exemplo, a procuradora regional da República Janice Ascari brincou com informações de que o corregedor-nacional do CNMP, Orlando Rochadel, estaria "vasculhando as redes sociais de membros do MP".
https://twitter.com/JaniceAscari/status/990282972145307650
Advogados que atuam em casos de membros do MP ponderam que tem havido um aumento da fiscalização das corregedorias, mas sem o "devido cuidado" com o direito à liberdade de expressão.
Em São Paulo, o Ministério Público <a href="http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/corregedoria_geral/Avisos/Aviso%20n%C2%BA%2002-17-CGMP.pdf">editou um aviso</a> aos seus membros com orientações sobre o uso de redes sociais e manifestação de opiniões. "O membro do Ministério Público deve tomar os cuidados necessários ao realizar publicações em seus perfis pessoais nas redes sociais, agindo com reserva, cautela e discrição, evitando-se a violação de deveres funcionais", diz trecho do documento.
"O CNMP e as Corregedorias precisam ser extremamente cuidadosos quanto à aplicação dessa Recomendação, sob pena de gerarem um paradoxo, onde o membro do Ministério Público, que é uma instituição que tem o papel constitucional de salvaguardar o regime democrático, estará sujeito a sofrer uma punição disciplinar exatamente por exercer um dos valores supremos da democracia, que é a liberdade de expressão", diz o advogado Raphael Carneiro, que defende promotores no âmbito do MP de São Paulo.
O levantamento não leva em conta os processos administrativos que tramitam nas corregedorias dos Ministérios Públicos estaduais nem os processos estaduais que são enviados ao CNMP para revisão disciplinar.
O CNMP também preparou duas recomendações sobre o assunto. Na <a href="http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendacoes/Recomenda%C3%A7%C3%A3o-058.pdf">recomendação 58/2017</a>, de julho do ano passado, estabeleceu a Política Nacional de Comunicação Social do Ministério Público brasileiro. Em 2016, <a href="http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendação_01-2016_-_após_alterações.pdf">elaborou um documento</a> sobre a liberdade de expressão no órgão.
<h3>O caso Carlos Fernando</h3>
Alguns deles ganharam relevância nacional. O mais célebre é o do procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, membro da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
<blockquote class="jota-article__eye">Em post de junho de 2017, no Facebook, Lima disse que o presidente Michel Temer foi “leviano, inconsequente e calunioso” por “insinuar recebimento de valores por parte do PGR” quando vieram à tona as denúncias de Joesley Batista contra o presidente.</blockquote>
https://www.facebook.com/carlos.fernando.s.lima/posts/1211954462267372
Lima será julgado no CNMP nesta terça-feira (29/5). Há duas semanas, <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/liberdade-de-expressao-mpf-14052018">mais de 400 integrantes do Ministério Público e magistrados assinaram um manifesto em defesa da “liberdade de expressão de todos os membros do Ministério Público”</a>.
No início do ano, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)<a href="https://www.jota.info/justica/corregedoria-recomenda-que-procurador-da-lava-jato-evite-comentar-em-redes-sociais-sobre-investigados-03012018"> recomendou a Lima</a> que se abstivesse de "emitir juízos de valor, por meio de redes sociais e na esfera privada, em relação a políticos, partidos políticos e pessoas investigadas e/ou acusadas” nos desdobramentos da Operação.
<h3>Censura</h3>
Dos 18 PADs levantados, o nome do procurador de Justiça Rômulo Andrade de Moreira, do Ministério Público da Bahia, surgiu quatro vezes. Em fevereiro deste ano, o CNMP aplicou a penalidade de censura a Moreira por uma postagem no Facebook na qual ele "pôs em dúvida", na opinião do órgão, a integridade de conselheiros do CNMP.
<blockquote class="jota-article__eye">Na ocasião, Moreira escreveu que "um dos membros do CNMP utilizou-se de um veículo do Ministério Público para passear na aprazível Praia do Forte. E, soube mais: alguns outros passeiam pelo País e, especialmente, pelo Distrito Federal, com as respectivas amantes (nada contra as amantes, hein!)".</blockquote>
No julgamento, Dermeval Farias, conselheiro que relatou o processo, afirmou que representantes do MP devem pautar suas manifestações pelo respeito às garantias constitucionais não menos essenciais, como o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem.
“Além disso, o direito de livre expressão do membro do Ministério Público deve observar as vedações legais e os deveres funcionais que lhe são impostos”, destacou na ocasião.
Moreira já recebera uma advertência do CNMP em 2016 por expressões utilizadas numa entrevista. Na ocasião, ele disse que “cem por cento (da sociedade) é merda”. Na entrevista, afirmou que o juiz federal Sérgio Moro era “analfabeto histórico” e “midiático, que gosta muito de mídia, de aparecer”.
Também declarou que o Supremo Tribunal Federal (STF) e os demais tribunais ignoram as supostas nulidades praticadas na Operação Lava Jato porque “não têm coragem” para anulá-las.
Em 2017, o ex-procurador Eugênio Aragão, então subprocurador-geral da República, foi alvo de PAD depois de publicar um <a href="https://www.conjur.com.br/2017-abr-28/aragao-vira-alvo-processo-criticar-cnmp-artigo-conjur">artigo no site Conjur</a> em que afirma que o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) "punem ou poupam quando querem e lhes é politicamente conveniente".
O conselheiro Otávio Brito Lopes, relator do caso, avaliou na ocasião que Aragão cometeu “excesso no uso do discurso crítico, com a adoção de expressões incompatíveis com os deveres de urbanidade e de zelo e respeito à dignidade da Justiça, (...) ao acusar de forma genérica e leviana o CNMP e o CNJ”.
Aragão se aposentou em junho de 2017 e afirmou que o fez "não pela pressão expulsória, mas pelo desgosto de participar de uma instituição que nasceu grande na Constituição de 1988 e se apequenou pelas demandas rasteiras de facilidades, vantagens, poder e prestígio próprio".
Ele também disse que o CNMP "usou o instrumento legal para promover a vindita corporativa contra a liberdade de expressão de um de seus membros".
O caso do procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, do o Ministério Público do Paraná, foi noticiado pelo JOTA no fim de abril. O CNMP instaurou um PAD para apurar a conduta do procurador, que <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/procurador-fora-temer-pad-27042018">ao final de um discurso na IV Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Paraná, falou no microfone:  “Fora, Temer”.</a>
“Ao assim proceder, o processado deixou de observar o dever legal de guardar decoro pessoal e de manter conduta pública ilibada, atentando contra a dignidade de suas relevantes funções e o prestígio do Ministério Público”, diz a portaria CNMP-CN <a href="https://diarioeletronico.cnmp.mp.br/apex/EDIARIO.view_caderno?p_id=5827">0106, do dia 9 de abril</a>, que instaurou o processo contra Sotto Maior Neto.
No Maranhão, o promotor Paulo Roberto Ramos, do Ministério Público do Maranhão, está sendo investigado por acusar o desembargador Froz Sobrinho de desbloquear os bens da ex-governadora Roseana Sarney no chamado Caso Sefaz, um suposto esquema fraudulento de concessão de isenções fiscais pela Secretaria de Estado Fazenda (Sefaz) do estado.
"Muito estranho que um desembargador nomeado com a anuência da ré durante um dos seus governos tenha tomado esse tipo de medida. Por que decidiu dessa maneira tão rápida? É de se desconfiar de qualquer amparo jurídico para essa decisão", disse Ramos ao<a href="http://oimparcialblog.com.br/klamt/2017/04/05/mp-responde-tj/"> jornalista Felipe Klamt</a>.
O PAD também apura outras entrevistas concedidas pelo promotor. No levantamento, constam ainda casos contra membros dos Ministérios Públicos do Tocantins, Piauí, Ceará, Rio Grande do Sul e Alagoas.

carlos_fernando_lima

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JOTA

Levantamento mostra que até maio de 2018 chegaram ao Conselho 10 processos deste tipo. Em 2017, foram seis

PADs que apuram falas de membros do MP aumentam 66% no CNMP

Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)

JOTA Discute

O CNMP teve um aumento significativo do número de procedimentos administrativos disciplinares (PAD) para apurar "excesso de linguagem" de membros do Ministério Público. Um levantamento obtido pelo JOTA mostra que até maio deste ano o número de PADs é maior do que o registrado durante todo o ano de 2017.