Hyndara Freitas
Foi repórter do JOTA em Brasília, quando cobriu Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo
JOTA Discute


Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)
Neste fim de semana, o procurador-geral da República, Augusto Aras protocolou representação na Comissão de Ética da USP contra o professor Conrado Hübner Mendes, por artigo publicado na Folha de São Paulo. O PGR deve processar o professor também criminalmente.
O PGR já havia acionado a Justiça contra outra publicação em veículo de informação: em julho do ano passado, Aras ajuizou uma ação na esfera cível e outra na esfera penal contra o jornalista André Barrocal, da revista Carta Capital.
O motivo foi um texto chamado “Augusto Aras: O cão de guarda de Bolsonaro e perdigueiro dos inimigos”, que chamou Aras de "PGR de estimação" por ele ser "fiel" ao presidente Jair Bolsonaro e elencou fatos que o chefe do Ministério Público Federal havia deixado de investigar. A queixa-crime foi rejeitada pela primeira instância, enquanto o processo em que o PGR pede indenização ainda está pendente de decisão. Aras quer que o jornalista e a editora que produz a revista lhe paguem uma indenização de R$ 100 mil.
O juiz Francisco Codevila Pinheiro Filho, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, afirmou que “apesar de configurar um direito fundamental, a honra não necessariamente caracteriza-se como um bem jurídico penal”, portanto eventual abuso deveria ser apurado na esfera cível para fins de indenização.
O magistrado questiona: "é razoável retirar a liberdade de um indivíduo quando este, por sua conduta, atinge a honra de alguém?". E responde: "É evidente que não".
"A honra, a despeito de ser um direito fundamental (formalmente o é, mas, talvez, nem o seja do ponto de vista material; mas essa já é outra discussão) não é um bem essencial à vida digna do indivíduo e, tampouco, um dos pilares de sustentação da sociedade; além do que, uma vez ofendida, pode ser suficiente e eficazmente recomposta com o direito de resposta e a indenização civil, solução que a própria Constituição oferece para este caso de aparente antinomia entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra", avalia. Leia a decisão.
Aras recorreu da decisão. Não há ainda, portanto, uma decisão final sobre o tema. Diante do recurso movido pela defesa de Augusto Aras, o caso agora terá de ser examinado pelos desembargadores federais da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Já na esfera cível, Aras pede indenização de R$ 100 mil no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ainda não houve decisão. Aras é representado pelo advogado Airton Rocha Nóbrega, que argumenta que o jornalista da Carta Capital caluniou Aras ao imputar a ele crime de prevaricação, além de tê-lo comparado a um cachorro do presidente da República.
Na reportagem da Carta Capital, André Barrocal escreve que “é longa a lista de serviços de Aras ao presidente: Fez vista grossa para a atitude criminosa de Bolsonaro na pandemia. Antes de recuar, chancelou a tese de que o artigo 142 da Constituição de algum modo respalda um golpe militar. Tentou brecar o inquérito do Supremo sobre milícias digitais bolsonaristas, episódio que provocou uma rebelião de procuradores e culminou em um manifesto em favor de o cargo ser ocupado por alguém da lista tríplice eleita pela categoria, o que não ocorreu com Aras”.
Já o texto de Hübner, publicado em sua coluna na Folha de São Paulo, elenca diversas situações que o PGR deixou de investigar, além de solicitações de investigações contra Bolsonaro e seus aliados em que o PGR opinou pelo arquivamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Aras também cita publicações feitas pelo professor em seu Twitter pessoal.
Tanto nos processos judiciais quanto na representação, a defesa de Aras traz o mesmo argumento: não foi só crítica, houve imputação do crime de prevaricação. Por isso, para o PGR, houve excesso no exercício da liberdade de expressão.
Quando o juiz federal, no ano passado, rejeitou a queixa-crime de Aras contra o repórter da Carta Capital, enfatizou que o STF declarou inconstitucional a Lei de Imprensa – editada durante a ditadura militar – o que "deixou claro que mesmo a solução da indenização por danos morais poderá ensejar a mitigação da liberdade de expressão, do que se extrai que privação da liberdade ou restrição de direitos, como soluções evidentemente mais intrusivas e amargas, são inadmissíveis".
E ao fim da decisão, ainda criticou o excesso do uso do sistema penal nestes casos. "Tendo em conta as restrições financeiras do Estado e a carência de recursos humanos, as atividades de investigação, acusação e julgamento devem centrar-se nas condutas efetivamente impactantes para a sociedade, descartando-se os conflitos interpessoais passíveis de serem resolvidos por vias menos onerosas", afirmou.
A queixa-crime movida por Aras contra o jornalista da Carta Capital tramita com o número 1041777-64.2020.4.01.3400. Já o processo cível tramita com o número 0726684-48.2020.8.07.0001.