CENSURA

TJSP nega a Mizael Bispo direito ao esquecimento por morte de Mércia Nakashima

Ação pleiteava indenização e remoção do streaming de episódio da série documental ‘Investigação Criminal’

Mizael Bispo Episódio de série que narra o caso Mércia Nakashima permanece no ar
Episódio de série que narra o caso Mércia Nakashima permanece no ar / Foto: Reprodução

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) negou um pedido de indenização por danos morais e de direito ao esquecimento do crime cometido pelo ex-policial militar Mizael Bispo de Souza, condenado a 22 anos e 8 meses de prisão pelo assassinato da ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, em setembro de 2009.

Em acórdão proferido em 26 de novembro, os desembargadores rejeitaram o recurso ajuizado pela defesa de Bispo para remover de plataformas de streaming um episódio da série documental “Investigação Criminal”, produzida pela produtora Medialand, que conta a história do caso no episódio intitulado “Mércia Nakashima”.

Além da produtora, a ação também tem como corré a Netflix, que deteve os direitos de transmissão da série até 4 de agosto de 2020, quando a produção saiu do catálogo e migrou para outro serviço de streaming. Leia o acórdão na íntegra.

Segundo sustentam os advogados do autor do crime, o conteúdo audiovisual se utilizou de “diversas imagens suas, que aparecem em fotos e vídeos, sem autorização ou indenização pelos direitos de uso de imagem, e todos os entrevistados do episódio emitem juízos de valores depreciativos a sua pessoa”.

Para os advogados, a narrativa compromete a ressocialização de Bispo, assim como viola os princípios da proporcionalidade da pena e da pessoalidade da pena. O valor de indenização pleiteado pela defesa é de R$ 500 mil.

De acordo o relator da ação, o desembargador Alcides Leopoldo, no caso concreto não é possível invocar a teoria do direito ao esquecimento, nem mesmo impedir a divulgação de notícias relativas ao crime, uma vez que as informações não estão relacionadas exclusivamente à vida privada de Bispo.

Neste sentido, escreveu o desembargador, é possível “a utilização de fotografias e filmagens da pessoa do criminoso, não para expô-lo a situação vexatória, humilhante e discriminatória, mas para individualizar o malfeitor, dispensando sua autorização, por ser hipótese de ‘licença compulsória’, não se podendo falar em comprometimento à sua ressocialização”.

Licença compulsória gratuita, de acordo com Leopoldo, consiste em “eventos de importância social, catástrofes e acidentes, e envolvendo personalidades insignes ou pessoas notórias, com resguardo de sua privacidade, alheia ao fato em si; cabendo a livre divulgação das imagens dos criminosos, estando presente o caráter jornalístico”.

No caso em questão, o crime pelo qual o autor foi acusado e condenado alçou notoriedade nacional, com ampla divulgação pela imprensa e comoção popular. O julgamento pelo Tribunal do Júri, realizado entre 11 e 14 de março de 2013 foi o primeiro do Brasil a ser transmitido ao vivo pelos meios de comunicação.

Na decisão, o desembargador discorreu que a liberdade de divulgação de notícias tem como base o interesse público da obtenção de informação, por isso é vedada a censura prévia. Apenas posteriormente, se for constatado que a veiculação não teve caráter informativo ou de interesse público, é que o dano deve ser reparado.

“Quanto ao litígio em discussão, o autor ainda não cumpriu sua pena criminal, nem está na iminência de cumpri-la, ao que não se equipara a progressão ao regime de prisão domiciliar, e enquanto não extinta a sua punibilidade, há persistência e prevalência do interesse público ao conhecimento dos fatos relacionados à investigação criminal, ao processo judicial e especialmente à execução penal, pela prática de crime consistir em lesão, não apenas à vítima e seus parentes, mas à toda a sociedade”, escreveu o desembargador.

A ação foi ajuizada enquanto Bispo estava em prisão domiciliar, concedida em decisão liminar proferida em agosto deste ano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em julgamento realizado em 2 de dezembro, entretanto, a Corte reconsiderou a liminar e determinou o retorno do condenado à penitenciária 2 de Tremembé, interior de São Paulo.

Para o desembargador do TJSP, “não houve violação ao princípio da proporcionalidade da pena pela realização do documentário e sua disponibilização em plataforma virtual, pelo menos até a extinção da pena, quando cessa o interesse público na fiscalização do cumprimento da lei penal”.

O processo tramita com o número 1105964-92.2019.8.26.0100. Ainda cabem recursos.