Liberdade de expressão

Governo quer multar e suspender redes que removerem postagem sem decisão judicial

Advogados ouvidos pelo JOTA alertam para riscos de aumento de fake news e da insegurança jurídica

armas Bolsonaro STF
Presidente Jair Bolsonaro / Foto: Isac Nóbrega/PR

O governo federal discute o texto de um decreto para impedir que plataformas no Brasil possam apagar publicações ou suspender contas de usuários sem ordem judicial prévia. O decreto regulamenta o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a minuta foi elaborada depois de uma provocação da Secretaria Especial da Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo e comandada pelo ator Mário Luís Frias

Advogados ouvidos pelo JOTA alertam que se o texto for adotado haverá um aumento da disseminação de desinformação e gerará insegurança jurídica para as plataformas.

A mudança nas regras de funcionamento da internet no Brasil atende ao anseio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que teve publicações e vídeos removidos das redes sociais sob a alegação de que propagavam informações falsas ou sem comprovação. 

O texto ainda indica que a Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, que atua dentro da secretaria especial, será responsável por fiscalizar e apurar as supostas infrações praticadas. Se o decreto presidencial for aprovado, as plataformas poderão receber sanções de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último ano, ser suspensas e até serem proibidas de exercerem suas atividades.

Atualmente, o Marco Civil da Internet, que assegura a liberdade de expressão, não veda que provedores de aplicação de internet removam espontaneamente conteúdo de usuários quando houver violação aos critérios e parâmetros estabelecidos em suas políticas e termos de uso.

Segundo Gisele Truzzi, advogada especialista em Direito Digital e fundadora da Truzzi Advogados, tirar essa a autonomia das plataformas filtrarem o conteúdo com base em suas diretrizes de funcionamento seria uma tentativa de validação da Presidência sobre seus próprios conteúdos publicados na internet. 

Nesse sentido, “criar um arcabouço jurídico para que eventuais postagens relacionadas ao presidente ou de apoiadores dele não sejam excluídas por infringirem os termos das redes sociais é preocupante”, defende.

A advogada também afirma que o decreto, como está escrito, pode ser uma motivação para manter em circulação publicações originárias de fake news ou conteúdos de ódio. “Atualmente, os provedores, ao constatarem notícias falsas ou crime de ódio, podem excluir esses conteúdos. Com o decreto, esse conteúdo vai passar mais tempo na internet, vai ser mais difícil de ser removido e enquanto isso está sendo propagado”, explica.

Para o advogado Adriano Mendes, sócio do Assis e Mendes Advogados e responsável pelas áreas de Direito Digital e Proteção de Dados, a questão vai além das redes sociais porque, ao regulamentar o Marco Civil da Internet, o decreto inclui de uma forma geral todas as empresas que têm algum tipo de serviço com site na internet. 

Dessa forma, o advogado alega que incluíram também empresas com arranjos de pagamento,  o que “extrapola o que é previsto no Marco Civil da Internet e tira a competência do Banco Central em regulamentar o tema”, destaca. 

Segundo Mendes, a mudança de gabinete da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para o  Ministério do Turismo, mesmo com uma secretaria específica de direito autoral, abandona tudo que já foi feito na esfera de regulação. “Teremos mais problemas envolvendo relações de consumo do que relações de direitos autorais e propriedade intelectual”, afirma. 

Por fim, o advogado defende que a minuta do decreto “fere a Constituição, fere a liberdade econômica e é um retrocesso para o Brasil, que fica cada vez mais próximo de um país onde há censura e o governo é quem decide o que é lícito ou não”.

Leia a íntegra do texto.

Sair da versão mobile