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Facebook não indenizará família de mulher linchada após boatos virtuais, decide TJSP

Populares confundiram mulher com uma inexistente sequestradora de crianças que foi denunciada na rede social

mulher linchada
Retrato falado de sequestradora de crianças inexistente divulgado no Facebook / Crédito: Reprodução

A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)  manteve a decisão do juiz Christopher Alexander Roisin, da 3ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, que negou um pedido de indenização de R$ 36 milhões contra o Facebook por boatos publicados na rede e que culminaram no lichamento de Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos. A ação foi movida pelo marido e pelas filhas da vítima.

Em maio de 2014, a página do Facebook “Guarujá Alerta” publicou um retrato falado de uma mulher que estaria usando crianças sequestradas em rituais de magia negra na cidade do litoral paulista.

Fabiane, confundida com a suposta sequestradora, foi linchada durante duas horas por moradores do bairro de Morrinhos, periferia do Guarujá. Ela chegou a ser internada, mas morreu dois dias depois. Vídeos do espancamento coletivo também foram publicados na rede social. 

No dia anterior ao assassinato, Fabiane tingiu o cabelo de loiro, a mesma cor do cabelo de uma mulher cuja foto foi postada por um visitante da página “Guarujá Alerta”. Depois, descobriu-se que essa loira também não tinha relação com nenhum crime. Já o retrato falado divulgado era de um crime de sequestro de dois anos antes no Rio de Janeiro. Cinco homens que participaram do linchamento foram condenados em segunda instância a 30 anos de reclusão.

O julgamento na segunda instância

O desembargador Álvaro Passos, relator do caso, julgou prescrita a causa em relação ao marido de Fabiane, tendo em vista que a ação só foi proposta em setembro de 2019. Mas apreciou o mérito em relação às filhas, menores de idade. 

Na decisão, Passos afirma que “desde a primeira notícia sobre os fatos, já era de conhecimento que aqueles que praticaram a conduta penal perante testemunhas estavam motivados pela publicação das informações na rede social”.

Mas, ele fundamenta que “não há, nos autos, indicação de condutas ilícitas da ré em sua atuação no site de relacionamentos hábeis a culminar no crime sofrido pela parente dos autores”. 

Para o relator, a publicação de informações falsas por um usuário e a não exclusão e fiscalização prévia pela plataforma não são capazes de ensejar a condenação da empresa ao pagamento de indenização. 

Isto porque o crime cometido extrapola o controle e a responsabilidade do Facebook. “Se as informações colocadas no site por um usuário ensejaram a repugnante conduta dos agressores, a esse respeito não há qualquer envolvimento da empresa”, afirma.

Ele destaca que mesmo antes do advento do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a jurisprudência já indicava que as plataformas não tinham a função de fiscalizar o teor das postagens publicadas pelos usuários.

Como o Facebook é um provedor de conteúdo, que age como fornecedor de meio para colocação e repasse do teor criado por seus usuários, não lhe pode ser atribuída responsabilidade pela edição do que é publicado por terceiros e nem pela fiscalização.

Assim, eventuais lesões, morais ou de outra espécie, somente podem impor à empresa uma responsabilização civil se comprovada a sua responsabilidade subjetiva, o que não é o caso. 

Passos afirma ser “incontestável a tristeza sofrida pelo marido e filhas (requerentes) com o óbito”, mas “as provas indicam que se trata de uma ocorrência não consequente de conduta atribuída à pessoa jurídica que cuida da rede social, de modo que ausente o nexo causal entre o resultado do crime de homicídio”.

O relator entende que o lamentável ocorrido é consequência da atuação das pessoas físicas agressoras, “que foram condenadas na esfera penal e também podem indenizar a família da vítima”.

Como não existe dispositivo legal que obrigue essa moderação, o magistrado entende que não há viabilidade em exigir a existência de um mecanismo de segurança que impeça a publicação de conteúdo ilícito ou falso na rede social. Ao contrário, isso demandaria uma análise técnica de praticabilidade da medida, bem como uma inovação legal sobre o assunto.

“A questão engloba aspectos maiores que todavia figuram como situações a serem constantemente analisadas no meio digital e pelas leis, diante do crescimento da internet e da essencialidade de se assegurar diversos direitos aos internautas, não só de segurança física e intelectual.”

Dessa forma, Passos avalia que impor a fiscalização de todas as informações que os usuários pretendam inserir na rede social a tornaria ineficaz e impossível de ser disponibilizada como um serviço. 

O magistrado entende que diante da quantidade e velocidade com que as informações surgem na internet e também em razão dos direitos fundamentais de proteção da intimidade, da vida privada, informação, liberdade de expressão e da vedação de censura, constitucionalmente assegurados, não se faz viável obrigar a empresa à análise prévia.

O relator foi seguido de forma unânime pelos pares da 2ª Câmara de Direito Privado. O processo tramita com o número 1087431-85.2019.8.26.0100.