Responsabilidade civil

Casa de eventos deve indenizar casal gay por recusa a celebrar casamento

Empresa diz que não faz festa de casamento de pessoas do mesmo sexo por questão religiosa e cita jurisprudência americana

casamento gay
Crédito: Pexels

“Conversei com Wilson, né, que é o proprietário, e você tinha até comentado comigo no telefone, né, quando eu falei para você vir visitar e você falou que viria com ele, no caso comigo no telefone, e eu conversei com ele e ele falou assim que eles aqui no espaço não fecham contratos para celebração de casamento, ou seja, recepção de convidados que seja de pessoas do mesmo sexo, né…”.

Por meio de uma mensagem de áudio com este conteúdo, um homem recebeu a notícia de que não poderia realizar seu casamento com outro homem no buffet Eventos Alvorada, em Campinas. Diante disso, ele e o companheiro foram à Justiça, que, em primeiro grau, condenou a empresa a indenizar o casal em R$ 28 mil para reparar os danos morais causados.  A decisão foi tomada pela juíza Thais Migliorança Munhoz, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro de Campinas.

 Com treze anos no ramo de festas, a Eventos Alvorada confessou no processo a recusa em fazer o casamento. A defesa alegou que “não impede homossexuais de visitar suas instalações ou realizarem qualquer outro tipo de evento (confraternização, aniversário, baile de debutante e etc.)”, mas “não realiza recepção de casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois isso vai de encontro aos princípios filosóficos e religiosos do proprietário e sua família”.

A defesa da empresa argumenta que a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou questão similar ao decidir sobre o caso “MASTERPIECE CAKESHOP, LTD., ET AL. v. COLORADO CIVIL RIGHTS COMMISSION ET AL.“. O confeiteiro Jack Phillips se recusou, também por questões religiosas, a fazer um bolo de casamento para uma união homoafetiva, e foi multado pela Comissão de Direitos Civis do Estado do Colorado.

Na Suprema Corte, contudo, a multa foi derrubada porque, segundo entenderam os julgadores, a comissão que aplicou a multa violou o dever do Estado sob a Primeira Emenda de não basear leis ou regulamentos na hostilidade a um culto ou ponto de vista religioso. Isto porque um dos membros da comissão havia feito comentários “hostis” em relação à religião. Ou seja, a Suprema Corte não adentrou ao mérito da questão, e deu ganho de causa ao confeiteiro por uma questão processual.

Por outro lado, a advogada do casal afirma que “homofobia é uma violação do direito humano fundamental de liberdade de expressão da singularidade humana, revelando-se um comportamento discriminatório” e que “a negativa de locar o espaço aos requerentes pelo simples fato de serem um casal homoafetivo já constitui homofobia”.

A partir do momento que a empresa se dispõe a locar o espaço ao público, afirma a advogada, não cabe aos donos distinguir os locatários pela orientação sexual. O casal se preparava para um dia especial, um momento único na vida, mas ao receber a negativa, tiveram de lidar com a tristeza de serem discriminados pela sua orientação sexual, argumenta. Dessa forma, o dano moral estaria configurado.

Para a juíza Munhoz, não se contesta a proteção conferida constitucionalmente à liberdade de crença e de expressão do dono da empresa de Campinas. “Todavia, é inegável que essa liberdade não pode alcançar o campo da discriminação e da homofobia. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade de expressão, de consciência e crença etc., na espécie”, afirma na sentença.

Dessa forma, a juíza entende que a condenação da empresa é necessária para salvaguardar uma sociedade pluralista, em que reine a tolerância, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para tanto.

Munhoz ressalta que a Lei 7.716/89 estabelece que são puníveis os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo vedada a recusa ou impedimento de acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (artigo 1º e 5º). 

E lembra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente entendeu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre o tema. O caso foi julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e no o Mandado de Injunção (MI) 4733.

A magistrada também cita parte da ementa do julgamento da ADI 4.277, de relatoria do ministro Ayres Britto, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.

Por fim, ela julga ilícita a conduta da empresa em se negar a recepcionar o casamento homoafetivo, sob argumento de incompatibilidade com a política de atuação instituída dentro de convicções filosóficas e religiosas. Segundo a juíza, estão presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: “ação ou omissão do agente (falha na prestação dos serviços, deixando de cumprir o pactuado); dano (ofensa íntima ao autor em evento de extrema importância pessoal); nexo de causalidade e culpa”.

Wilson Lima Barreto, que administra a Eventos Alvorada, empresa que está registrada em nome de seu filho, afirma que, pelo empreendimento ser familiar e cristão, após saber que se tratava de um casamento entre dois homens, questionou se o casal não poderia realizar a cerimônia em outro local.

 “A gente trabalha só em família e todos nós somos evangélicos, está lá pra qualquer um ver. Dessa forma, falamos para eles procurarem outro lugar, porque não iria ficar bom se fizéssemos”, declara.

Ele afirma que acreditava que a empresa não seria processado, já que os direitos das duas partes são garantidos constitucionalmente. “Eu pensei que fosse: direitos e direitos, forças iguais. Então, eu teria que respeitá-los e eles teriam que também respeitar a minha crença”, conclui.

A Eventos Alvorada afirma que vai recorrer da decisão. O caso tramita com o número 1041244-74.2019.8.26.0114.